IMIGRAÇÃO

Coreia aqui

Conheça a história de sul-coreanos que vivem na capital gaúcha e hoje trabalham para preservar e compartilhar a sua cultura

Camila Mendes da Rocha
Pontos de Escuta

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Da Coreia do Sul para Porto Alegre: as famílias e personalidades | Foto: Arquivo pessoal

E m Porto Alegre, existem cerca de 30 mil imigrantes, segundo o Núcleo de Pesquisas em Migração do Centro Ítalo-Brasileiro de Assistência e Instrução aos Migrantes (Cibai), de diversas etnias e origens. Dentro desse grande grupo, há uma pequena comunidade de imigrantes sul-coreanos, que estão na cidade há décadas, e, agora, mais do que nunca, querem promover a sua cultura.

Hallyu — também conhecida como invasão coreana — é o nome dado ao fenômeno da popularização crescente dos costumes sul coreanos no mundo inteiro a partir dos anos 2010. Ela envolve vários bens culturais diferentes, mas os líderes de popularidade são as novelas, conhecidas como K-dramas, e a indústria musical jovem, o K-pop.

A capital gaúcha também aderiu à tendência da Hallyu, e o aumento na procura por bens materiais e imateriais originários da Coreia do Sul abriu mercado para os coreanos promoverem seus costumes de maneira rentável. O K-pop e os K-dramas abriram a porta para a comunidade sul-coreana divulgar outros aspectos de sua cultura em vários lugares, inclusive em Porto Alegre.

Novos imigrantes

Kim Sujin, de 31 anos, professora sul-coreana, veio para o Brasil em 2016. Após se formar em língua coreana e fazer mestrado em ensino de coreano para falantes de outras línguas, teve a oportunidade de se mudar para São Leopoldo para ensinar sua língua natal. A proposta veio do Instituto Rei Sejong, uma instituição de língua coreana estabelecida pelo governo sul-coreano em todo o mundo desde 2007. Os institutos foram criados pelo Ministério da Cultura, Esporte e Turismo da República da Coreia, que é responsável por ensinar e informar sobre o idioma e a cultura coreana fora do país. Existe também, por parte do governo, o objetivo de aumentar o turismo no país.

A professora coreana Kim Sujin na cidade de Porto Alegre | Foto: Arquivo pessoal

Uma parceria entre a universidade coreana Pai Chai, de cidade de Daejeon
e a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), de São Leopoldo, resultou na criação do Instituto King Sejong São Leopoldo em
2012. Foi este projeto que trouxe Sujin para o Rio Grande do Sul: ela é a professora responsável pelo curso de coreano na Unisinos. Quando eu cheguei no Brasil, eu não tinha muitos alunos, mas com o tempo as pessoas começaram a pedir para eu dar aula em Porto Alegre também. Então, desde 2018, dou aula na capital.” Sujin conta que foi surpreendida pela quantidade de alunos interessados em aprender sua língua. E, assim como ela, o governo coreano também não contava com o aumento na demanda e já recebeu a solicitação de Sujin para enviarem outra professora. “Agora eu dou aula particular também, para poder atender mais pessoas interessadas que não conseguiram vagas na faculdade.”

Primeiros imigrantes

Antes dessa onda de investimentos do governo coreano para divulgar sua cultura, existiu outro movimento migratório de coreanos para Porto Alegre. Na década de 1970, época em que a Coreia do Sul ainda sofria com as consequências da Guerra da Coreia, que aconteceu entre 1950 e 1953, existia muita pobreza no país, e a alternativa para ascensão social era a migração. Pouco mais de 80% dos coreanos que vivem fora da Coreia estão nos Estados Unidos, China, Japão ou Canadá. Apenas 1,5% vive no Brasil, sendo 96,84% em São Paulo.

Diferentemente da grande maioria, Hye Run Kang, de 62 anos, decidiu vir para o Porto Alegre em 1989. Sua primeira parada não foi no Rio Grande do Sul: sua família migrou para São Paulo em 1971, quando ela tinha 12 anos. Lá, Hye Run, que usa Helena como seu nome brasileiro, cresceu, conheceu seu marido e teve seus primeiros filhos. Mas a vida lá não era como o esperado. Segundo Jonas Kang Kim, de 27 anos, primeiro filho de Hye Run a nascer em Porto Alegre, a mãe decidiu sair de São Paulo pois trabalhar lá era difícil: “A maior comunidade coreana no Brasil é em São Paulo, e a maioria deles trabalha com a mesma coisa, o mercado têxtil. Então, o mercado já estava muito competitivo”, conta Jonas.

Hye Run e outros sul-coreanos que enfrentavam dificuldades em São Paulo procuravam por outro lugar em que pudessem se estabelecer e acharam em Porto Alegre um cenário promissor. “As coisas eram mais baratas aqui, não era tão caótico. A cidade é menor, mais organizada e arrumada. As pessoas tinham mais poder aquisitivo”, explica Jonas.

Assim, Hye Run estabeleceu sua família na cidade e abriu um loja, no Centro. Esse foi o início da comunidade sul-coreana na capital gaúcha. A história de Hye Run não foi única: Davi Kim, de 33 anos, descendente de sul-coreanos, nasceu em Porto Alegre após os pais fazerem o mesmo caminho que a família de Jonas. As duas famílias se conheceram durante o processo, e Davi e Jonas, primeira geração de coreanos porto-alegrenses, cresceram juntos. A comunidade era muito unida. “Desde o começo, todos os imigrantes que vinham para cá tentavam de algum jeito entrar em contato com os outros coreanos. Assim, todo mundo se ajudava. Por isso, aqui na comunidade todo mundo se conhece”, conta Davi.

A Familia de Hye Run costumava receber em Porto Alegre intercambistas sul-coreanos | Foto: Arquivo pessoal

Para organizar essa rede de apoio, existia a Associação Coreana em Porto Alegre, que atuava para auxiliar os imigrantes vindos da Coreia do Sul a se instalarem na cidade. O consulado da Coreia do Sul mantinha contato direto com a associação, dando apoio aos novos imigrantes. Assim que os primeiros se estabeleceram, o fluxo migratório diminuiu muito, principalmente a partir dos anos 1990, então, aos poucos, a associação foi se dissolvendo. “Esse movimento começou a se perder, porque a partir dos anos 1980 a Coreia do Sul teve um boom. Tá acontecendo agora o contrário: as pessoas que vieram para o Brasil estão voltando para Coreia”, explica Davi. Em sua opinião, a melhora na qualidade de vida no país asiático é o fator de atração.

Retorno

Davi Kim viu o país natal de seus pais virar uma potência global nos anos 2000. Foi nessa época que as primeiras gerações de imigrantes coreanos começaram a fazer o movimento contrário: os jovens nascidos em Porto Alegre, descendentes de imigrantes coreanos, estavam voltando para a Coreia do Sul para tentar uma vida melhor e estudar no país que, agora, ocupa a 10ª posição entre os melhores sistemas educacionais, segundo o 2020 Global Citizens for Human Rights.

Este movimento não é uma regra, mas é uma tendência perceptível dentro da comunidade sul-coreana | Arte: Camila Mendes

De acordo com Jonas, esse movimento foi perceptível: “A primeira geração de descendentes começou a se formar e a sair daqui. Muita gente foi para São Paulo, e outros voltaram para a Coreia. Hoje a comunidade coreana em Porto Alegre é muito pequena.” Ele estima que existam cerca de 50 coreanos na capital gaúcha atualmente, que se dividem entre católicos e protestantes, sendo aproximadamente 10 famílias em cada grupo, além de mais 10 famílias coreanas que se mudaram para a cidade após a empresa coreana de semicondutores especializada em montagem e embalagem de produtos, Hana Micron, abrir sede em São Leopoldo.

Davi foi uma dessas pessoas: se mudou para a Coreia do Sul e lá reencontrou Daniel Park, que também foi criado na comunidade coreana de Porto Alegre. Eles cresceram juntos e hoje são sócios. Davi tentou abrir um negócio em São Paulo, mas o mercado lá continua muito competitivo. Decidiu voltar para a cidade natal. Daniel mora nos Estados Unidos e administra, junto de Davi e Jonas, o Okpo, restaurante coreano em Porto Alegre.

Daniel Park, Jonas Kang Kim e Davi Kim abriram juntos um restaurante em Porto Alegre, que está em reforma para abrir ao público | Foto: Arquivo Pessoal

Missão atual

A geração de Jonas e Davi, porto-alegrenses com descendência coreana que decidiram continuar na cidade, e o grupo de Sujin, imigrantes buscando novas experiências culturais, são parte da comunidade sul-coreana que está trabalhando para difundir sua cultura na cidade. Sempre existiu o interesse de manter as tradições entre os imigrantes, mas não existia tanto interesse da população porto-alegrense nesta troca. Entretanto, com o crescimento da Hallyu, a procura aumentou. Assim, surgiu a oportunidade dos descendentes sul-coreanos em Porto Alegre trabalharem com sua cultura.

O Okpo, restaurante de Daniel, Davi e Jonas, nasceu com esse objetivo. “Esse é o momento perfeito para investir nisto. As pessoas estão mais curiosas sobre a Coreia e mais abertas para novas experiências”, diz Jonas. Além de venderem pratos típicos por delivery e o famoso Kimchi, condimento típico da culinária coreana, a proposta deles é comercializar insumos coreanos, bens de difícil acesso na cidade, assim como produtos criados por eles, como camisetas, ecobags e posters.

Hye Run Kang e seu marido, Jong Hee Kim, atualmente fazem propaganda dos produtos do restaurante Okpo | Foto: Arquivo pessoal

Mesmo sendo uma comunidade pequena, os sul-coreanos de Porto Alegre fazem parte da história da cidade. Desde sempre empreendedor, o grupo tem, além de três restaurantes típicos e das lojas de roupas no Centro, outros negócios espalhados pela cidade.

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