ECONOMIA

Saúde do idoso e o impacto no bolso

O aumento nos gastos com a saúde, somado à falta de planejamento monetário, pode levar a terceira idade a um déficit financeiro

Beatriz Moro
Pontos de Escuta

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Idoso segura nas mãos algumas moedas de Real e medicamentos
Foto: Beatriz Ilibio Moro

U m quarto da população brasileira deverá ter mais de 60 anos até 2043. A expectativa de vida, no Brasil, saltou de 45,5 anos, em 1940, para 76,3 anos, em 2018. Esses números apontados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram um acelerado processo de envelhecimento da população brasileira, seguindo a tendência de outros países. A população mundial com mais de 80 anos deverá triplicar nas próximas décadas, passando de 125 milhões de pessoas, em 2015, para 434 milhões, em 2050, de acordo com projeções da Organização das Nações Unidas (ONU).

“Temos, cada vez mais, pessoas acima de 70, até acima de 80 anos, que é a faixa populacional que mais cresce hoje em dia”, comenta Renato Gorga Bandeira de Mello, médico especialista em geriatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Essas mudanças trazem a necessidade de estabelecimento de metas e de novas regras sociais que visem o bem-estar desse grupo da sociedade.

Aprovado no Brasil em 2003, o Estatuto do Idoso regula os direitos assegurados às pessoas com 60 anos ou mais. No entanto, as repercussões das mudanças socioeconômicas que o envelhecimento populacional traz são difíceis de atender e, muitas vezes, as medidas governamentais deixam a desejar. “No papel, nós temos um documento extraordinário, que é o Estatuto do Idoso. Temos também políticas públicas voltadas à assistência à saúde, à assistência social, mas, na prática, elas nem sempre são executadas. Precisamos cobrar [do governo], porque é uma questão humanitária, uma questão de respeito com o próximo, com aqueles que, um dia, foram a força motriz do país e que ainda o são, principalmente se pensarmos que um quarto dos domicílios brasileiros dependem de idosos para se manter financeiramente”, comenta o geriatra.

Para a professora de Ciências Contábeis da UFRGS Wendy Haddad Carraro, a maioria da população brasileira não se prepara para as mudanças financeiras que a velhice traz. “Precisamos mudar nosso mindset”, diz, se referindo à mentalidade que existe no Brasil em relação aos cuidados financeiros. “Educação financeira é saber fazer um bom uso do dinheiro para que ele não nos falte”, comenta.

Com dificuldades financeiras, muitos idosos retardam o momento de se aposentar ou, já fora do mercado de trabalho, precisam procurar uma nova ocupação. “Cada vez mais as pessoas se aposentam e precisam continuar trabalhando para sustentar suas casas. Muitos não se aposentam e trabalham até idades mais avançadas, porque não podem abrir mão do salário que recebem na íntegra’’, comenta o geriatra. “É muito natural, muito comum vermos pessoas aposentadas continuando a trabalhar”, diz Wendy, explicando que essas pessoas precisam complementar a sua renda.

A família tem um papel central na busca pela reorganização financeira do idoso, comenta a pesquisadora Wendy: “Eu acredito muito no ambiente familiar”. Criando o que ela chama de “rede de apoio”, os familiares oferecem o suporte que o idoso necessita. E o que seria esse suporte? “Ensinar ele a priorizar, ensinar ele a organizar suas finanças, ensinar a pensar no futuro”, explica.

Muitos problemas de saúde inesperados que, com o avanço da idade, tornam-se mais propensos a surgir, podem também dificultar a organização financeira das famílias.

DOENÇA INESPERADA

“Nunca tivemos tanto gasto como temos agora”, Angelisa Gatelli, que divide os gastos com os pais idosos

Diagnosticado com demência frontotemporal em 2017, Natalino Gatelli, de 68 anos, viu a vida mudar após precisar se aposentar por invalidez devido à doença. “Com essa aposentadoria super inesperada, tivemos uma queda brusca na renda aqui de casa. Minha mãe já estava aposentada, mas continuava trabalhando, era um complemento bem importante da renda dela. Ela acabou tendo que largar o emprego para poder cuidar dele. Com isso, eu e meu irmão tivemos que abraçar várias coisas”, comenta a filha do casal, Angelisa Gatelli, de 35 anos. Ela divide gastos e a moradia com os pais — uma casa no bairro Jardim Itu Sabará, em Porto Alegre. “Morar junto a eles facilita com o cuidado, já que eu sou responsável por levá-los às consultas, supermercado, farmácia”, relata a filha.

Deixando a rotina de trabalho para trás, é em casa que, aos cuidados da esposa Liane, de 63, pedagoga aposentada com quem está casado há 43 anos, Nataliano agora passa as tardes em frente à televisão ou auxiliando a companheira em tarefas básicas domésticas. A filha trabalha como fisioterapeuta em um estúdio de pilates, além de atuar como profissional autônoma para aumentar seu ganho mensal.

Devido à doença e à idade, os idosos fazem uso de muita medicação, adquirida pela família em farmácias privadas. “Alguns são de farmácia popular, alguns até conseguimos [desconto], mas são bem poucos, poucos mesmo. Certos medicamentos têm desconto de laboratório, por causa do uso contínuo, então acaba facilitando um pouco”, diz Angelisa.

Além dos gastos com medicamentos, o casal, que possui assistência pelo Instituto de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul (IPE), precisa arcar com despesas médicas particulares, como psicóloga e neurologista. A opção por não utilizar médicos disponibilizados pelo plano se dá, segundo Angelisa, por às vezes ser muito difícil conseguir consulta. “Ou achamos que o atendimento do plano de saúde não é tão bom quanto gostaríamos que fosse”, explica.

A fisioterapeuta também comenta que os pais nem sempre dão conta de todos os gastos. Muitas vezes, cabe aos dois filhos, Angelisa e Diego, complementar a receita. “Vai muito, muito, muito dinheiro em medicação. Eles, às vezes, não dão conta de tudo. Então, eu e meu irmão acabamos auxiliando também, pagando uma parte da terapia da mãe, outras atividades que ela faz. Por exemplo, o pilates eu que pago e, quando falta alguma coisa para algum medicamento muito extra, também colaboramos com eles. Até para dar algum conforto para eles, eu acabo assumindo algumas coisas, e meu irmão também contribui.”

Em questões de saúde, os gastos do casal abocanham boa parte dos proventos. “Seria acho que uns 50%, 60% até da renda. É bastante, né?”, comenta Angelisa. Com os altos custos, veio a preocupação em investir. Há dois anos, Natalino e Liane têm feito aplicações financeiras, buscando se preparar para futuros gastos. Os baixos valores, no entanto, não garantem segurança para futuras maiores despesas. Angelisa explica que seus pais não tiveram o cuidado de fazer uma reserva, e, na possibilidade de uma emergência, não teriam de onde tirar dinheiro. “Nunca tivemos tanto gasto como temos agora’’, conclui.

TENTANDO SE APOSENTAR

A doença inesperada também criou dificuldades para a porto-alegrense Rejane Fraga, de 65 anos. Tendo estudado até o 5° ano do Ensino Fundamental, precisou arregaçar as mangas e começar a trabalhar cedo, logo após deixar a escola, por não gostar de estudar. “Eu fugia das professoras”, conta. Acabou largando o trabalho de ascensorista em um hospital quando engravidou do primeiro filho, pois não tinha com quem deixar a criança. Retornou ao trabalho para auxiliar a renda familiar quando os dois filhos já estavam crescidos, atuando como auxiliar de limpeza e como cozinheira autônoma. Porém, precisou largar o emprego novamente há seis anos, quando um enfisema pulmonar a fez ficar presa a uma maca em estado de coma por cerca de um mês. Saiu do hospital com um pulmão saudável e o outro necrosado.

Rejane tentou, durante os últimos anos, se aposentar por invalidez pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Recebeu cinco vezes alta médica por ter sido considerada apta a retornar ao trabalho. “Ela anda cinco metros, precisa parar para recuperar o fôlego”, diz sua nora, ao argumentar que não seria possível para ela voltar a trabalhar.

Sem plano de saúde, o acompanhamento médico pós-internação é feito no mesmo hospital onde esteve internada anos antes. Faz visitas semestrais ao pneumologista e elogia o atendimento recebido: “Para mim é nota dez”, comenta com entusiasmo.

Rejane faz uso diário de remédios para o pulmão — dados pela farmácia do posto –, de diurético e de “bombinhas”. Essas últimas são adquiridas em farmácia privada. “Nem entrando na justiça se consegue, porque esses medicamentos, que são muito caros, o posto não fornece”, relata Rejane, explicando que tem desconto nas bombinhas que necessita. Uma delas custa R$180,00 (de R$239,90). “Outra, que eu comprei na semana passada, saiu por R$88,00, que era cento e poucos”, comenta. “Eu compro todos os meses, uma vez por mês.”

Agora, Rejane está tentando novamente se aposentar; dessa vez, por idade. Enquanto aguarda o resultado do pedido, passa as tardes tentando solucionar palavras-cruzadas ou assistindo às novelas do SBT. Gosta de colocar diariamente, em frente à casa onde vive, as sobras das refeições para alimentar os gatos que passam pela rua, enquanto o marido, Emir, trabalhador autônomo, se encarrega dos afazeres domésticos. “Eu não consigo tomar banho sozinha. Minha casa eu não posso varrer. A cama eu não posso arrumar. Eu faço pouca coisa. Eu só lavo uma louça, seco, guardo, só isso”, explica.

UMA IDOSA NOS EUA

“Eu tento manter a vida dela tranquila”, Sheilara Lucas, que cuida da mãe idosa

Quando se aposentou, a mãe de Sheilara Lucas, de 47 anos, foi morar com ela. A filha assumiu as responsabilidades financeiras da mãe, atualmente separada e avó de 15 netos. “O que ela recebe mensalmente, quando convertido para dólar, vira dinheiro para doce”, comenta a filha.

As duas moram numa casa alugada de dois pisos em Cottonwood Heights, em meio às montanhas de Salt Lake City, no estado de Utah, nos Estados Unidos. Sheilara cursava Administração na UFRGS quando, certo dia, viu, colada em uma parede dos corredores da faculdade, uma propaganda de uma universidade nos Estados Unidos. Decidiu que iria arriscar. Tendo sido aprovada no processo seletivo da Brigham Young University Hawaii, resolveu partir rumo a Salt Lake City, alguns meses antes do início das aulas, para aprimorar o inglês. Nunca chegou a colocar os pés nas areias do Havaí. Após um período de tribulações, teve o processo para obtenção do Green Card pago pela família de norte-americanos para quem trabalhava de babysitter e levou, anos mais tarde, dois irmãos e a mãe para residirem na mesma cidade.

Trabalhando atualmente como supervisora de uma companhia aérea, Sheilara se dedica aos cuidados da mãe e de dois sobrinhos pequenos. Ainda que todas as despesas da mãe sejam por conta da filha, os planos de saúde norte-americanos não consideram os pais como dependentes. “Eu tenho seguro pelo trabalho, mas tenho que comprar a parte para a mãe”, conta.

“Aqui o plano oferece descontos em medicamentos e cobre uma porcentagem de qualquer tratamento. Por exemplo: para uma cirurgia de U$ 10 mil, tenho que pagar inicialmente pelo menos U$ 6 mil. Dos U$ 4 mil que sobram, o desconto do plano reduz para algo como U$1.000 ”, explica Sheilara. “É muito diferente do Brasil”.

Vera Lopez, de 77 anos, mãe de Sheilara, trabalhou como técnica em Enfermagem no Hospital da Brigada Militar, em Porto Alegre, conseguindo se aposentar pelo INSS. Teve seu primeiro câncer aos 40 anos, de colo de útero. Depois, teve câncer de tireoide, dois ataques cardíacos e um princípio de derrame. Segundo a filha, atualmente também é diagnosticada com depressão, ansiedade, problemas gástricos, renal, no fígado e artrite.

“A mãe é uma gata’’, descreve a filha, “ela fica acordada quase a noite toda. Ela vê TV, ela lê, ela escuta pastor, cartomante no Youtube. Ela não tem religião, ela acredita em tudo e não crê em nada”, comenta Sheilara aos risos. Saindo da cama por volta das 15h da tarde, Vera toma calmamente seu café, liga a TV para saber o que está acontecendo no mundo, molha as plantas, liga para os netos, se mete em briga na internet ou sai para fazer compras com a filha. “Ontem compramos uma saia de couro para ela.” O motivo da compra foi o aniversário da bisneta. “Eu tento manter a vida dela tranquila”, comenta Sheilara.

Para a pesquisadora Wendy Carraro, não há mágica quando se fala em equilibrar as finanças na terceira idade. “A reorganização dos gastos, por mais difícil que seja, é a regra comum sempre. Saber no que está gastando e buscar alternativas.”

Wendy destaca a criação de novas fontes de renda para idosos que ainda possuem condições de trabalhar em campos como Educação, Turismo e Tecnologia. Idosos que fazem parte da chamada “economia da longevidade” buscam empregos temporários trabalhando com artesanato, aluguel de peças da moradia para empresas do mercado on-line de hospedagem, em consultorias e até mesmo como docentes em cursos on-line: “Com essa pegada do on-line, se o idoso é assim um pouco mais ligado em tecnologia, tem oportunidades”, comenta.

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