BEM ESTAR

Meditação se torna aliada em escolas

Yoga e meditação são utilizadas como método para amenizar impactos emocionais causados pela pandemia entre crianças e adolescentes

Manuelle Dias
Pontos de Escuta

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Desde o início da crise sanitária provocada pela covid-19, notou-se um alto crescimento pela procura por apoio psicológico. A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) calcula que a demanda aumentou 82% em consultórios particulares de todo o país de 2019 para 2020, e profissionais da saúde dizem que a relação dos transtornos mentais com o cenário de pandemia é clara.

A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) alertou em agosto deste ano que o continente vivencia uma “crise de saúde mental”, com 60% da população sofrendo de ansiedade ou depressão em decorrência das medidas de isolamento social e dos impactos socioeconômicos da pandemia. Mas como isso afeta as crianças e jovens?

Foto: Adobe Stock

Enquetes do U-Report Brasil, programa de interação do Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (Unicef), com jovens e adolescentes via redes sociais, apontam que 72% sentiram necessidade de pedir ajuda em relação à sua saúde mental durante a pandemia e que 41% não conseguiram pedir ajuda para ninguém.

Um estudo recente do Conselho Nacional da Juventude (Conjuve) com jovens de 15 a 29 anos indicou que a pandemia afetou sua saúde física e emocional, a qualidade do sono, a gestão dos recursos financeiros e as relações familiares, além de impactar suas perspectivas educacionais.

Nesse contexto, observa-se que a atenção no comportamento dos jovens deve ser acentuada, e a preocupação deve se dar não só em casa, mas também nas escolas, com o propósito de ajudar no interesse nos estudos e rendimento dos alunos, evitando não só transtornos mentais como a evasão escolar. Uma das alternativas para minimizar esses problemas tem sido a meditação.

Como as escolas lidam com o tema da saúde mental?

O uso da meditação na rotina de alunos da Escola Matias de Albuquerque, em Porto Alegre, partiu de uma proposta da diretora Claudia Campos há cerca de quatro anos, e, segundo ela, já mostrou resultados positivos na vida dos alunos.

As práticas são realizadas ao menos uma vez por semana e não são obrigatórias. A escola tem por volta de 216 alunos com a faixa-etária entre 6 e 10 anos. “Eles conseguem se desenvolver mais, porque eles se concentram, param, observam”, relata Cláudia. “Isso é importantíssimo para eles.” A diretora acrescenta que a meditação também ajudou na relação dos alunos em casa com a família.

A Escola Matias de Albuquerque possui uma sala específica para as práticas de meditação. O espaço conta com reprodutor de vídeo e tapetes de yoga, mas as atividades também são realizadas ao ar livre, no pátio da escola. Durante a pandemia, Claudia criou também um projeto pessoal de meditação direcionado a crianças chamado “Fique Bem Kids”. A diretora produz vídeos que são postados em seu canal no Youtube e após uma divulgação feita pela Secretaria de Educação do Estado (Seduc), ela recebeu relato de profissionais de outras escolas que estão fazendo o uso de seus vídeos com seus alunos. “O que houve de professores interessados nessa prática foi algo muito legal”

Alunos da Escola Matias de Albuquerque meditando | Foto: reprodução Claudia Campos/Facebook

De acordo com o professor Fabrício Labre, das escolas Ananda Marga, em Porto Alegre, a o yoga e a meditação são importantes para estimular a concentração, o que ajuda no desenvolvimento educacional e bem estar das crianças e adolescentes. “Além de ter um corpo saudável, eles desenvolvem uma coisa muito especial, que é o processo criativo.”, observa.

Estudante em uma das escolas Ananda Marga, Antonelly, de 11 anos, diz que o yoga é uma de suas disciplinas preferidas durante a semana. “Me sinto mais calma e relaxada. Todos os meus colegas saem da aula mais calmos. É muito divertido.”

Alunos da Escola Ananda Marga praticando yoga | Foto: Reprodução Fabrício Labre/Facebook

As escolas Ananda Marga fazem parte de uma instituição chamada Amurt Amurtel, uma Organização da Sociedade Civil que executa projetos de educação, assistência social e direitos humanos. A prática desenvolvida nessas instituições é chamada de “Educação Neo-Humanista” e tem o objetivo de promover desenvolvimento físico, mental e espiritual das crianças.

Na capital gaúcha, há cinco escolas Ananda Marga e, recentemente, foi instalado no bairro Restinga, um espaço da mesma instituição chamado “Pode Juventude: Programa de oportunidades e direitos”, que oferece cursos profissionalizantes de culinária, administração, esportes, além de aulas de yoga e meditação para jovens de 17 a 24 anos com baixa renda.

“No Centro da Juventude Restinga Amurt-Amurtel, as atividades de yoga e meditação ocorrem de duas formas, uma nas oficinas de Promoção da Saúde, onde o jovem já sabe previamente do que se tratam as oficinas e escolhe livremente participar delas”, conta Adriana Zimmermann, educadora referência do projeto. Muitos dos que participam dessas oficinas ainda não haviam praticado o yoga e a meditação, mas chegam com uma expectativa de que as práticas vão lhes ajudar de alguma forma, principalmente com relação à depressão e ansiedade.

“A outra forma de inserção das práticas ocorre na atividade de Práticas Restaurativas, que é a atividade de acolhimento inicial dos novos jovens, que acabaram de fazer sua inscrição no CJ, então elas e eles ainda não conhecem as práticas, ficam um pouco surpresos, mas relatam terem se sentido muito bem, principalmente após a meditação. Relatam que se sentiram mais calmos.”, conta Adriana.

Adriana destaca que essas experiências são importantes porque normalmente o acesso ao yoga e à meditação se dá normalmente pelas classes mais altas. “Apesar da ocidentalização das práticas e cooptação pelo capitalismo, o que realmente faz com que as práticas sejam mais elitizadas (e brancas), há um forte movimento de democratização, retomando o sentido ancestral da filosofia do yoga e levando a prática às periferias através de coletivos de professores e em projetos sociais. Então sim, acredito que está mudando, é um processo mais lento, mas consistente de mudança.”

Benefícios comprovados pelos especialistas

De acordo com a psicóloga Bruna Evadro, através de técnicas como o mindfulness, em que o indivíduo precisa manter a atenção plena no hoje e buscar esvaziar sua mente tanto do passado quanto do futuro, percebe-se a diminuição da ansiedade e de alguns sintomas depressivos, o que auxilia no desenvolvimento emocional e de aprendizagem. “Com o foco no aqui e agora temos mais facilidade em manter a atenção direcionada ao que é realmente necessário e conseguimos desenvolver melhor nossas habilidades e talentos”, explica.

“Aplicado a crianças, o mindfulness melhora o foco e a concentração. Principalmente daquelas que apresentam Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), regula os níveis de ansiedade, aprimora as habilidades sociais e emocionais, melhora a qualidade do sono e a criatividade, tudo isso afetando positivamente sua saúde e bem-estar.” Bruna Evadro, psicóloga

Bruna acredita que nem todas as escolas contam com psicólogos capacitados para atenderem aos pais, professores e alunos. Segundo a profissional, as escolas precisam trabalhar a saúde, através da Psicologia Positiva e suas novas técnicas. “Acolher somente os problemas e ‘apagar incêndios’ não auxilia no desenvolvimento das crianças. Além de se sentirem seguras para falarem de seus sentimentos e emoções, elas precisam saber que algo será feito com isso depois de se exporem.”, acrescenta.

Considerando que a pandemia aumentou casos de depressão e ansiedade, a psicologia comprova que técnicas como esta podem auxiliar no desenvolvimento do autoconhecimento e do aumento da autoestima. “Aplicado a crianças, o mindfulness melhora o foco e a concentração. Principalmente daquelas que apresentam Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), regula os níveis de ansiedade, aprimora as habilidades sociais e emocionais, melhora a qualidade do sono e a criatividade, tudo isso afetando positivamente sua saúde e bem-estar.”

A pedagoga e instrutora de yoga, Guiovana Lopes, de Florianópolis, traz o exemplo de uma aluna que demostrava ter muita raiva e como a meditação ajudou para amenizar seus transtornos. “A meditação contribuiu para que ela entendesse as próprias emoções. Ela apresentou melhoras em cerca de um mês”, conta, após ter recebido retornos positivos da família.

Guiovana também acrescenta que utilizar a meditação de forma lúdica desperta o interesse das crianças nas práticas, ou seja, tornar o processo uma grande brincadeira, trazendo benefícios.

Falta de investimento na saúde mental

Segundo o relatório Situação Mundial da Infância 2021, produzido pelo Unicef, globalmente, aproximadamente um em cada sete meninos e meninas com idade entre 15 e 24 anos vive com algum transtorno mental diagnosticado. Mas apenas cerca de 2% dos orçamentos governamentais de saúde são alocados para gastos com saúde mental em todo o mundo.

Em 2020, o governo brasileiro ameaçou cortar gastos com a saúde mental no Sistema Único de Saúde (SUS), o que gerou controvérsias sob uma condição de crise sanitária que desafia os limites, a sobriedade e a saúde das pessoas todos os dias.

A falta de investimento na saúde mental em um contexto de isolamento social e crise sanitária representa custos para a sociedade, tendo em consideração os índices apresentados com o aumento nos números de depressão, ansiedade e suicídio.

Em outubro deste ano, o Unicef lançou, no Brasil, o Pode Falar, um canal de ajuda virtual em saúde mental e bem-estar voltado para adolescentes e jovens de 13 a 24 anos. O projeto foi criado em parceria com diversas organizações da sociedade civil e empresas com expertise na área e funciona de forma anônima e gratuita por meio de um chatbot, que pode ser acessado no site.

Considerando que os investimentos em saúde mental são baixos, projetos elaborados em escolas que minimizem o sofrimento das crianças acabam sendo uma alternativa, principalmente durante a pandemia. Entre eles, aqueles que incluem a prática do yoga e da meditação parecem estar dando bons resultados.

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