ECONOMIA

Quem não gosta de desenho?

A indústria audiovisual da animação no Brasil ainda enfrenta dificuldades, mas os profissionais da área são otimistas

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Pontos de Escuta

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Reprodução: Pixabay

Os animadores podem trabalhar no mercado do audiovisual, dos games e da publicidade. Os desenhos podem ter diferentes estilos, técnicas e conceitos. Tudo isso para diferentes tipos de público. Mas onde estão as animações brasileiras? Será que o Brasil é um grande consumidor e produtor de animação?

O animador Lucas Kozuki, de Londrina, no Paraná, trabalha com animação há três anos. Desenhava desde pequeno, mas não tinha certeza de que queria se profissionalizar. Acabou participando de concursos de animação no exterior em 2017 e começou a se interessar mais pela área. “Em 2018 participei de mais um concurso, dessa vez brasileiro, o Game Day Senai, e ganhei o primeiro lugar, esses desafios me motivaram bastante a seguir com a carreira e me encantar mais com a animação.” Lucas é um exemplo de profissional que consegue viver de animação no Brasil.

Lucas é formado em Design de Animação pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) Santo Amaro, em São Paulo. Quando não está trabalhando em projetos para estúdios, junto com uma equipe, trabalha sozinho em seus projetos pessoais. O trabalho de um animador é complexo e demorado. Uma animação 2D de dois minutos leva em torno de dois meses para ficar pronta. Mas, ao contrário do que aconteceu com outros setores, o mercado da animação, de acordo com Lucas, foi valorizado durante a pandemia, já que os games e os audiovisuais passaram a ser uma alternativa de diversão para quem estava em isolamento. “Nesses últimos anos, sinto que a valorização da animação no Brasil vem melhorando. No período de pandemia, as empresas começaram a investir mais em trabalhos animados, porém é muito recente, então o investimento em produções de fora ainda é muito maior.”

O reconhecimento do trabalho de Lucas deu a ele a oportunidade de trabalhar em estúdios estrangeiros, mas ele salienta que a comunidade artística se ajuda bastante e ele percebe que o público vem crescendo. Nem sempre, no entanto, é fácil conseguir se manter no mercado, e a falta de financiamento pode ser um dos motivos. Feito com animação 3D e com inspiração no folclore brasileiro, Eu sou Caipora é um curta realizado por Anderson Awvas, ilustrador e designer do estúdio independente Vivárte, de São Paulo. O projeto, no entanto, estava parado devido à falta de apoio. “A produção já está idealizada há uns dois anos com o estúdio, mas começamos a produzir juntos em meados de 2020”, explica. Anderson não conseguiu captar financiamento privado, nem público para o filme. “O projeto está em fase de aperfeiçoamento e pensamos em buscar novos financiamentos para continuar com ele sim.” Uma ideia é captar recursos no formado de crowdfunding diretamente com o público.

Existem, porém, algumas animações brasileiras que fazem muito sucesso, inclusive no exterior, e contam com verba de empresas estrangeiras. Irmão do Jorel, criado pelo quadrinista e humorista Juliano Enrico, Historietas Assombradas, de Victor Hugo Borges, Oswaldo, de Pedro Eboli e A Mansão Maluca do Professor Ambrósio, de Nelson Botter Jr, são algumas das mais conhecidas disponíveis em serviços de streaming, como Cartoon Network ou TV Cultura. São assistidos por um público variado e marcam representatividade nacional. São também exemplos de conteúdo brasileiro que é exportado. Apesar de o Irmão do Jorel ter tido a oportunidade de vencer um concurso que a Cartoon Network organizou, a maioria dos desenhos depende de investimento estrangeiro e de parcerias com estúdios do exterior. Como, por exemplo, o Show da Luna ou Peixonauta, que são animações americano-brasileiras exibidas no Discovery Kids.

As animações nos festivais

O filme “Bob Cuspe — Não gostamos de gente”, com direção de Cesar Cabral e criado por Angeli, ganhou o prêmio de melhor filme no maior festival de animação do mundo, em Annecy, na França, em 2021. Em entrevista para o Correio Braziliense, César relatou que receber o prêmio Annecy demonstra a maturidade do mercado audiovisual brasileiro. Outros vencedores brasileiros do mesmo festival foram Uma História de Amor e Fúria, de Luiz Bolognesi, em 2013, e O menino e o Mundo, de Alê Abreu, em 2014, que também foi indicado ao Oscar de animação em 2016. No Brasil, o maior festival de animação era o Anima Mundi, que não existe mais desde 2019, quando a Petrobrás retirou o investimento do evento.

A perda do Anima Mundi não apenas simboliza o encerramento do maior festival de animação da América Latina, mas também o fim da oportunidade de nomes de profissionais e produções brasileiras serem descobertos e impulsionados. Esse foi o caso de Carlos Saldanha, das franquias A era do gelo e Rio, que foi descoberto no Anima Mundi. O custo médio para realizar o festival era de R$ 2 milhões, de acordo com levantamento do jornal O Globo. Além disso, o selo no Anima Mundi era qualificador para o Oscar, como foi por exemplo para Alê Abreu. Entretanto, mesmo com o final do festival, Cesar Coelho, um dos fundadores do Anima Mundi, declarou para a revista revista Forbes que o setor está impulsionado e crescendo muito nos últimos 10 anos. Segundo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes), o Brasil, em 2019, movimentou cerca de R$ 5 bilhões com a produção de animações para cinema, streaming e games.

No Portal Câmara dos Deputados, em junho de 2021, houve uma Audiência Pública Extraordinária (virtual) da Comissão de Cultura com o tema: Políticas públicas de fomento à produção nacional de animação e games. A fala de Rodrigo Olaio, representante da Brasil Audiovisual Independente (Bravi), foi sobre a importância do investimento em animação no Brasil, com o crescimento do streaming. A Bravi faz associação com dezenas de estúdios e segmentos do audiovisual e seu objetivo é defender direitos dos produtores independentes e atuar em processos de regulamentação e desenvolvimento de melhores políticas públicas para as produções brasileiras. Rodrigo destacou que as assinaturas dos canais alcançaram um bilhão de usuários e indicou que as animações lideram índices de audiência no streaming e cresceram mais de 20% em 2020. Portanto, há benefícios tanto em investir para produção nacional, quanto na prestação de serviços para estúdios estrangeiros.

Do que a animação precisa?

Felipe Souza, membro da diretoria e tesoureiro da Associação Brasileira de Cinema e Animação (ABCA) considera importante os esforços em fazer parcerias com festivais, como o Animage, festival internacional de animação que acontece em Pernambuco, além de divulgar oportunidades de formação e oferecer consultoria para projetos variados. Felipe entende que é um momento delicado. Ele diz que, com a pandemia de Covid-19, desde 2020, a animação está se sustentando, mas ainda existem problemas na área, e o principal é que a produção não é colocada ao alcance do público, no que Felipe chama de janela de consumo. Que significa que a produção torna-se pequena e são poucas animações brasileiras que encontram espaço para serem acessadas. “A janela não é criada só com investimento. A falta de investimento é exatamente porque não tem janela. É mais barato e mais seguro investir em filmes e seriados prontos do exterior.” Ele acentua que, por complexo de vira-lata, pensamos que é melhor consumir o exterior e então, investir no exterior. É vicioso, complicado e muito demorado de resolver esse ciclo.

Felipe explica que não há tanto apoio federal, são majoritários os apoios estaduais, ou seja, o fomento local, que nem sempre é estável. Felipe exemplifica com o impacto que houve na economia do Rio de Janeiro com o cancelamento do Carnaval durante a pandemia. O mesmo acontece com as animações. Sem incentivo e sem festivais, cria-se um ciclo, pois o público não tem acesso aos filmes e isso afeta os editais para futuras produções. Ele lamenta também a falta de oportunidades para produções que chegam a ser finalizadas, mas não são distribuídas. “Uma boa ideia seria uma curadoria de curtas brasileiros para colocar no streaming com capas organizadas, em sequência, à disposição. Assim as pessoas iriam consumir.”

Portanto, os números indicam que aumentou a produção de animações brasileiras, mas a falta de incentivo, de uma política de distribuição e o cancelamento de festivais ainda são problemas que precisam ser resolvidos. Além disso, ainda existe uma preferência dos canais de streaming de investir em produções feitas fora do Brasil, portanto, esse é um espaço a ser conquistado.

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