Quando um produto morre, o que fica?

Paty Gomes
Por dentro do JOTA
Published in
7 min readJan 28, 2022

A história do JOTA PRO Crise, um produto que matamos para que outros pudessem vir

Photo by Hansjörg Keller on Unsplash

Começo este texto com a provocação: quando um produto morre, o que fica?

Pergunto isso porque, quando você começa a trilhar o caminho do gerenciamento de produto, não faltam referências que ensinam a tirar ideias do papel e colocá-las diante de uma usuária. São frameworks, estudos de caso, livros, palestras e uma infinidade de exemplos que ilustram as melhores formas de construir o próximo melhor produto já desenvolvido –o seu–, a partir da ideia da grande gênia a ser descoberta –você.

Acontece que, entre discoveries, lançamentos e busca pelo product/market fit, raramente as coisas saem como o planejado. Mais frequentemente do que as pessoas gostam de admitir e os gurus se prestam a ensinar, os produtos chegam ao seu fim. E a questão que trago aqui é como conduzir esse momento da forma mais honesta possível para os usuários e com menos ônus para a empresa. Isso aconteceu com a gente no JOTA agora no início do ano e eu conto neste texto como foi/está sendo o fim do JOTA PRO Crise.

O primeiro fator que ajuda a deixar tudo muito mais leve é não considerar, de antemão, o fim de um produto um fracasso. Que fique bem entendido: alguns produtos são um fracasso mesmo. Não trazer receita, não ser usado, não resolver uma dor –tudo isso representa um produto mal sucedido. Mas o que quero dizer é que decidir terminar com algo não é o que define isso a priori.

No caso do JOTA PRO Crise, por exemplo, o fim não foi um fracasso, mas uma evolução natural em que algumas partes ganharam outra vida, enquanto outras foram, de fato, descontinuadas.

Para explicar direito essa história, preciso explicar o que é o JOTA e rebobinar para o longínquo março de 2020. Nossa missão é tornar as instituições previsíveis. Fazemos isso a partir da cobertura dos Três Poderes com repórteres em campo e com o uso de análises quantitativas, em que entram em cena nossos cientistas de dados.

Naquele início de ano, o clima era de euforia no JOTA. Estávamos capitalizados por uma rodada de investimento ocorrida no ano anterior, havíamos começado a usar o dinheiro montando nosso próprio time de tecnologia e estávamos a poucos dias de inaugurar a Casa JOTA, um misto de redação e espaço de eventos no coração de Brasília. Estávamos bombando.

Mas aí veio o coronavírus e o lockdown transformou nossa euforia em apreensão.

Quanto tempo essa crise vai levar? As sessões dos tribunais serão interrompidas por mais quantas semanas? Ou serão meses? Vai morrer muita gente? Alguém próximo do JOTA vai ser afetado? A economia vai suportar? Os clientes vão cancelar? Como o JOTA vai ajudar todas essas pessoas a atravessar essa escuridão? Ninguém sabia.

A gente sabia que, se alguém poderia ajudar os assinantes neste momento, esse alguém só podia ser a gente. Tínhamos que nos movimentar e precisávamos fazer isso rápido.

As semanas que se seguiram ao lockdown foram muito desafiadoras. Falamos com clientes para entender o que mais lhes afligia. No paralelo, várias mentes brilhantes do JOTA se puseram a pensar em como responder a essas aflições. As soluções foram ganhando forma rapidamente.

A nossa resposta

Nascia o JOTA PRO Crise, um conjunto de conteúdos multicanal que tinha o objetivo de trazer clareza nesse turbilhão de acontecimentos. Era composto de uma estratégia arrojada de lives diárias com figurões do governo na Casa JOTA On-line –já que a Casa JOTA de tijolo não poderia ser inaugurada; uma série de newsletters que explicavam o cenário das instituições e, por fim, um sistema que apresentava todas as medidas relacionadas a Covid-19 editadas pelo Executivo e pelo Legislativo nas esferas municipal, estadual e federal do país (o Sistema Tracking). E um ponto importante na estratégia de empacotamento e precificação: para quem já era nosso assinante, ele foi ofertado como cortesia e vendido para quem não era.

(Exemplo de live da Casa JOTA, realizada com o youtuber Felipe Neto e o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, em julho de 2020)

Essas entregas exigiram uma reorganização de pessoas, processos, prioridades em um período muito curto. Para acompanhar o que os clientes estavam achando, fizemos entrevistas qualitativas em uma frequência semanal e os feedbacks, positivos ou negativos, eram repassados para a empresa em um canal do Slack. Em um ano em que muitas empresas amargaram queda no faturamento, o JOTA cresceu, muito por causa dessa reestruturação.

O princípio do fim

Mas o ciclo do JOTA PRO Crise, as entrevistas logo mostraram, não seria eterno. A proximidade com os clientes mostrou que alguns produtos, como as newsletters e as lives, tinham vindo para ficar, mas que outros eram mais perecíveis ao tempo, como o sistema que apresenta as medidas sobre Covid. Só precisávamos saber como empacotar e precificar o que ficava e quando desligar o botão do que morria.

É aqui que entram as questões de produto. No caso do JOTA PRO Crise, o phase out foi um processo que começou com a inclusão das newsletters e das lives nos planos já existentes. Ainda em 2020, essas entregas passaram a ser vendidas com outros planos do JOTA, e o JOTA PRO Crise deixou de ser comercializado. O processo que se encerrou neste mês começou há mais de um ano.

Com as newsletters distribuídas, o que ainda mantinha o produto vivo era o sistema de monitoramento das ações dos governos sobre Covid. Mas, com a evolução da pandemia, as medidas foram rareando até que tanto a alimentação do sistema se tornou difícil quanto a relevância das informações para os nossos usuários diminuiu.

(Vídeo explicativo do Sistema Tracking divulgado em seu lançamento, em abril de 2020)

Assim, na virada 2021 para 2022, o time de Conteúdo nos provocou: o que falta para acabarmos de vez com o Crise?

Sobretudo quando um produto tem usuários ativos, que era o nosso caso, essa decisão impacta muitas áreas da empresa. Por sorte, o processo gradual de desligamento fez com que o risco financeiro fosse mitigado ao longo dos meses.

Perguntas para não deixar escapar nada

Compartilho aqui uma sequência de perguntas que nos fizemos na hora de finalizar o produto:

  • Contratos: como o JOTA PRO Crise é mencionado nos contratos? Precisaremos fazer um aditivo? Precisaremos entrar em contato com os responsáveis financeiros pela conta? Precisaremos renegociar alguns casos?
  • Conteúdo: a partir de que dia paramos de publicar o conteúdo? Como remanejar os profissionais envolvidos?
  • Marketing: como comunicamos o fim do produto e o remanejamento de suas entregas para o mercado?
  • Produto: como comunicamos para os clientes que o JOTA PRO Crise acabou? Por quais canais? Uma mensagem basta? Como mostramos para os clientes dos planos que ‘herdaram’ as entregas que estão sendo beneficiados? Que caminhos oferecemos para quem deixa de ter acesso a algum conteúdo?
  • Vendas: como aproveitar a oportunidade para oferecer outros produtos a quem deixa de receber conteúdos?
  • Tecnologia: o que fazemos com o legado dos sistemas que param de existir? Como levamos o que aprendemos para desenvolvimentos futuros? Que limpeza precisamos fazer na nossa base de dados?

Essas perguntas nos levaram a uma série de atividades que precisavam ser feitas até a data combinada de encerramento do produto. Acompanhamos a evolução dos combinados semanalmente em uma reunião que envolve todas as equipes, de forma que o processo se desenrolou sem grandes percalços.

Aprendizados

O desligamento do produto está em suas fases finais, mas já dá para compartilhar alguns dos nossos aprendizados.

  1. Recolha feedback constantemente e os compartilhe com a empresa. Essa dica serve para qualquer cenário no desenvolvimento de produtos digitais, mas é particularmente importante quando um produto chega ao seu fim. Ao compartilhar as opiniões do usuário com frequência, o momento de descontinuar um produto não será surpresa para ninguém.
  2. Desenhe a estratégia do fim em conjunto com outras equipes. Quando um produto já está no mundo, a decisão de interromper uma entrega afeta toda a empresa. Os setores devem ter voz nessa decisão e participar de todo o processo de phase out com um calendário conjunto. E mais: as pessoas precisam estar entendendo e ter comprado a ideia do fim.
  3. Desenhe a estratégia do fim em conjunto com os usuários também. É a partir do que eles dizem que tomamos decisões de negócio. Muitas vezes, algo acaba para que outra coisa nasça. São os clientes que vão dar a dica do que vem depois.
  4. Explique com clareza por que o produto está acabando para a empresa. Apresente os motivos, mostre as alterações e não deixe dúvidas de como a decisão impacta cada um. Aqui, comunicar demais é melhor do que comunicar de menos.
  5. Seja honesta com os clientes. Invariavelmente, descontinuar um produto significa deixar algum percentual de usuários descontentes. Podemos criar estratégias para recompensá-los, mas não devemos sonegar informações.
  6. Aproveite as oportunidades comerciais que se abrem. Você coletou dados e feedbacks enquanto o produto existia, conhece a dor do cliente. Use esses aprendizados para encaminhar os usuários para outras soluções dentro do seu ecossistema.
  7. Reúna os aprendizados e siga para a próxima missão. Encerre o ciclo revisando o que o produto trouxe, faça uma faxina nos sistemas para não deixar informação velha atrapalhar a rotina e concentre esforços no que gera valor para o cliente.

No encerramento deste texto, volto à minha pergunta original: quando um produto morre, o que fica? Espero que este texto tenha servido para mostrar que dificilmente um produto morre por completo. Neste caso que contei aqui, as newsletters que compõem outros produtos muitas vezes são o motivo pelo qual o cliente fecha o negócio. Até o sistema que morreu deixou um código legado que já usamos em outros produtos e nos mostrou que, como equipe, somos capazes de colocar algo no ar em muito pouco tempo. O Crise acabou porque as necessidades dos assinantes evoluíram e tivemos a perspicácia de evoluir junto.

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Paty Gomes
Por dentro do JOTA

Diretora de produtos no JOTA. Apaixonada por jornalismo, inovação e café –não necessariamente nesta ordem