ESPORTE
O maior adversário das atletas
A falta de incentivo segue sendo o grande inimigo no desenvolvimento da carreira das mulheres brasileiras nos esportes
Por séculos os esportes não eram considerados “lugar de mulher”, e essa ideia surgiu ainda na Grécia Antiga, berço dos Jogos Olímpicos, onde consideravam que mulheres não teriam condições físicas de participar das competições e deviam ser submetidas somente à vida doméstica. Foram muitos anos de luta para que elas conseguissem conquistar o seu lugar e, mesmo com os avanços e quebras de preconceito que permitiram que as mulheres pudessem chegar a esse meio, elas ainda enfrentam diversos obstáculos para seguir se desenvolvendo nos esportes.
Durante as Olimpíadas de Tóquio 2020, um assunto teve grande repercussão nos meios de comunicação: a falta de patrocínio e apoio para atletas olímpicos. A pauta veio à tona após atletas desabafarem sobre as dificuldades enfrentadas para obter rendimento no esporte devido à falta de auxílio, principalmente durante a pandemia.
Essa realidade é ainda pior para mulheres, principalmente as brasileiras. Conforme a Organização das Nações Unidas dedicada à igualdade de gênero no País, a ONU Mulheres Brasil, além de boa parte não contar com patrocínio, os esportes femininos são os mais desvalorizados. Mesmo com o descaso, as atletas se destacaram nas Olimpíadas de Tóquio, fechando os jogos com o maior número de medalhas até hoje: das 21 medalhas com as quais o Brasil voltou para casa, nove foram conquistadas por mulheres ou equipes femininas.
O esporte faz a diferença na vida das mulheres
Essa discriminação é preocupante, pois os esportes servem como uma maneira de empoderamento feminino que possibilita quebras de estereótipos de gênero, desenvolvimento da autoestima, ampliação de voz das mulheres e habilidades de liderança. Apesar dos avanços da sociedade, a distinção ainda é nítida, principalmente na procura por patrocinadores.
Preocupado com esse desmerecimento e em busca de causar impacto positivo na vida de centenas de mulheres, o Instituto Esporte Mais, de Fortaleza, conta com projetos como o “Futebol pela igualdade”, que oferece aulas de futebol e futsal, cursos livres, oficinas, torneios esportivos e ações em prol dos direitos das mulheres.
Assim como as atletas individuais, o Instituto, que é uma organização não governamental, também encontra dificuldade para financiar os projetos e trabalhar no desenvolvimento dessas mulheres. A solução para essa falta de auxílio vem através da Lei de Incentivo ao Esporte Estadual, que permite que recursos provenientes de renúncia fiscal sejam aplicados em projetos por todo o território nacional.
“É muito comum a gente ver times de futebol feminino sem estrutura alguma. As meninas chegam para treinar e não têm chuteiras, as bolas são usadas, o próprio uniforme que elas vão utilizar no jogo é doado por times masculinos. A falta de patrocínio continua reproduzindo essa realidade nos projetos femininos”, conta a diretora executiva do Instituto Esporte Mais, Jessyca Rodrigues.
Jessyca ressalta que o apoio é necessário não só para fazer o instituto funcionar, mas também para trazer conforto e incentivo para essas mulheres. O esporte pode transformar vidas através do aumento da autoestima e da confiança em si.
“Sem o equipamento necessário e de qualidade, a atleta entra em jogo constrangida e desconfortável, ela já não se acha bonita, ela acha que tá todo mundo olhando para ela, e o seu rendimento cai. Por esse motivo, o auxílio financeiro é necessário, além de fazer o nosso projeto funcionar, também conseguimos proporcionar dignidade e confiança para elas”, diz a diretora.
A busca por suporte financeiro para realizar os sonhos
Manter a rotina pesada de treinos com pouco apoio não é uma tarefa fácil. Sem ter o auxílio financeiro, as atletas começam a acumular contas como aluguel, alimentação, saúde, além dos custos para praticar o esporte. A alternativa para seguir treinando vem através de eventos beneficentes, rifas, vaquinhas. Elas também precisam trabalhar em outros empregos no curto tempo que resta e contar com o suporte da família e amigos.
A atleta de Natação do Minas Tênis Clube, de Belo Horizonte, Beatriz Dizotti relata que o primeiro patrocínio veio aos 15 anos através de um primo. Depois disso passou a contar somente com a ajuda dos pais e dos clubes que treinava para se manter no esporte.
“É muito difícil conseguir patrocínio. Hoje eu tenho um assessor que me ajuda muito nisso, mas a marca vir procurar é difícil. Eu sei que sou privilegiada por ter uma família que me dá condições. Se eu não tivesse o apoio financeiro dos meus pais, seria muito mais complicado chegar onde eu cheguei”, diz Beatriz, que hoje está com 21 anos.
Bia, como é conhecida, representou o Brasil nos 1500m livre feminino nas Olimpíadas de Tóquio 2020 e, segundo ela, a procura por patrocínio não teve uma grande melhora depois disso, pois as marcas querem imediatismo, procuram contratar quem subiu no pódio e mostrou melhor desempenho. As empresas patrocinadoras não entendem que os resultados não são imediatos, por vezes demoram para vir, e o motivo não é a falta de esforço das atletas, e sim a falta de apoio e estrutura para desempenharem os seus esportes.
Durante os anos de carreira, Bia conta que já se deparou com colegas que não tinham as mesmas condições financeiras dela e enfrentavam diversas adversidades para seguir no esporte. Em uma oportunidade, sua família abriu as portas de casa para auxiliar uma colega que morava longe do local de treino e não tinha condições de pagar o transporte para ir treinar todos os dias com o salário que recebia do clube.
A pandemia e a realidade das atletas brasileiras em outros países
Com a chegada da Covid-19, o cenário para as atletas piorou mais ainda. Diversas empresas retiraram seus patrocínios, e os clubes que não dispensaram os esportistas acabaram reduzindo seus salários. Essa situação acarretou em diversas dificuldades na preparação para as Olimpíadas. Com as academias, piscinas, pistas e centros de treinamentos fechados, a rotina de treino foi alterada até a melhora do cenário do País, e as atletas tiveram que se superar para seguir trabalhando.
Fora do Brasil, essa realidade é muito diferente, e esse é o principal motivo das jovens procurarem representar times de outros países. A jogadora de handebol Patricia Matieli, de 32 anos, conta que na Europa encontrou muito mais estabilidade e estrutura para praticar o esporte. Atualmente jogando na Polônia, a carioca afirma que o clube manteve os salários e direitos durante o tempo em quarentena. Além disso, o país teve um bom controle do vírus e, em menos de três meses, ela já estava treinando novamente.
“Aqui eu tenho um contrato com o clube, tenho uma segurança em momentos como o da pandemia, pois tenho um contrato assinado de maneira profissional. Tenho meus direitos e deveres com o clube assim como eles têm comigo”, conta.
Essa estabilidade permite que Patrícia consiga focar somente no esporte, sem precisar procurar outra alternativa para continuar treinando e se preparando para as competições. Além de ter um contrato, ela também ganhou de uma empresa patrocínio, por um ano, para os materiais que utiliza. Isso aconteceu por ter sido eleita a melhor central da temporada passada.
Além dos custos para treinar e se manter, competir também não é barato. Há gastos com transporte, material esportivo, comissão técnica e profissionais de saúde. A gaúcha Maria Portela, de 33 anos, iniciou sua carreira no judô aos nove em um projeto social na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, e desde então busca diversas alternativas para custear a sua carreira.
“Não tínhamos condições de bancar uma modalidade esportiva, então só comecei a praticar o judô por ser em um projeto social. Nesse período, para que pudéssemos fazer as competições, íamos de porta em porta nas empresas para pedir ajuda, prefeitura, câmara dos vereadores da cidade em busca de auxílio de custo, não só pra mim, mas para todos os colegas do projeto, nas competições, alimentação, kimono e transporte”, relata Maria sobre as dificuldades que enfrentou.
Buscando outras alternativas, Maria precisou trabalhar como babá no período de tempo em que não estava treinando, o que fez ela se afastar do seu objetivo, que era um melhor rendimento no esporte. Essa situação só se estabilizou quando ela assinou o contrato com a Sociedade Ginástica Porto Alegre (Sogipa), na capital, pois passou a contar com toda a estrutura do clube, além de contrato de direito de imagem e auxílio-moradia.
Maria também conta com o auxílio do Bolsa-Atleta, um programa do governo federal que existe desde 2005 e garante aos inscritos uma renda mensal durante um período estabelecido. Dos 309 atletas brasileiros nas Olimpíadas de 2020, 231 dependiam dessa bolsa para se manter. Os incentivos são divididos em seis categorias com valores diferentes: atleta de base, estudantil, nacional, internacional, olímpico/paralímpico e pódio.
Durante a pandemia houve um atraso para sair o edital com o auxílio, o que acarretou em dificuldades financeiras para as atletas que dependiam desse valor. Além disso, houve um corte de 20% no orçamento do projeto, causando ainda maior escassez nos recursos das representantes no esporte brasileiro.
O auxílio das redes sociais
Devido à falta de público nas Olimpíadas por conta da pandemia, a torcida se manifestou através das redes sociais. Isso resultou em um aumento de números de seguidores e visibilidade para as atletas, e consequentemente as marcas começaram a ter mais interesse em patrocinar. Um exemplo de caso de engajamento que prosperou após as Olimpíadas foi o de Rayssa Leal, hoje com 13 anos, que, após encantar o público e ser reconhecida como a “fadinha do skate”, foi de 600 mil para mais de 6,6 milhões de seguidores no Instagram.
Todavia, apesar de virar influencer ter passado a ser uma alternativa para as atletas, é necessário um grande apoio do público para que os números se tornem interessantes para as marcas, que querem ter a segurança de que o conteúdo vai ter um bom alcance e um número notável de seguidores. Além disso, para conciliar a rotina pesada de treinos com as mídias sociais, é necessário ter uma equipe específica para auxiliar na produção de conteúdo.
Dar visibilidade para quem precisa
O fato é que o que as atletas realmente precisam é ser vistas. As Olimpíadas de Tóquio 2021 e a Copa do Mundo Feminina 2020 escancararam que uma boa divulgação resulta em retorno financeiro e espaço no mundo dos esportes. O problema citado por patrocinadores de que esportes femininos não geram tanto público quanto o masculino gera um ciclo vicioso: não tendo investimento em competições femininas pela falta de retorno do público, a falta de investimento e de estrutura, dificulta a qualidade e um alcance de um público maior.
O financiamento das atletas deve vir através dos comitês, confederações e clubes, mas pequenas ações, como ampliar a audiência das competições femininas, doar para Instituições que apoiam os esportes femininos e acompanhar atletas nas redes sociais aumentando a sua visibilidade, podem ajudar essas mulheres nas suas carreiras e incentivar a igualdade de gênero no esporte.