EDUCAÇÃO

A vida após o ensino remoto

Que hábitos devem permanecer entre professores e estudantes após a pandemia do coronavírus?

Paulo Alberto Garcia
Pontos de Escuta

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Banco de imagens | freepik

A pandemia não mudou apenas a rotina das pessoas que pertencem aos grupos de risco, mas também revelou a importância dos cuidados básicos com a higiene e com a saúde mental. Da mesma forma, evidenciou para milhões de pais e estudantes a importância da escola, não apenas na alfabetização, mas também no combate a desigualdade educacional e no processo de construção social. Alguns hábitos simples para evitar a infecção e a transmissão da Covid-19, como higienizar as mãos com álcool em gel ou usar máscaras, devem permanecer mesmo quando todos os brasileiros estiverem imunizados.

Giovani Moreira, de 34 anos, é professor de língua portuguesa, nas escolas Dom Hermeto e Marechal Candido Rondon, em Uruguaiana, no Rio Grande do Sul. Como a grande maioria dos professores, ele teve que se adaptar às aulas online. Giovani conta que no dia 18 de março de 2020 deu sua última aula presencial antes das escolas fecharem. Também como todos os colegas de profissão, ele não sabia quando as aulas iriam retornar, mas pensava que o período de isolamento não iria levar mais do que 20 dias. Quando viu todo o comércio fechando e as pessoas dentro de casa, percebeu que a situação era muito pior do que imaginava. “Nós não tínhamos nenhum caso em Uruguaiana, mas eu via muitas notícias, e foi um momento um pouco perturbador pra mim, porque eu não esperava que as coisas fossem do jeito que foram”, lembra.

Depois dos primeiros 15 dias, a 10ª Coordenadoria Regional de Educação do estado entrou em contato com os professores. A informação era a de que eles deveriam continuar elaborando aulas a distancia, pois ainda não haveria retorno presencial. Foi dito também que iria chegar uma nova plataforma que os ajudaria a realizar as aulas. Enquanto essa tecnologia não estivesse disponível, eles deveriam continuar entrando em contado com os alunos da forma como fosse possível. Contudo, somente após quatro meses de aulas, no começo de junho, é que chegou a plataforma Classroom, também conhecida como Google sala de aula, em sua escola. De acordo com Giovani, os professores não tiveram o treinamento para trabalhar com essa nova ferramenta e foram obrigados a aprender por si só a lidar com a nova plataforma ao mesmo tempo em que realizavam as aulas.

Giovani conta que a Secretária de Educação estadual fez lives focadas em motivar os professores durante este período pandêmico, mas não lhes davam instruções de como trabalhar de forma remota. “Nós realmente caímos de cabeça no YouTube para aprender a trabalhar com essas novas tecnologias”, explica o professor. Ele ainda conta que a formação oferecida pelo governo só começou um mês depois, em julho. Giovani diz que essa rotina foi muito cansativa para todos os professores: “Nós tínhamos que preparar as aulas, mandar pros alunos, corrigir essas aulas e ainda aprender a mexer nessas tecnologias”.

Durante os primeiros meses, Giovani ainda precisava ajudar pais e alunos desde a hora que acordava até a hora que ia dormir, pois ninguém estava familiarizado com essa nova plataforma. “De início, nesses primeiros cinco meses, eu quis ajudar, porque eu via que os pais e os filhos estavam precisando de ajuda, então eu não me sentia bem só de mandar atividade.” Por causa dessa rotina puxada, Giovani sofreu um desgaste muito grande e somente quando buscou ajuda de um psicólogo e começou a organizar horários mais específicos com os pais que sua saúde mental foi melhorando. “Para minha surpresa, a gente teve um acolhimento das famílias, dos pais dos alunos, muito boa”.

Em 4 de agosto de 2021, o colégio Dom Hermeto, com 1676 alunos, passou a oferecer aulas no formato híbrido, que se mantém até hoje. Metade das aulas são dadas de forma online, e a outra metade é presencial. A escola segue cumprindo com as normas de distanciamento social, exigindo o uso de máscara, disponibilizando álcool em gel e fazendo a limpeza constante das salas. De acordo com Giovani, o ano de 2021 começou melhor nas plataformas online. “Não teve tanta cobrança do governo nem da escola, então a gente tinha certo tempo para trabalhar, e aí eu vi que as coisas estavam funcionando”, relata o professor. Dessa forma, os professores conseguiram organizar a gincana do colégio 100% online. Ela aconteceu nos dias 9 e 10 de outubro. Os alunos podiam participar por celular ou computador, e aqueles que não tinham acesso a essas tecnologias tiveram a oportunidade de ir à escola para utilizar os computadores de lá.

Giovani se emociona ao recordar que os professores tiveram um papel fundamental para assegurar a educação nesse período de pandemia: “Os professores são muitos heróis também”. E quando questionado se a pandemia deixaria alguma lembrança boa, Giovani respondeu: “A pandemia não deixa nada bom, a quarentena deixa. A pandemia é uma doença triste que chegou, levou nossos entes queridos, nos afastou das pessoas que nós amamos, então ela não deixa nada bom. A quarentena nos mostrou o quanto a gente precisa do ser humano, o quanto a gente precisa dessa proximidade. Me mostrou o quanto faz falta eu estar perto da minha família e o quanto faz falta sair de casa”.

O professor acredita que, após a pandemia, os hábitos que mais ficarão marcados nas escolas serão os de higienização, como o uso de álcool em gel e de limpeza. Fora isso, ele acredita que tudo tende a voltar como era antes. “Eu estou muito descrente, atualmente, que vai ter grandes mudanças, tirando o álcool em gel e algumas atividades escolares que não possamos fazer presencialmente. Agora, a gente já sabe que pode fazer online, mas só em caso de necessidade.” Giovani ainda pretende manter em suas aulas o Classroom.“Ele ajuda muito na economia de folhas e afins”, mas uma dificuldade que já nota é que muitos alunos, ao retornarem as aulas presenciais, já estão deixando de utilizar a plataforma.

Adaptação

Foto: Banco de imagens | Flicker

Hábitos e dificuldades similares foram vividos em outros centros de educação, como o curso pré-vestibular Gabarito, com em torno de 100 alunos, também em Uruguaiana. A administradora e secretária da instituição, Juliana Araujo, de 25 anos, comenta que desde a época do isolamento foi necessário se readaptar. “A gente teve que mudar toda questão da estrutura, teve que adaptar para aula online, tentamos várias formas até se encaixar e ficar melhor pros alunos. Foi bem complicado, e a gente ainda tá nesse movimento, tentando adaptar sempre da melhor forma”, explica.

Juliana também comenta os hábitos e cuidados que tiveram quando, em junho de 2020, o curso adotou o sistema híbrido de ensino: “A gente começou a usar álcool em gel em todas as salas e, no final da turma da tarde, a gente passava álcool em todas as classes para que as turmas da noite pudessem ter aula. Pedíamos para os alunos manterem o distanciamento, reduzimos o número de classes e dividimos as turmas em dois grupos. Metade assistia online e metade assistia presencial. Não teve intervalo, pros alunos não saírem e confraternizarem, coisa que acontecia bastante”, conta. Para ela, apesar das dificuldades, o sistema de ensino a distância (EAD) é uma alternativa que pode ser mantida no futuro. “É um novo caminho que encontramos. Aqui, por enquanto, é complicado, mas quem sabe se trabalharmos e evoluirmos mais essa parte, o pessoal acaba se acostumando.”

O EAD foi um sistema de ensino amplamente adotado pelas escolas para dar continuidade às aulas durante o período pandêmico. Contudo, assim como no home office, alunos e professores de diferentes faixas etárias tiveram que se adaptar para fazer as atividades em casa. Jeani Ferrucci, de 20 anos, estudante de psicologia da Universidade Franciscana (UFN), em Santa Maria, comenta que, durante o período em que a universidade fechou, ela precisou se mudar da cidade para morar em Uruguaiana, onde sua família mora. Quando os casos começaram a piorar, ela passou por momentos de muita ansiedade por ser “tudo incerto”. “Tentava deduzir quando as coisas voltariam ao ‘normal’ de novo, mas meio que sem perspectiva, acredito que essa perspectiva só apareceu depois das vacinas.” Suas aulas permaneceram durante um semestre inteiro por EAD, retornando de forma híbrida em agosto.

Jeani conta que incorporou, além dos cuidados de higienização e uso de máscara, alguns hábitos de prevenção que pensa em levar para o pós-pandemia. “Não me sinto mais confortável em falar muito perto das pessoas e também de dividir coisas, como copos e tal. Tinha o hábito de cumprimentar as pessoas com toques, como beijos e abraços. Acredito que é um hábito que mudei e que continuarei assim depois da pandemia também “, diz. Além disso, ela conta que utiliza o tempo de isolamento para se aproximar dos seus familiares. “Sinto que desenvolvi bastante o hábito de assistir programas em casa com minha família, como assistir filmes e fazer comida todos juntos. Acredito que isso tenha também nos aproximado de alguma forma ”, diz.

Na opinião da estudante, o EAD é uma questão “muito complexa”, porque, ao mesmo tempo em que pôde ser uma alternativa importante para alguns alunos, para outros ficou mais complicado. Não só pelo fato de algumas pessoas terem mais dificuldades nesse modelo, mas também por muitos não terem acesso a um equipamento de qualidade para acompanhamento como aulas. “Restringe os alunos e os professores não apenas no conteúdo, mas nas relações interpessoais também”, refletir. Com as aulas voltando, aos poucos, ao presencial, Jeani brinca: “Nem lembro mais como estar dentro de uma sala de aula e fazer uma prova presencialmente, acredito que será uma nova adaptação”. Ela ainda diz que pretende usar mais o computador para fazer suas anotações do que o caderno, hábito que adquiriu em consequência do ensino remoto.

Sobre o retorno das aulas presencias, Jeani acredita que, depois de grande parte da população já ter sido vacinada, não há razão para se manter as aulas em EAD. “Não posso ser injusta e dizer que as aulas não devem voltar ainda se quase tudo já voltou, como bares e lugares de lazer”, opina. “É realmente algo incerto, tudo retornando ao normal, consequentemente como aulas desse retorno também, porém tem a possibilidade de não ser uma boa opção no momento”. Pelo o que tudo indica, a incerteza é um sentimento que ainda deve se manter por um tempo, nas instituições de ensino e também fora delas.

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