O debate público necessita de uma dose alta de lógica fuzzy

Pedro Andrade
Popota Burocrata
Published in
5 min readJan 5, 2018

Recentemente, o Tostão, um dos meus ídolos e colunista da Folha, publicou uma coluna com o seguinte título: Rótulo de excepcional na vitória e péssimo na derrota precisa acabar. No futebol, para quem não sabe, há uma cultura velha da dicotomia, na qual quando se perde, é um desastre e os problemas vêm a tona; quando se ganha, mil maravilhas, até a maior das atrocidades.

“Isso não significa que foram excepcionais nas vitórias e péssimos nas derrotas. Há dezenas de fatores envolvidos nos resultados.”

Tostão, genial como é, identifica algo já recorrente no mundo contemporâneo: agarrar-se a posicionamentos bem estabelecidos, carregados de certeza, é um comportamento comum no debate público, principalmente quando há enviesamento de conteúdo das redes. O debate público tem a necessidade de conhecer um conceito fundamental: lógica fuzzy, uma forma de raciocínio que quebra dicotomias e abarca um número maior de possibilidades de soluções.

Variáveis binárias como a base do debate atual

O debate contemporâneo, alavancado pelo poder de recomendação de conteúdo com base em similaridades, tem segmentado grupos e enviesado posicionamentos políticos extramente divergentes. As pessoas tendem optar por raciocínios focados em fla-flu, A ou B, ou o famoso 8 ou 80, no qual se opta por algum dos lados da discussão, de maneira cega e arbitrária.

Esse raciocínio geralmente seguem valores binários, ou seja, entre 0 e 1, considerados, respectivamente, falsos e verdadeiros. Seguem, portanto, a lógica booleana, que utiliza-se de operadores lógicos — not, and e or — para definirem resultados verdadeiros ou falsos.

Na prática, as pessoas geralmente pegam temas polêmicos como o aborto ou independência do Banco Central, e já esperam posições favoráveis ou contrárias, e não entendem que o buraco é mais embaixo.

Lógica Fuzzy como uma nova forma de se pensar os problemas públicos

As consequências da lógica booleana para o debate público são as conclusões precipitadas que alguns consensos possam causar. Optar por reformar a Previdência Social ou não, por exemplo, não necessariamente trará as melhores soluções, pois dentro da reforma há questões mínimas que são complexas para o sistema como um todo. A idade mínima, regras de transição, aposentadoria rural, indexação ao salário mínimo e tanta outras questões devem ser decididas com muita cautela.

Quando comecei a estudar machine learning acabei me deparando com a lógica fuzzy — também chamada de Difusa e Nebulosa — que é basicamente a segmentação dos resultados entre verdadeiro ou falso, que poderão ser classificados de n formas, geralmentre entre 0 ou 1. Assim, tomando que 0 seja falso e 1 seja verdadeiro, um resultado de 0.5 pode representar meio verdade, e os resultados 0.9 e 0.1, representam quase verdade e quase falso, respectivamente.

Alguns exemplos práticos da lógica fuzzy no debate público

Um debate recorrente nos dias atuais é a legalização da maconha, muitas vezes visto como mecanismo de amenização da violência pública ou, por outro lado, acentuação dos problemas de saúde envolvendo entorpecentes. Dificilmente se vê as drogas como um mercado, extremamente complexo, onde temos canais de aquisição e de distribuição que precisam ser cuidadosamente analisados por agentes que queiram fazer um política pública na área.

Saber os índices de incidência de usuários com base em toneladas drogas que perpassam por um local, entender as cadeias de comando desses mercados que possuem ramificações internacionais e podem mover peças em uma possível legalização, entender a estrutura de capital para garantir uma transição segura e legal de fornecedores de drogas, e entre outros mecanismos que favoreçam o diagnóstico é fundamental para construção de uma política pública decente.

Isso, quem vos fala, é um mero estudante, que não entende absolutamente nada de política de segurança pública. Imagina quem entende?

Um debate mais árido, por ser muito técnico, é o referente à independência do Banco Central. Ambos os lados do debate são taxativos: um quer independência até demais e outro quer o controle político a qualquer custo. No entanto, o que os atores do debate se esquecem é um debate aprofundado sobre governança, desde regras de nomeação de cargos a decisões de políticas cambiais. Novamente, entendo pouco — mais que segurança pública — de políticas monetárias, mas já identifico empecilhos para um debate raso nessa área.

Há alguns trabalhos acadêmicos interessantes na aplicação da lógica fuzzy — ou fuzzyficação — de políticas públicas. Deixo alguns caso se interessem:

Proposta de um Índice Municipal de Qualidade Ambiental: http://www.sorocaba.unesp.br/Home/Pos-Graduacao/PosCA/dissertacao-fabio-silva.pdf

Previsão de Estudantes com Risco de Evasão Utilizando Técnicas de Mineração de Dados: http://www.br-ie.org/pub/index.php/sbie/article/view/1585

Fuzzy Implication in the Area of Policy and Policy Making; a Short Non- Mathematical Introduction for Policy Makers: http://www.macrothink.org/journal/index.php/jpag/article/viewFile/804/610

Buros ad referendum

Buros ad referendum é um espaço que dediquei aos meus textos para que se sugerisse, de maneira meramente hipotética, algumas ideias que possam solucionar os problemas discutidos aqui. Reitero, nada mais que hipóteses, fundamentadas em nada — ou quase nada.

  • Segmentação das matérias legislativas

No legislativo, dentro de discussões extensas e de matérias complexas, há alguns mecanismos dos Regimentos Internos das casas que permitem votar a parte alguns pedaços dos projetos de leis, tecnicamente chamados de Destaques:

“O destaque é um procedimento de Plenário que passou a ser utilizado também nas comissões. Trata-se de um requerimento cujo objetivo é votar separadamente parte da matéria, destacando-a da proposição principal ou das acessórias.” Regimento Interno da Câmara dos Deputados aplicado às comissões

Os destaques, com um número mínimo de pessoas permitido (varia de cada casa legislativa), permitem votar em separado temas mais polêmicos de projeto e assim chegar-se a um consenso mais definido entre bancadas.

Um estudo feito em um curso de formação da Câmara dos Deputados, constatou que, entre 1997 e 2006, 25,4% de todas as matérias legislativas tiveram algum destaque, tanto nas comissões quanto no plenário da Câmara dos Deputados. Se o número é alto ou baixo, é relativo, mas os números provam que entre o período de 10 anos, houve aumento dos destaques e a tendência à segmentação do debate legislativo.

O lógica fuzzy, portanto, agradece a instrumentos como os destaques legislativos, por permitem tornar o debate menos polarizado e flexibiliza matérias legislativas que são complexas e grandes.

  • Estratificação ótima dos debates

Como já foi mencionado aqui, há uma certa necessidade de estratificar o debate e conseguir segmentar as decisões de maneira mais precisa. Caso queiramos aprofundar isso, seria possível criar algoritmos de pertinência de cada debate, levando-se em consideração a razão da amostra de indivíduos engajados pelo grau de consenso em relação à matéria (mensurado pelo fuzzy de cada “folha” de decisões)? Talvez, nem tudo é sim ou não :)

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