O Partido do Centro

O CDS na definição do ‘centrismo’

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5 min readOct 19, 2016

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por Francisco Quelhas Lima

Não nos enganemos, o CDS nasceu como um partido do centro. Disseram-no os fundadores, e não o disseram só por motivos de conveniência. O centro era e é um espaço político de valores e crenças assumidas. Mas de que forma podemos definir este espaço? Será a democracia-cristã um ideologia do centro?

Em primeiro lugar importa dizer, que ao contrário do que muitos pensam, o centro não é sinônimo de um inativismo conformista. O centrismo não significa a recusa do compromisso político. Bem pelo contrário, é a rejeição das amarras asfixiantes de um estado socialista mas também a recusa da defesa de um estado mínimo que se isente, por exemplo, de deter um papel junto dos mais desfavorecidos.

Revela-se portanto num compromisso, negativo, perante uma renúncia à interiorização integral das ideias da direita ou da esquerda.

A gênese centrista do CDS baseava-se no personalismo de Emmanuel Mounier. A adaptação política destas ideias criou algo fascinantemente inovador. Com o personalismo humanista rejeitava-se expressamente a famosa “exploração do homem” mas num prisma completamente diferente daquele que Marx defendera. Para Mounier, para o CDS, o Homem não é um número estatístico nem um ser, despersonalizado, visto como ‘mais um’ num coletivo qualquer. Não, o Partido do Centro disse em ’75 o que nenhum outro partido de assento parlamentar dizia; o individuo possui direitos que lhe são inerentes e invioláveis, dos quais e especialmente a liberdade. O Estado deve assegurar estes direitos para que assim ele se possa realizar através da suas escolhas mas também, se necessário, que possa ser responsabilizado por elas.

Contudo, isto não significa a defesa do estado “mínimo”. Esta filosofia consciencializa-se das desigualdades que foram e seriam geradas por um estado demasiadamente liberal (historicamente comprovado pela tendência dos Estados ocidentais após as revoluções atlânticas). Como disse, o personalista é também aquele que se apresenta determinante contra a “exploração do Homem”, quer esta seja feita pelo próprio Homem, na falta de regulação e intervenção do Estado, ou seja esta feita pelo Estado, porque se intromete demasiado na esfera de direitos e liberdades do cidadão. Haverá ideia tão intimamente centrista?

Adelino Amaro da Costa descrevia o centro como sendo o “equilíbrio natural”. É fácil de se perceber porquê. O centrismo, sabe reconhecer que à sua esquerda e à sua direita existem valores, ideias e experiências que resultam numa sabedoria politico-filosófica que merecem ponderação e que não deve ignorar. Usa, portanto, esta sabedoria para consubstanciar as suas próprias convicções. É um espaço onde ideias confluem, mas convivem na sustentação de crenças comuns.

Perguntar-se-ão certamente, mas então o CDS não nasceu como partido democrata-cristão? Sim nasceu, e o que afirmei em nada contradiz esta ideia. A meu ver o personalismo não deve ser encarado como uma ideologia autónoma e completa mas antes como uma forma de ver o Homem, a sociedade, o mundo. E esta conceção encaixa perfeitamente com a democrata-cristã, esta sim sendo uma verdadeira ideologia, que se foca também e sobretudo no individuo.

Claro está que a democracia-cristã não se esgota no pensamento personalista, que como foi dito, por si só não chega para responder às diferentes necessidades que se apresentam no dia-à-dia politico. Não acredito que seja relevante, para efeitos do presente artigo, dissecar todos e aqueles elementos que compõem a ideologia matriz do CDS. Parece-me relevante no entanto, demonstrar como o espaço politico que esta naturalmente ocupa é o centro.

Isto é evidente no sentido em que parte da visão personalista que como já vimos parece ser um exemplo do modelo do centro . No entanto, este posicionamento nota-se mais uma vez através de um dos estandartes da democracia-cristã que é a preocupação social com os mais desfavorecidos. Esta preocupação que não só se sustenta no papel dos agentes autónomos ao Estado, como são as paróquias ou outras entidades privadas com o mesmo fim, requere ainda um papel interventivo da administração central, preferencialmente no auxilio de recursos às instituições, publicas ou privadas, que se encontrem mais próximas dos problemas sociais que devem ser socorridos. Ora, notamos aqui novamente um compromisso de ideias de esquerda e de direita que preenchem uma solução inovadora e diferente. Da esquerda, principalmente do chamado socialismo democrático, retira-se a ideia de um estado que intervém para a satisfação de necessidades sociais e também, o elevado grau de importância dado a uma agenda social no papel governativo. Da direita retrai-se a noção de que uma ação centralizada do Estado é, neste caso, ineficiente e de que mais uma vez a iniciativa privada pode e deve ter uma papel numa área como esta.

Sob pena de me alongar excessivamente, não irei desenvolver mais este tema que com certeza teria muito por onde explorar. Contudo, através dos exemplos que dei creio já ter dado indícios que, pelo menos para os que se interessam pela taxonomia da política, esta é uma discussão que merece ser tida. Infelizmente quase não existe, não o suficiente a meu ver. O reagrupamento de ideias e o estudo da sua origem podem não só ajudar a compreende-las melhor mas também a defini-las de forma mais clara e exata. No fundo a abordagem destas questões iria no encontro das exigências que os cidadãos hoje impõem aos partidos; que apresentem soluções concretas e evidentes para os problemas imediatos mas que tenham ainda uma visão a longo prazo. Claro que isto só pode acontecer se houver um fio condutor por detrás de todas estas ações, que é a ideologia.

O CDS surgiu como um partido democrata-cristão colocado ao centro do espetro político. Proliferavam os discursos dos seus militantes e fundadores nos anos que seguiram a sua criação que faziam referência a esta ideia. Diogo Freitas do Amaral disse-o por exemplo, no primeiro congresso da então Juventude Centrista, a JC tal como o CDS são “organizações centristas”. Não era por acaso que tanto se aludia ao conceito. Não devemos ter vergonha deste legado, acredito, que como descrevera Amaro da Costa, o centrismo “é uma política de ação”. Em ’75 o CDS assumiu-a, quereremos nós assumi-la hoje?

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