Design, hipótese e experimentação #2 — O viés

Leandro Lima
PopUp Design
Published in
9 min readAug 25, 2017
idea — David Ramos

Entenda neste artigo como o seu cérebro prega peças que distorcem a criação de hipóteses e análise de resultados, o que você deve se perguntar antes de entrar numa caverna e o que tudo isso tem a ver com UX Design.

Este texto é a parte 2 de uma série sobre design e experimentação. No primeiro, eu falo sobre uma estratégia para criar uma hipótese para o seu projeto.

O viés cognitivo

Acesso limitado a informações, leitura parcial de dados, falta de contexto… tudo isso pode distorcer a maneira com que a análise de um projeto é feita. Esta distorção tem um nome bonitinho: viés cognitivo.

O viés cognitivo não é voluntário. Alguns erros de julgamento surgem da tentativa involuntária da nossa mente de pegar um atalho na hora de tirar uma conclusão.

O viés também não é necessariamente ruim. Conseguir julgar uma situação apenas com acesso parcial a dados é uma capacidade importante que pode evitar situações indesejadas.

Por exemplo: imagine uma pessoa na frente de uma caverna, sozinha e sem nenhum equipamento de segurança ou defesa. Ela escuta barulhos ensurdecedores vindo da caverna. Ela decide não entrar na caverna. Para tomar esta decisão, a nossa aventureira não tinha acesso a todas as informações… Não é possível dizer se o som é realmente de um animal. E assumindo que fosse de um animal, não se sabe se ele é agressivo ou não. Mas esta decisão pode ter evitado boas mordidas e arranhões.

No entanto, para projetos de design ou pesquisas não é uma boa prática tirar conclusões ou tomar decisões só com base em ruídos. É importante se certificar que tem todas as ferramentas necessárias para medir riscos, benefícios e dados concretos para justificar as suas escolhas.

Alguns tipos de vieses

Existem vieses cognitivos de diversos tipos. Obviamente não vou falar de todos aqui. Para este artigo, quero me concentrar naqueles que vejo acontecer com mais frequência no meu dia-a-dia como designer. Vou usar as minhas experiências passadas e deixar algumas dicas de como diminuir a chance de fazer uma escolha enviesada.

Cuidado ao confiar apenas na memória para falar de escolhas passadas

Existe uma chance das pessoas lembrarem de escolhas feitas no passado como sendo melhores do que realmente foram. Isso se chama viés pró-escolha. Em um contexto de design e planejamento de um produto, confiar somente na memória para falar de projetos passados pode fazer com que os resultados pareçam melhores do que foram na realidade.

Se eu escolhi isso é porque era a melhor escolha.

Lembra de como aquele usuário amou a interface no teste de usabilidade? Ou como um projeto dobrou, ou melhor, triplicou as vendas de uma loja virtual? A memória das pessoas da equipe pode estar distorcida pelo tempo.

Como designer, é importante ir atrás dos fatos reais que comprovem que uma ideia realizada no passado foi mesmo um sucesso e pode ser repetida. Mergulhe em números e fatos que contem a história verdadeira dos resultados alcançados por um projeto. Entenda também as situações em que as ideias foram aplicados e todos os seus efeitos colaterais.

Procure por dados que confirmem o sucesso passado (ou não) e crie uma hipótese para reproduzir a mesma ideia.

Questione se o fato de todos os envolvidos terem gostado do projeto não está distorcendo a percepção que eles tem do impacto gerado.

O atirador que nunca erra o alvo

Você entra em um clube de tiro e percebe que todos os alvos pintados na parede estão com um buraco de bala bem no meio. Fica impressionado com a precisão do atirador e pergunta como ele pode ter 100% de sucesso. A resposta é simples: o atirador dispara aleatoriamente contra a parede e desenha os alvos depois de ter atirado. Esta é a falácia do franco-atirador texano.

Parece absurdo, né? Mas é exatamente isso que acontece se a equipe inicia um projeto sem um objetivo definido e sem métricas que vão medir a performance. É muito fácil afirmar que tudo foi um sucesso escolhendo apenas as variáveis positivas que surgiram depois do lançamento de um produto. Os idealizadores realmente planejavam influenciar as métricas selecionadas? Eles estão treinando e refinando o tiro ou só escolhendo os alvos depois?

Para evitar este problema, tenha certeza que os indicativos de sucesso serão definidos antes de começar a executar um projeto.

Não use apenas parte da informação

O viés de foco, ou efeito de ancoragem, é a tendência que algumas pessoas podem ter em se basear em apenas uma característica ou em uma parte da informação recebida para tomar uma decisão. Em design e experimentação, isso acontece quando as pessoas responsáveis pela análise de dados se prendem em apenas uma variável do produto, ou somente em uma atitude do usuário em um teste de usabilidade.

Um dado isolado não conta uma história. Focus — Jürgen

É uma boa prática ter uma métrica principal para um projeto. Mas se prender a apenas um número pode aumentar a chance de análises distorcidas. Tenha métricas secundárias para dar suporte a métrica primária.

As histórias que dão errado são fundamentais

Imagine dois carros de corrida idênticos. Ambos se acidentam de maneiras diferentes. O primeiro carro, apesar da pancada que sofreu, consegue terminar a corrida. O segundo carro sofre uma perda total.

Ao término da corrida a equipe de mecânicos repara que o primeiro carro, aquele que terminou a corrida, está com amassados nas portas e no capô. Qual é a parte do carro que eles precisam fazer melhorias urgentemente para evitar perdas totais na próxima corrida? Ao analisar o estado do carro que terminou a corrida, é seguro dizer que melhorias no capô e nas portas são necessárias… certo?

Não necessáriamente. Na realidade, a parte onde fazer melhorias de segurança diminuiria a chance do carro dar perda total pode estar exatamente nos pontos onde o carro que terminou a corrida não foi atingido! Isso porque, se o carro conseguiu terminar a prova mesmo sofrendo pancadas no capô e nas portas isso pode significar que estas partes são fortes o suficiente para que o piloto continue dirigindo mesmo se forem danificadas. Ou seja: um dano nessas peças não é crucial para o funcionamento geral do veículo!

Só um arranhãozinho! Bad day in the office — Roger Smith

O viés do sobrevivente, em um contexto de UX Design, acontece quando uma análise para melhoria do produto é feita apenas do ponto de vista dos casos em que o usuário conseguiu cumprir com o seu objetivo. No exemplo dos carros de corrida, saber onde o carro que deu perda total foi atingido é fundamental para que a segurança dele seja melhorada.

Isso acontece no dia-a-dia de um designer quando ele faz a análise para encontrar falhas de um produto considerando apenas a jornada do usuário que consegue cumprir com os objetivos. Problemas encontrados nestas histórias são definitivamente importantes de serem apontados e arrumados! Essas melhorias podem ajudar a deixar um produto estável ainda melhor. Mas, não deixe de considerar os casos de pessoas que não conseguiram cumprir o principal objetivo do seu projeto. São nessas histórias que serão encontrados os problemas mais críticos que precisam de melhorias urgente. Quando os casos de falha são ignorados, as diferenças fundamentais entre o sucesso e a falha também são deixadas no escuro.

Esteja atento aos fatos que não comprovam a sua hipótese

O viés de confirmação é a tendência de pessoas escolherem apenas fatos que comprovem seu ponto de vista. Ele faz com que o designer ou pesquisador deixe de observar informações relevantes e se foque apenas nos sinais que comprovem a ideia proposta, mesmo que eles sejam extremamente fracos.

Às vezes a vontade de que algo seja verdade é tão grande que as pessoas veem sinais onde não tem.

O maior problema deste viés é que ele faz com que pessoas se foquem apenas em comprovar que uma linha de pensamento é verdadeira ao invés de testá-la com a mente aberta para a possibilidade de que ela esteja errada. Imagine um teste de usabilidade para saber o quão fácil é preencher um formulário. O usuário passa mais de 10 minutos tentando entender como preenche-lo, comete vários erros e demonstra sinais claros de insatisfação ao fazer aquela tarefa. Mas, no final, ele consegue preencher. A vontade do pesquisador em confirmar que preencher o formulário é fácil é tão grande que ele se foca apenas no fato de que o usuário conseguiu preencher o formulário e deixa de lado todos os sinais de stress apresentados, os erros cometidos durante o preenchimento e o tempo que o usuário demorou para realizar a tarefa.

Para evitar este viés esteja sempre aberto a possibilidade da hipótese não se confirmar. Após chegar a algum resultado conclusivo, questione este resultado. Peça para que outra pessoa faça uma análise do teste e compare as conclusões. Saber que a sua hipótese está errada é fundamental para encontrar a melhor solução possível para um problema. A função de um experimento em design não é provar que uma ideia está certa, mas encontrar e solucionar possíveis falhas.

Se eu consigo fazer é porque está bom

Culpar o usuário por ele não conseguir cumprir tarefas é perigosíssimo! As pessoas que usam os produtos não tem o mesmo nível técnico que os seus criadores. Elas também não estão olhando para o site ou aplicação por tanto tempo.

O designer não é o usuário. A opinião das pessoas envolvidas em um projeto sempre estarão enviesadas pelo simples fato delas olharem para aquele produto com uma frequência muito maior do que um usuário comum. Além disso, achar que o usuário é burro por não conseguir cumprir determinadas tarefas em uma aplicação mostra que a equipe não está com a cabeça aberta para assumir o fato que ela pode ter cometido algum erro de planejamento.

Antes de assumir que o projeto está perfeito e que o usuário que é o culpado pelas falhas, é importante se perguntar “por qual razão as pessoas não estão conseguindo fazer determinadas ações?”. Não culpe o usuário por não usar o produto do jeito que foi idealizado. Se algo está errado o que precisa mudar não é o usuário, mas sim a maneira com que as informações são apresentadas. Senão o Designer não está criando soluções, mas sim problemas que antes não existiam.

Pra finalizar…

Viés cognitivo é um atalho que o cérebro pega para tentar resolver um problema da forma mais rápida possível. Todo mundo está sujeito a ter um pensamento enviesado na hora de analisar um fato. Saber que seu pensamento está enviesado é a melhor forma de evitar que o viés aconteça.

Sempre se pergunte se você está levando em consideração todos os dados possíveis e esteja aberto ao fato da sua hipótese não se confirmar.

E você? Já enfrentou alguma situação parecida? Ou tem algum outro exemplo de viés? Comenta aí! Quem sabe isso não vira um texto no futuro?

Originalmente publicado em: http://blog.popupdesign.com.br/design-hipotese-e-experimentacao-2%E2%80%8A-o-vies/

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Dicas de leitura

Anchoring Effect: https://www.sciencedaily.com/terms/anchoring.htm

The Focusing-Effect: Why We End Up Making the Wrong Decisions: http://reflectd.co/2013/06/11/the-focusing-effect-biased-decision-making/

Survivorship Bias: https://en.wikipedia.org/wiki/Survivorship_bias

Overcoming survivorship bias in data-driven experience design: http://www.extractable.com/insights/overcoming-survivorship-bias-in-data-driven-experience-design

Confirmation Bias — It’s Not What We Think We Know That Counts: https://www.interaction-design.org/literature/article/confirmation-bias-it-s-not-what-we-think-we-know-that-counts

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