SAÚDE

À flor da pele

O impacto psicológico da acne e a influência do Skin Positivity na autoestima das mulheres

Ana Julia Zanotto
Pontos de Escuta

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Com acne desde os 13 anos, Larissa fica feliz por ser uma das vozes do Movimento Pele Livre | Foto: Acervo Pessoal

Pele lisa e sem marcas. Esse é o padrão estipulado como bonito. Porém, ele está muito longe da realidade. Na última década, os casos de acne adulta aumentaram significativamente e, segundo dados da Academia Americana de Dermatologia, 54% das mulheres com mais de 25 anos são afetadas. No Brasil, mais de 16 milhões de mulheres convivem com a acne da mulher adulta (AMA), particularizada pela persistência e pelo aparecimento mais frequente no terço inferior da face. “Sem dúvida, essa acne é muito mais inflamatória e deixa mais marcas”, comenta a paulista Larissa Vasconcelos, 31 anos, biomédica e criadora de conteúdo.

A dermatologista e cirurgiã dermatológica da Santa Casa de São Paulo Andrea Ortega Gimenez avalia que durante a pandemia houve um agravamento nos quadros de acne, principalmente na fase de maior isolamento social. Alimentação, sono e trabalho alterados, cansaço mental e físico foram fatores que contribuíram para esse quadro. Além do uso constante da máscara, que leva ao surgimento da mascne, acne em consequência da oclusão folicular causada pela retenção do suor e da secreção sebácea.

Suellen Neves, 27 anos, terapeuta holística e criadora de conteúdo de Araraquara, em São Paulo, foi uma das mulheres que sentiram o impacto da pandemia na pele. Após passar, em 2017, por um tratamento com Roacutan, medicamento oral à base de isotretinoína — que pode apresentar efeitos colaterais importantes, como ressecamento da pele e das mucosas, dores musculares, entre outros — , ela voltou a ter acne em 2019. Em 2020, com a pandemia, piorou. Suellen conta que o surto de acne entre dezembro de 2020 e fevereiro de 2021 foi ainda mais grave que o ocorrido durante o uso do Roacutan. Quem também sentiu os efeitos pandêmicos na pele foi a psicóloga e criadora de conteúdo Maya Medina, 25 anos. “Na quarentena, surgiu muita acne, comecei a me cutucar muito. Foi muito difícil”, relata a paulista.

Um levantamento feito pelo Google em abril de 2020 mostrou que as buscas por skincare expandiram 614% em comparação ao mesmo período de 2019. Skincare é a expressão em inglês empregada para se referir à rotina de cuidados com a pele, como limpeza, hidratação, proteção, entre outros. A dermatologista Andrea argumenta que esse aumento é muito perigoso. Primeiro, porque acredita-se que o skincare tem um caráter muito resolutivo e rápido, mas não é bem assim. É um cuidado diário com resultados a longo prazo. Além disso, qualquer tratamento deve ser acompanhado por um dermatologista, para que a abordagem seja adequada às necessidades do paciente. Isso inclui pensar a disponibilidade financeira e a disposição aos efeitos colaterais. “É frequente o paciente chegar no consultório com uma nécessaire cheia de produtos sem nem saber para que serve e como usar cada coisa”, conta Andrea.

Nessa onda de aumentos, um movimento começou a ganhar cada vez mais destaque pelas redes sociais. Derivado do Body Positive, ou Corpo Livre, o Skin Positivity, ou Movimento Pele Livre, como conhecido no Brasil, surgiu com a proposta de normalizar peles com acne e com outras doenças. Além de combater os padrões e a pressão estética que recaem principalmente sobre as mulheres.

Com o movimento, diversas criadoras de conteúdo pele livre passaram a conquistar espaço. Cada uma compartilhando experiências pessoais e mostrando, de forma única, que toda pele tem beleza. Com acne desde os 12 anos, Suellen passou por diversos tratamentos, até chegar no Roacutan em 2017. Nessa época, começou a compartilhar a sua experiência com a acne, mas, por conta da depressão, deixou a criação de conteúdo de lado até novembro de 2020, quando voltou a falar sobre o assunto. Com o objetivo de ajudar outras mulheres, Suellen divide com o seu público os tratamentos totalmente naturais que foi descobrindo durante o processo. Ela destaca como principal o cuidado emocional: “Quando a gente olha para o emocional, a gente olha para a saúde como um todo”.

Suellen descobriu os gatilhos inflamatórios que pioravam a sua acne e, por meio de tratamentos naturais, conseguiu controlá-la | Foto: Acervo Pessoal

Maya Medina também se sentiu inspirada e representada pelo Movimento Pele Livre. Não só acompanha outras criadoras de conteúdo, como também divide sua própria experiência nas redes sociais. Antes da pandemia, com uma proposta para ser modelo, ela criou um Instagram para publicar fotos produzidas, mas, na metade de 2020, mudou completamente o foco do perfil. “Não aguentei ficar postando aquelas fotos cheias de maquiagem, editando, fingindo que estava tudo bem, que eu não estava surtando”, confessa a psicóloga.

Maya apagou as fotos de modelo e migrou de um Instagram dentro de padrões de beleza para um Instagram real | Foto: Acervo Pessoal

Acne para além do físico

“Chega em um ponto que não se sabe se a acne está piorando a saúde mental, ou se a saúde mental está piorando a acne. Vira um ciclo”, Andrea Ortega Gimenez, dermatologista e cirurgiã dermatológica

Por ser uma doença multifatorial, a acne possui diversos fatores de causa e de agravo. Genética, hormônios, funcionamento intestinal, associação com doenças, estresse, questões emocionais, alimentação, tudo isso pode contribuir para o processo inflamatório. Além disso, é uma doença crônica e, segundo a dermatologista Andrea, não existe cura, mas tratamento. Por mais que seja feito com isotretinoína, ele não é definitivo, e a acne pode voltar. Os resultados podem variar, e é importante ter essa consciência. “Não podemos ter a ilusão de que vamos tomar um remédio e ele vai ser definitivo”, salienta.

Assim como a pele pode responder a gatilhos emocionais, o emocional também pode ser impactado pela acne. “Chega em um ponto que não se sabe se a acne está piorando a saúde mental, ou se a saúde mental está piorando a acne. Vira um ciclo”, explica Andrea. A pessoa vive em constante estado de vigilância, sempre pensando em como está a pele dela e se as outras pessoas estão olhando. Para Maya, esse impacto só acontece por causa do padrão de beleza, pois a acne em si não deveria causar nenhum transtorno psicológico. Pelas pessoas verem como algo feio e errado, acaba sendo motivo de vergonha, e é um ciclo difícil de sair se a pessoa não está psicologicamente preparada para isso.

Maya tem acne desde os 11 anos, passou por tratamento com Roacutan, mas as espinhas voltaram em 2020 | Foto: Acervo Pessoal

Além da acne, Maya convive com a dermatilomania (skin-picking), transtorno psicológico manifestado pela compulsão em manipular a pele agravando lesões. Ela conta que sempre teve esse hábito — intensificado durante a pandemia — , mas não sabia que era um transtorno. “Eu já me cutucava, mas não sabia que tinha um nome.” Foi com o Movimento Pele Livre que ela descobriu essa realidade e percebeu que não estava sozinha. Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP aponta que a dermatilomania, ou transtorno de escoriação, como também é chamado, afeta cerca de 3,4% da população brasileira, aproximadamente 7 milhões de pessoas. Para a psicóloga, esse transtorno gera muita culpa: “É difícil para a gente admitir que algo do nosso comportamento está fora do nosso controle consciente”.

A biomédica Larissa aponta que o processo de aceitação foi demorado, mas, com auxílio psicológico, chegou lá. “Se eu ficasse sofrendo tanto por causa da minha pele, eu ia ser uma pessoa infeliz o tempo todo, então foi aos poucos que fui saindo sem maquiagem e melhorando essa situação.” E ela destaca: “É muito importante para quem não consegue se aceitar e tem uma acne crônica e persistente procurar ajuda de um psicólogo. É importante ver as suas outras qualidades”.

Mudando a forma de pensar

O Pele Livre não é uma romantização da acne. Tampouco critica o uso de maquiagem e o skincare. Pelo contrário, mostra que essa doença existe e incentiva que as rotinas de cuidado sejam feitas sem pressão estética e obsessão. “Ninguém está falando que a nova moda é ter acne, não é um novo padrão. É só tirar a carga negativa do velho padrão”, argumenta Maya.

A escolha de tratar ou não tratar e de mostrar a pele sem que ninguém dê nenhum palpite são direitos das pessoas com acne. Para Andrea, a escolha do tratamento tem que ser feita com o paciente, que, tendo condições de entender o que é explicado, pode decidir o que quiser. “É uma decisão dele, e as pessoas têm que aprender a respeitar.”

No que diz respeito a opiniões não solicitadas, pessoas com acne têm ampla experiência no assunto. Seria um desafio encontrar alguém com espinhas que nunca escutou comentários sobre a pele ou sugestões do que passar e de como resolver o problema. “As pessoas se sentem muito no direito de dar palpites sobre o corpo do outro, sobre uma doença que elas não têm conhecimento”, acrescenta Andrea. Para Larissa, na vida real, as pessoas não costumam ser tão maldosas como nas redes sociais, mas, ainda assim, fazem comentários ofensivos.

Quando o assunto é acne, a desinformação e a falta de representatividade ganham espaço. Dificilmente vemos protagonistas ou pares românticos com essa característica, pois é sempre abordada por um ângulo negativo. E, como pontua Maya, há outros grupos que precisam de representatividade com mais urgência, mas esse movimento também tem importância. O Pele Livre trouxe uma representação positiva e criou um senso de comunidade entre as criadoras de conteúdo e o público. Andrea percebe a influência do movimento em alguns pacientes: “Eles são muito mais realistas, e o tratamento vai num ritmo melhor, porque a pessoa entende que vai demorar e ela não está com pressa, pois já se aceita daquele jeito”.

Tanto Suellen, quanto Larissa acreditam que, se houvesse representatividade durante seus primeiros surtos de acne, o processo teria sido muito menos doloroso. Ambas ficam felizes por serem representantes do movimento e frisam a importância das referências para quem convive com doenças de pele. “Eu vou continuar levantando essa bandeira. Eu saio sem maquiagem, eu faço fotos sem maquiagem, eu vou casar sem maquiagem. É uma coisa que eu vou levar para a minha vida”, acrescenta Suellen.

A mensagem é clara: pessoas reais têm peles reais. E, como reforça Suellen: “A minha pele não me define. Eu sou muito além da pele. Sou muito além na essência, no físico, na inteligência, no emocional, sou muito além na minha história”.

Suellen eternizou na pele a mensagem que, para ela, representa o movimento: “Minha pele não me define!” | Foto: Acervo Pessoal

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Ana Julia Zanotto
Pontos de Escuta

Estudante de Jornalismo na UFRGS e estagiária do Núcleo de Conservação e Memória do Patrimônio Cultural do Palácio Piratini