Como lidar com as emoções negativas do usuário

Leandro Lima
PopUp Design
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11 min readJul 6, 2017

Aviso aos navegantes: este não é um artigo sobre auto ajuda. :) Vamos falar sobre design de experiência do usuário e como lidar com emoções negativas ao interagir com um produto.

Lidar com internet é, acima de tudo, lidar com pessoas. Alegria, raiva, medo, tristeza… mais do que personagens super legais de uma animação da Pixar, estes sentimentos podem mudar a maneira que o usuário percebe um produto. Saber trabalhar com as emoções das pessoas pode ser uma peça chave para o sucesso do seu projeto.

Ao planejar uma aplicação é fundamental ter em mente o que o usuário pode estar sentindo ao utilizar o produto, quais respostas dar e qual o momento ideal para cada interação.

Não estou falando que a sua aplicação é a CAUSA destes sentimentos negativos (embora isto também possa acontecer). A realidade é que as pessoas já trazem consigo um turbilhão de sentimentos do seu dia-a-dia e, obviamente, isto não é culpa de nenhum designer. Mas, estar preparado para lidar com estas emoções negativas pode ser ser um diferencial para um produto.

Ninguém é alegre o tempo inteiro

Já aconteceu de você estar triste e alguém vir tentar te deixar pra cima apenas com mensagens alegres e isso só piorar a situação? Não compreender o que deixa alguém para baixo e querer fazer a pessoa se sentir feliz a qualquer custo pode ser uma forçação de barra que só aumenta essa sensação negativa. Da mesma forma, ignorar o fato de que o usuário pode estar frustrado antes de começar a usar uma aplicação pode gerar situações bem desconfortáveis. Abordar uma pessoa possivelmente irritada com imagens e mensagens super fofas e alegres pode ter um efeito negativo para a experiência. Mas, se simpatizarmos com o usuário, podemos criar um laço de confiança muito mais forte.

Entender o contexto de uso de um produto é fundamental para oferecer a melhor experiência possível para quem está do outro lado da tela. Para isso, o ideal é que a equipe responsável adicione em ummapa de jornada do usuário as atividades mais comuns que os usuários fazem ANTES de entrar em contato com o produto.

Comece a desenhar esta jornada tendo em mente todas as variações para o primeiro contato das pessoas com a aplicação. Mapeie todos as diferentes razões que levaram o usuário a buscar um produto e o que esta pessoa poderia estar sentindo neste momento. O usuário está aflito? Ele está alegre? Está com medo? Está curioso? Está com raiva? Ele espera ouvir uma mensagem motivacional? Ele só procura um escapismo do mundo real? Ele espera finalizar o uso da aplicação rápido?

Ao criar este mapa você irá descobrir se existe a possibilidade de lidar com um usuário frustrado, mesmo quando a sua aplicação não tem como objetivo lidar com as frustrações. Uma pesquisa com o usuário e muita empatia vão te ajudar a prever estas situações e oferecer a melhor resposta possível para cada contexto de uso.

O Algoritmo da Crueldade

Quanto maior for o número de pessoas interagindo com um produto, maior vai ser a quantidade de contextos diferentes em que ele será usado.

Vamos a um exemplo: Fulano da Silva está guardando um dinheiro em sua conta no banco. Ele é um cara feliz e tem uma vida bem estável. Com esforço e trabalho ele está conseguindo fazer o seu pé de meia. Um belo dia ele está dirigindo tranquilamente quando vê uma fumaça saindo do motor do seu carro.

Ele fica preocupado, tenta ir até o mecânico, mas o motor para de funcionar. O valor do reparo é maior do que Fulano da Silva tem guardado, e ele não quer zerar todas as suas despesas. Ele recorre a um empréstimo para isso. Ele está bravo e frustrado. Ele entra no site para fazer a solicitação do empréstimo e vê a mensagem “Casa própria? Carro novo? Viagem para o exterior? Entre em contato! Vamos te ajudar a alcançar seus sonhos!”. Positivo, não é? Não para Fulano. Tudo o que ele consegue ler é “Casa nova? Viagem para o exterior? Se ferrou, vai ter que adiar tudo isso porque precisa gastar uma fortuna para arrumar seu carro”.

Estou exagerando? Vamos a um caso real! Eric Meyer teve um ano difícil. Sua filha morreu. Tudo o que ele queria era deixar a lembrança triste pra trás e seguir em frente. Chegou o fim de 2014 e o Facebook lançou uma funcionalidade nova que criava um vídeo com os melhores momentos do ano para você. Vinha com a mensagem “Olá, veja como foi o seu último ano”. Tocava uma música animada, mostrava balões, pessoas comemorando e tudo mais. No caso do Eric, mostrava fotos da filha dele que faleceu. Junto com as fotos havia a mensagem “relembre o seu ano maravilhoso”. Tudo o que Eric conseguia ler era “Relembre o ano em que sua filha morreu”. Eric não foi um caso único. Existiram várias pessoas que tiveram uma péssima experiência com esta aplicação justamente por reforçar lembranças de um ano ruim.

Não foi culpa do Facebook. Assim como o caso do “Fulano da Silva” não foi culpa do banco. Tudo o que eles fizeram foi buscar uma validação para as suas ideias e criar uma mensagem que agrade o maior grupo de pessoas possíveis. E isso está longe de ser um erro! Trabalhar em cima de dados e números concretos é um caminho bem seguro para o acerto. Mas, o design também precisa considerar casos extremos.

A solução pode ser bem simples. Perguntar ao usuário “qual é o motivo do seu empréstimo?” e depois disso mostrar uma mensagem mais contextualizada poderia ter evitado o stress no exemplo do banco. Já no caso do Facebook, seria legal perguntar ao usuário se ele deseja lembrar do ano dele antes de mostrar o video. É um passo extra, mas se inserido no momento certo, pode fazer toda a diferença para uma boa experiência.

Melhorando a experiência do usuário à partir de um sentimento negativo

Emoções negativas existem. E nossos usuários podem estar aborrecidos por algum motivo. Assumir esta verdade já é um ótimo caminho para começar a melhorar a UX.

Vou compartilhar algumas situações que já aconteceram comigo. Obviamente existem muitos outros exemplos e situações além destes que eu vou dar aqui. Já passou por alguma situação diferente? Tem um exemplo pra compartilhar? Não tenha medo de comentar!

Falando em medo, porque não começar por este sentimento?

Medo

Medo é uma perturbação causada pelo risco de que algo ruim aconteça. Este “algo ruim” pode ser real ou imaginário. As vezes é comum o desconhecido ou o completamente novo causar medo.

Mas, por qual motivo alguém vai ter medo de um site? Podemos nos lembrar do passado para responder esta questão. No final dos anos 90, início dos anos 2000 era muito comum as pessoas terem um certo receio de fazer uma compra na internet. Será que meu produto vai chegar? Será que minhas informações estão seguras? Claramente houve uma mudança de comportamento e hoje os usuários compram muito mais online, mas isso não significa que o medo não exista! Todo o momento em que um site pede uma informação pessoal o sinal de alerta tende a surgir. Será que é mesmo seguro? Será que minhas informações estão protegidas?

A insegurança em passar dados ou a lembrança de algum website que teve informações vazadas no passado é o que causam o medo no usuário.

O medo aumenta o sinal de alerta. O usuário vai procurar por sinais que comprovem que o medo dele tem fundamento ou que o tranquilizem. É nesta hora que o trabalho do UX faz diferença.

Ser claro na interface, evitar o uso de palavras complicadas e ambíguas e fornecer opções de ajuda e dicas pontuais sobre cada etapa de um processo são maneiras de melhorar a experiência. Na hora de pedir uma informação pessoal ou até mesmo sigilosa não é bom fazer piadinhas. Mas isso não significa que você deve usar uma linguagem totalmente formal. Falar difícil vai mais confundir do que ajudar. A interface deve guiar o usuário, mas deixar claro que é ele quem está no controle da situação e pode voltar, cancelar e corrigir algum possível erro na hora que quiser. Também não é legal pedir informações desnecessárias. Sempre deixe claro o motivo de que solicitar uma informação pessoal é importante.

Pense em um processo de abertura de conta em um banco online, ou o fluxo de pagamento de um e-commerce. São momentos em que o usuário pode sentir medo. Minimizar a antecipação e tratar como se não fosse algo para se preocupar pode parecer frio e só vai aumentar o susto do usuário caso algo dê errado. Fazer o usuário racionalizar este medo e mostrar opções fáceis e acessíveis de corrigir um possível problema pode fazer com que ele nem perceba se algo ruim acontecer pelo simples fato que corrigir foi muito tranquilo.

Seja claro onde o usuário pode voltar atrás e apagar uma postagem acidental, corrigir informações ou até mesmo cancelar tudo o que foi feito.

Ansiedade

A ansiedade pode ser um mal-estar físico ou psíquico. E também pode ser o desejo impaciente de realizar algo.

Sentir ansiedade não é necessariamente ruim. Você pode estar ansioso para fazer a viagem dos seus sonhos, por exemplo. Mas também pode ficar ansioso simplesmente por uma demora em uma resposta ou por ter que tomar uma decisão difícil.

Quando a ansiedade for por um motivo bom, você pode usá-la ao seu favor para criar uma relação entre o usuário e o seu produto. Imagine um site de uma escola ou faculdade. O usuário se matricula e está ansioso para o início das aulas. Nesta hora, você pode usar este sentimento para criar um laço! Mandar uma mensagem de boas vindas, mostrar melhor como será o primeiro dia ou até mesmo lembrar de algum item que ele precisa comprar para se preparar melhor.

Também é comum estratégias que propositalmente provocam ansiedade no usuário. Promoções e mensagens de urgência trabalham com isso em mente. “Últimas unidades”, “Promoção por tempo limitado” e coisas do tipo estão ativando este sentimento no usuário para forçar ele a tomar uma decisão rápida.

É bastante discutível se é certo ou não se aproveitar da ansiedade do usuário para vender um produto. Muitas vezes a urgência para tomar uma decisão logo vai fazer com que ele não faça uma escolha tão boa e cancele a ação dele no futuro. Isso pode gerar uma percepção ruim da sua marca e frustração. É importante ter muito bem detalhado toda a jornada do usuário em seu projeto para saber qual é o momento certo de aumentar e de diminuir a ansiedade.

É tentador querer pressionar o usuário ansioso para que ele compre algo logo. Mas, pense se é o momento certo dentro do fluxo da sua aplicação. Pressionar o usuário no momento errado pode fazer com que ele nem comece uma ação e tenha uma percepção ruim de seu produto.

Já ouviu falar do paradoxo da escolha? É uma situação em que quanto mais opções de um produto existe maior a chance de que o usuário não escolha nada. Isso acontece porque ver muitas opções aumenta a ansiedade da pessoa. Ele sente como se tivesse que comparar todas as opções disponíveis e nunca fosse encontrar a melhor. No final, acaba desistindo.

Mostrar um leque limitado, com poucas opções e maneiras rápidas de comprar e finalizar a ação é uma estratégia para lidar com o paradoxo da escolha. Eu lembro de uma vez em que participei de uma pesquisa com usuários e vi isso acontecer na frente dos meus olhos. Quando o resultado da busca de uma loja virtual mostrava mais de 40 opções o usuário sentia como se ele nunca fosse conseguir encontrar o item perfeito. Mas, quando limitamos o resultado a 5 opções, o usuário sentia que tomar uma decisão seria muito mais fácil e rápido. Isso o tranquilizava e diminuía a sua ansiedade.

Raiva

Usuários podem ficar bravos. E isso não é culpa sua ou deles. As vezes é por um motivo que foge ao nosso controle. Lembra do usuário que foi pedir um empréstimo no exemplo deste texto? Uma simples mensagem poderia resolver a situação.

Agora, o usuário pode ficar com raiva do nosso site. Mas, antes de culpar o usuário é bom entender o porque que ele sentiu raiva. Foi um campo de formulário que não foi preenchido corretamente? Uma mensagem de erro que impede que ele faça uma ação? Demora na resposta? Um produto que ele não consegue encontrar?

Não encontrar um produto ou não perceber que um campo era obrigatório muitas vezes são problemas da interface que não deixou claro a ação que deveria ser feita. O importante quando isso acontece é mostrar uma mensagem de erro clara, curta e objetiva. Se é um campo de formulário que deveria ter sido preenchido, mostre a mensagem de erro próxima do campo e já o deixe selecionado para que o usuário o preencha. Se é um carregamento mais demorado, de alguma resposta de que algo está acontecendo. Sempre ofereça uma solução fácil. E nunca acuse o usuário na mensagem de erro. Não use frases como “você esqueceu de fazer determinada ação”. Não é chato quando você comete algum erro e alguém fica falando do seu lado “Viu o que você fez? Você fez errado! Você deveria ter feito isso ou aquilo…”? Isso só aumenta a frustração e a raiva.

Quando um erro acontecer, antes de culpar o usuário se pergunte “por que este erro aconteceu?”. Observando usuários navegar em um site, já vi uma pessoa clicando em um ícone por mais de 100 vezes esperando que algo acontecesse. Não era um erro do usuário. Simplesmente algo na interface fez ele acreditar que aquele ícone era clicável.

Quando o usuário estiver com raiva mostre pra ele uma maneira objetiva e rápida de resolver o problema. Com o problema resolvido, a raiva vai embora.

Se liga aí então que é hora da conclusão…

Projetar uma interface é lidar com um ser humano. Trabalhar criando produto para pessoas é, acima de tudo, um exercício de empatia. Entenda todo o contexto de uso de um produto que você vai conseguir identificar todas as emoções que o usuário pode sentir, as boas e as ruins.

Lidar com as emoções negativas do usuário não significa forçar ele a ficar feliz o tempo todo. O objetivo aqui é mostrar as soluções de maneira rápida e eficiente para resolver o problema o quanto antes.

Para finalizar, lembre-se que um usuário com estes sentimentos negativos pode ser uma pessoa mais fragilizada e com reações extremas. Isso pode deixar ele mais propenso a tomar uma decisão por impulso. Seja ético em seu projeto. Pode ser tentador fazer uma venda só causando ansiedade. Mas pense sempre no impacto que isso vai ter para a sua marca e se isso vai ser bom ou ruim para o usuário no final do dia.

Obviamente não tratei de todas as emoções negativas possíveis. Este artigo é baseado em experiências reais que tive no desenvolvimento de projetos. Espero que ele sirva como um bom pontapé inicial para que você trabalhe este tipo de sensação. E, se você já vivenciou alguma situação, não hesite em comentar!

Publicado originalmente em: http://blog.popupdesign.com.br/como-lidar-com-emocoes-negativas-do-usuario-no-ux/

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Leandro Lima
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Principal Game UX Designer @ King. Former UX Designer @ Google, Booking.com and Red Ventures. Really passionate about Design, Tech, Users, Formula 1 and Coffee.