Não sabemos lidar com a liberdade que temos

Jo Melo
ShutDiaries
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6 min readAug 5, 2019

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Começo essa reflexão me explicando que ela não passa de devaneios sobre relações humanas e que, nada aqui deve (exceto se você queira), ser levado como verdade.

Tem um tempo que gostaria de escrever essa reflexão. Mas ela é um pouquinho mais difícil, porque são tantas perguntas e encaixes pra fazer. Não há uma resposta ou solução para nossas relações. A gente tenta buscar explicação para todos os acontecimentos, mas nem todos têm uma fórmula mágica de entendimento e, às vezes, fica pro próximo e assim por diante, até nos darmos conta, sem perceber que a resposta estava sempre na nossa cara.

Eu costumo dizer que lutamos pela liberdade de amar, principalmente mulheres. Em toda a história é possível comprovar que nossos corpos sempre foram vistos para reprodução. Gozar era um ato impossível, escolher com quem se casar, então… nem se fale. Não que hoje tudo esteja diferente, mas cá entre nós, mudou e muito. A gente tem a “liberdade” de expor algum sem noção e mostrar o quanto ele agiu igual um palhaço. Ou, podemos entrar em aplicativos e falar “não quero esse”, e também a falar “não” quando vem um cara na balada pedir para beijar. Nós podemos escolher nos casarmos, ou não, ter filhos, ou não.

No geral, mesmo com todos os asteriscos que as frases acima têm, nós podemos gozar dessa liberdade. A nossa geração tem o direito de falar não. A nossa geração pode fazer e muito e o que acontece quando alguém ganha liberdade que nunca teve? Ela quer experimentar tudo. É como se fossemos passarinhos e estivéssemos presos por muitos anos, a primeira coisa que vamos fazer quando abrirem nossa gaiola, é, primeiro, paralisarmos porque não sabemos onde vamos pisar e, depois, voarmos e experimentarmos tudo o que sempre quisemos, sem pensar muito nas consequências.

Relações humanas e o Paradoxo da Escolha.

Quanto mais opção, menor é o poder de escolha. Chamamos isso no marketing de Paradoxo da Escolha* (mas o que diabos tem marketing nesse texto?), é porque tem tudo a ver com o que estou falando aqui. Vamos a um exemplo: Quanto mais opções você tem de escolha, maiores serão as suas dúvidas. Pode reparar, a maioria dos produtos sempre tem 3 opções, os preços estão sempre colocados em 3 opções, por quê? Porque vende mais. Quando você tem muita coisa pra oferecer, ninguém vai comprar porque vai ter muita dúvida, então, prefere deixar pra lá, ou se tem dinheiro, compra um monte de coisas e não usa nada.

Segundo, Barry Schwartz* estamos divididos entre: maximizadores e satisfazedores.

Os maximizadores buscam a qualquer custo a opção mais vantajosa sempre e vasculham todas as lojas em busca de uma simples meia com o melhor custo/benefício, por exemplo.

Os satisfazedores, por outro lado, assim que encontram a opção que lhes pareça a melhor, param de procurar.

Acho que você já conseguiu fazer uma ligação ou lembrar de algo que aconteceu na sua vida referente a isso. Agora, o que tem a ver com relacionamentos? Bom, falamos sobre liberdade, opções, escolha, quantidade… voilá. NÃO SABEMOS ESCOLHER. Estamos com tanta ânsia de viver experiências, temos tantas opções à vista que queremos experimentar tudo. Sabe aquela criança que quando vai à sorveteira, quer todos os sabores, mas só pode levar um e não sabe como agir? Somos essa criança. Não sabemos lidar com a liberdade. E com isso, nos tornamos pessoas que não têm a tal responsabilidade afetiva.

It’s a Match

A tal escolha se dá também pelos aplicativos de relacionamento. Estamos numa era em que tudo passa muito rápido. Esperamos respostas em fração de segundo. Não ter um retorno no WhatsApp em 1 minuto já nos deixa com a pulga atrás da orelha, levanta inseguranças e nos faz acreditar que somos um fracasso como pessoas. Temos uma prateleira de pessoas a nosso dispor, são tantas opções e tipos que queremos tudo e pra ontem. Somos rotulados feito produtos. Temos nossa altura, manias, características físicas, músicas, e tudo mais à nossa disposição. Pulamos um processo. Aliás, adiantamos o processo de conhecer a outra pessoa. A gente já tem tudo ali e isso faz com que nossas relações sejam tão rápidas quanto o tempo, afinal, ele é precioso e não queremos perder nada.

Responsabilidade afetiva

Responsabilidade afetiva não é fazer o que o outro quer, que fique bem claro! Acredito que todos somos responsáveis pelo que sentimos… aquela tal frase “Tu te tornas eternamente responsável por tudo o que tu cativas”, só serve para literatura mesmo, porque na vida real, todos devemos ser responsáveis pelo que sentimos, mas aí, abro um parenteses importante nessa frase (desde que você não alimente isso). Parece complexo, mas não é. Ou não deveria ser se todos agissem de forma responsável. Não pelo sentimento dos outros, mas empaticamente. Por isso, a tal responsabilidade afetiva deve ser levada por este caminho: não alimente algo se você não tem comida o suficiente para nutrir. É TÃO SIMPLES! Mas por que não fazemos isso?

> Medo de magoar a outra pessoa.

Certo. Nem todo mundo que age de forma não responsável é cuzão. Vamos lá. Paradoxo da escolha, liberdade de escolha, responsabilidade afetiva, a faca e o queijo na mão, a não maturidade em relação aos próprios sentimentos e até, inconscientemente, medo da rejeição, fazem a gente agir de maneira idiota. Muitas vezes, apertar a campanhia e sair correndo, é bem melhor que enfrentar o dono da casa. A gente não quer dor de cabeça. A gente não quer ver a pessoa sofrendo. A gente não quer ser cuzão e acabamos sendo. Obviamente que existem casos e casos, mas a resposta que me vem à mente referente a isso é que não somos maduros o suficiente para enfrentarmos a vida. A gente sempre foge, encarar os problemas de sempre é chato, mas meu chapa, a gente precisa encarar. Esse medo, leva ao que a gente queria evitar: magoara outra pessoa. Veja só que merda contraditória essa! O que você queria que não acontecesse, aconteceu mesmo assim, mas, você se isenta de alguma responsabilidade. Você some, dá desculpas, mente (que é o mesmo). De certa forma, você foi responsável indiretamente por magoar alguém, o que é menos pior em termos de auto culpabilização. Mas, aconteceu. E o fato é inegável.

É social e patriarcal

O que relações têm a ver com o social? Bom, somos seres sociais. Vivemos em sociedade, logo… tudo o que diz respeito a nós, é social.

Não posso deixar de fazer uma ligação de tudo isso ao sistema patriarcal ao qual estamos inseridos. Como disse ali em cima, nós mulheres desde o começo sempre fomos vistas como meros objetos de reprodução, hoje, somos hipersexualizadas e objetificadas. Nos vêem além de um mero aparelho reprodutor, também como buracos de prazer. É, feio desse jeito assim mesmo.

A “liberdade de escolha” infelizmente deu margem para o machismo reinar ainda mais. Se antes homens já tinham esse privilégio, hoje, então… Ainda impera aquele pensamento que uma mulher deve servir, que se ela tomar atitude está desesperada, se ela chama pra sair, é considerada carentona, ou seja, ela manda um “bom dia”, já está apaixonada. E se postar alguma foto sensual, então… a chavinha da “mina fácil” virou e aquela luzinha do capeta apita na cabeça do homem que goza dos privilégios que o patriarcado lhe oferece.

Mesmo com tanta informação, ainda somos separadas entre as que são pra casar e as que são pra transar. Nos classificam e colocam em potinhos sociais. O que nos levanta muitos questionamentos sobre liberdade sexual. Será que ela realmente existe?

Somos seres que sempre estão em busca do ideal, e ele não existe. Além disso, somos pessoas carentes, porque a liberdade, aliás como usamos a nossa liberdade, nos fez assim. Nós paralisamos quando saímos da gaiola e não sabemos pra onde ir. Temos tudo em nossas mãos, mas ainda, sim, fazemos escolhas erradas e, consequentemente, ela respinga em quem está na nossa frente.

Precisamos parar e refletir sobre sermos rasos, porque tudo isso está nos deixando doentes, muito doentes.

Apresento aqui o vídeo do Psicólogo que escreveu sobre O Paradoxo da Escolha. Recomendo assistir e refletir sobre todos esses pontos que foram colocados acima.

* Barry Schwartz é psicólogo, professor de Teoria Social e Ação Social da Swarthmore College, na Pennsyvania, EUA. Autor do Livro: O Paradoxo da Escolha.

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Jo Melo
ShutDiaries

Mãe, autista/tdah com hiperfoco em escrita e premiada na Suíça. Escrevo sobre autismo, mulheres, maternidade. @jomelo.escritora. Aqui tem textos desde 2016.