Como usar valores de design para tomar decisões

Leandro Lima
PopUp Design
Published in
8 min readSep 20, 2018
O que escolher? O que escolher…? — Foto Javier Allegue Barros on Unsplash

A experiência do usuário não é feita à partir de telas, conteúdos, pixels e interações. Ela é formada com decisões. Decisões dos designers, decisões das empresas, decisões dos programadores, decisões dos gerentes. Mas como podemos facilitar e empoderar pessoas a tomarem decisões que levem o UX em consideração?

Escolhas

Pense em todas as escolhas que designers fazem no seu dia-a-dia: quais cores usar, qual a melhor hierarquia de elementos, qual tipografia… Todas estas decisões tem benefícios e malefícios a serem considerados. São decisões que designers tem o controle e fazem de maneira consciente.

No entanto, existe um mundo de decisões que são tomadas distantes do designer: os diretores de produto tomam decisões, os vendedores tomam decisões, clientes tomam decisões.

O produto final que chega aos usuários não é apenas o conjunto de decisões tomadas diretamente pela equipe de UX. É o reflexo da relação de um designer com o seu cliente. É como uma agência se estrutura e como ela constrói o relacionamento com as marcas que estão atendendo. É o resultado de como uma empresa organiza suas pessoas, equipes, processos e estruturas hierárquicas.

Pessoas diferentes, com prioridades diferentes e com pensamentos diferentes vão tomar decisões diferentes. A ideia deste artigo é mostrar uma ferramenta para sincronizar o pensamento de uma equipe, para fazer com que as escolhas feitas por pessoas diferentes tenham o mesmo foco e objetivo.

Como tudo em design, essa metodologia pode variar muito e é só uma dentre incontáveis soluções possíveis.

Valores de Design

Sabendo que as escolhas de todos os envolvidos em um projeto irão impactar a experiência de uso de um produto, é importante ter alguma maneira de alinhar o pensamento para garantir que todos caminhem na mesma direção.

Ter Valores de Design (ou Princípios de Design) definidos é uma ferramenta que pode ajudar na criação deste sincronismo. Valores de Design são considerações, princípios, regras e atitudes que darão identidade e guiarão o processo de criação. Tem a função de garantir que todo mundo dentro de uma equipe esteja resolvendo problemas considerando critérios parecidos. O objetivo é que o usuário tenha uma experiência consistente de uso de um produto e que a identidade da empresa seja respeitada.

Entendendo o meio

Pessoas não tomam decisões de maneira igual. Times não tomam decisões de maneira igual. É importante para criar bons valores entender como a equipe em que o designer está inserido toma decisões.

Cada ambiente tem uma dinâmica diferente. Existe aqueles que são guiados pelo debate, conversa e consenso. Neste caso, ter valores rígidos e que não permitem discussão entre as pessoas vai fazer com que eles sejam rapidamente ignorados. Existem também grupos que dão peso maior para a opinião de um especialista. Ter valores que incentivem pessoas a se especializar ou a consultar especialistas é o que funciona melhor aqui. Existe o ambiente de pessoas que trabalham guiados por dados e estatística. Ou aquele formado por estruturas hierárquicas rígidas.

Um não é necessariamente melhor ou pior que o outro. No entanto, uma abordagem que vai contra as dinâmicas existentes tem mais chances de falhar. Existirão casos onde os valores de design precisam mudar para se adaptar a maneira com que equipes se relacionam, ou casos em que os acordos de trabalho precisem ser revistos para se adaptar a novos valores. Tudo vai depender do que é mais possível e necessário dentro da realidade do designer e da equipe em que está envolvida.

Por onde começar?

Comece pela atitude mais básica que todo mundo na equipe tem que mostrar para resolver problemas dos usuários.

É uma boa ideia buscar inspiração vendo valores de outras empresas. É importante lembrar que valores tem o papel de empoderar as pessoas no processo de tomada de decisão. Serve para ser consultado em momentos de dúvidas sobre qual escolha fazer.

É importante que não seja fechado demais e torne impossível a discussão entre designers — como, por exemplo, "use sempre azul". E e não pode ser aberto demais, abrindo espaço para que as pessoas tomem a decisão que bem entenderem — como "seja sempre criativo", por exemplo.

Valores de Design da Mozilla para o Firefox. Você pode ver mais aqui: https://design.firefox.com/values/
  • “Mantenha o usuário ao centro de todas as ideias”
  • “Mostre somente o importante”
  • “Sempre ofereça feedback ao usuário”

Esses três itens são exemplos de bons valores que podem gerar boas discussões, serem consultados na hora de dar um feedback para outros design ou em caso de dúvidas.

Assim, se alguém propor criar uma tela com 20 possíveis ações diferentes, o designer pode rebater com “mas isso está de acordo com a nossa ideia de mostrar somente o que é mais importante?”.

Para justificar a ideia de criar uma tela com 20 ações diferentes, a pessoa vai ter que pensar em uma maneira de provar que ela está mostrando apenas o que é o mais importante. E, neste processo, mesmo sem ninguém pedir, ela pode acabar mudando o escopo de uma ideia fazendo com que ela se encaixe nos valores que a equipe acordou previamente.

Não sabe por onde começar para criar os valores de design de um produto ou empresa? Não tem problema. Comece traçando uma linha que diz aquilo que a equipe nunca vai fazer. “Nunca mostrar um elemento visual ou informação que possa ter um duplo significado”, “Nunca mentir sobre o status do usuário”, “Nunca usar ícones sem uma legenda” e assim por diante.

De certa forma, saber o que a equipe nunca vai fazer é uma maneira de tomar decisões.

Comprometimentos e trocas

Em algum momento, será necessário tomar alguma decisão que irá comprometer uma parte do produto para ter um ganho em outra.

Nunca é uma escolha fácil e faz parte do dia-a-dia do trabalho de UXers. Ter valores de design definidos faz essa escolha ficar bem menos difícil.

Por exemplo: em uma aplicação de organização pessoal com to-do lists a equipe de design precisa decidir se coloca os últimos ítens adicionados pelo usuário no topo da lista, no final da lista ou se pede para que o usuário coloque uma data e organize a lista por ordem cronológica.

Cada escolha tem seu ganho e seu comprometimento: colocar os itens novos ao topo pode fazer com que os usuários se lembrem deles mais rápido, mas pode fazer com que eles esqueçam ou percam o controle de tarefas antigas. Deixar as tarefas novas por último pode fazer com que ele sempre se lembre do que é mais antigo e precisa ser terminado, mas também pode fazer o usuário se perder quanto a tarefas recentes que precisem de atenção mais rápidas. Pedir para que o usuário insira a data e organize por ordem cronológica pode ser um passo extra na hora do cadastro de tarefas.

É uma decisão difícil. Mas, se todos concordaram que um valor de design é "Dar liberdade ao usuário para organizar suas tarefas", tomar esta decisão fica um pouco menos complicada.

Neste exemplo é mais simples porque tudo roda ao redor do usuário. Mas existirão situações em que o ganho e a perda envolvem o desenvolvimento do produto ou os objetivos de negócios.

Exibir uma propaganda no meio de um vídeo beneficia o anunciante e os lucros de empresas que vivem de vender publicidade. Beneficia também o possível produtor de conteúdo que ganha alguns trocados com este anúncio. Mas prejudica quem assiste o vídeo. Colocar o anuncio ao final do vídeo pode prejudicar o anunciante que tem menos chances de ter sua propaganda vista, mas com certeza é uma experiência melhor para o usuário. O que decidir?

Em um outro exemplo, uma aplicação de textos online precisa decidir se vai usar uma maneira de salvar automaticamente ou vai colocar um botão onde o usuário precisa clicar para guardar um conteúdo. Na primeira opção, a experiência do usuário é mais fluida e natural, mas demanda mais tempo de desenvolvimento o que vai atrasar a validação. A segunda opção adiciona um passo extra para o usuário, mas agiliza o desenvolvimento, o lançamento e a validação. Qual é a coisa certa a se fazer?

Para nenhuma destas situações hipotéticas apresentadas existe uma resposta certa e definitiva. Todas envolverão perdas e ganhos para algum lado.

Ter valores de design definidos e acordados com a equipe vai ajudar neste processo. Na hora de uma bola dividida, recorrer aos acordos que a equipe fez previamente é o que pode ajudar a equipe a escolher pela opção A ou B.

Decisões que vão contra os valores de design

Nada pode ser escrito em pedra e virar um dogma. Produtos evoluem, as interações e as necessidades dos usuários evoluem, os modelos de negócios mudam. Tudo muda. Não tem nenhum motivo para que os valores de design não mudem. De tempos em tempos, a cada novo planejamento, revisite estes valores e veja se eles fazem sentido dentro das direções que estão sendo tomadas.

Tomar decisões que vão contra valores não pode ser banal ou acidental. É preciso ter regras para quebrar uma regra.

Três princípios importantes pode ajudar neste cenário.

  1. Nenhum valor pode ser quebrado por acidente. Quando um designer, desenvolvedor ou qualquer pessoa quebrar um dos valores de design, ela tem que saber que está quebrando isso e fazer conscientemente.
  2. Avise a equipe que uma decisão que vai contra os valores está sendo tomada. Desta forma, não haverá surpresas.
  3. Documente o impacto da decisão. Isso vai ajudar a entender melhor a situação que levaram a esta decisão e qual foi o resultado. Pode também servir de pontapé para mudar estes valores no futuro.

Valores devem evoluir! Mas não por acidente.

Se liga aí então que é hora da conclusão

Existem produtos que usamos e amamos. Existem produtos que odiamos. Em ambas as situações, ao invés de pensar "que tipo de designer faria isso?" pense "quais são os valores, estruturas e maneiras de tomar decisões que fizeram com que o produto fique desta forma?". O mesmo profissional pode tomar decisões diferentes para a mesma situação em organizações diferentes. Tudo depende do que a equipe valoriza.

Um designer não trabalha em isolamento. Todas as escolhas feitas são os resultados de como uma empresa se estrutura. A função do designer no meio disso tudo é criar ferramentas que permitam que as pessoas tomem decisões conscientes do impacto que isso tem na experiência do usuário.

Ter valores de design é ter uma ferramenta para recorrer na hora da tomada de decisão, ou na hora de avaliar se uma decisão está alinhada com toda equipe ou não. É uma maneira de colocar todo mundo em sintonia e criar coesão e consistência entre partes de um produto.

No final do dia, a experiência do usuário será um reflexo dos valores da equipe.

O que você mais valoriza no seu processo de criação? Conta aí pra gente conversar sobre! ;)

****

Originalmente publicado em http://blog.popupdesign.com.br/como-usar-valores-de-design-para-tomar-decisoes/

--

--

Leandro Lima
PopUp Design

Principal Game UX Designer @ King. Former UX Designer @ Google, Booking.com and Red Ventures. Really passionate about Design, Tech, Users, Formula 1 and Coffee.