A guerra às drogas e suas controvérsias

Legalizar a maconha para uso medicinal foi um avanço, mas socialmente há muito mais a ser feito

Jornal Expresso
Portal Expresso
6 min readOct 22, 2019

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Giovana Vacare

Dar à polícia poder para executar qualquer um que ela suspeite de vender drogas: essa é a solução de Bolsonaro para combater as drogas. É de conhecimento geral que a maior parte dos violentados é formada por pobres em favelas e infelizmente não é raro serem noticiadas, a cada semana, praticamente, mortes de crianças inocentes por bala perdida na favela.

Exército patrulha a Vila Kennedy, no Rio de Janeiro (Foto: Mauro Pimentel/AFP)

Os Estados Unidos, o qual, durante a Lei Seca, teve índice de assassinatos elevado e caiu da mesma forma quando o álcool foi legalizado, não tiveram as mesmas aplicações para a causa. Tanto o álcool quanto a droga alteram os sentidos dos seres humanos e o álcool prejudica o organismo até mais do que algumas substâncias ilícitas. As pessoas precisam encarar que muitos estão protegidos na sua bolha, mas outros saem de casa sem saber se voltarão. Isso é consequência do tráfico e da guerra às drogas.

A maneira ideal para acabar com a guerra às drogas e sua violência é a legalização. Não há outra saída e o governo e a sociedade precisam compreender que a proibição não proíbe ninguém de nada, pois se proibisse não existiria o tráfico ou usuários de drogas.

Nos últimos dias vem sendo discutido no Senado a legalização da maconha para uso medicinal. O projeto foi aceito e isto já foi um avanço, mas é preciso ir além. O estado do Colorado legalizou a maconha e agora ela é comercializada em locais licenciados; dessa forma, traficantes de maconha foram perdendo seu espaço pouco a pouco. A Suíça legalizou a heroína e agora não há traficantes da droga no país, que por sinal sempre foi muito violento — e houve um total de zero mortes relacionadas à heroína legal em 15 anos desde a sua legalização.

O estado sempre usa a guerra às drogas como um pretexto para fechar o cerco contra aqueles que deseja reprimir por outras razões. Nos EUA, são os afro-americanos, os latinos e os pobres. No Brasil, é a população das favelas. Bolsonaro já expressou seu desprezo por eles, dizendo que as mulheres de lá não são nem “boas para reprodução mais”. Agora a guerra às drogas fornece um pretexto para aterrorizar essas pessoas.

Dependência

A estratégia de Bolsonaro para tratar pessoas com dependência é usar a violência, como João Doria já fez, reprimindo-as. Na Cracolândia, em São Paulo, bairro conhecido por ter uma alta quantidade de usuários de drogas, diversas vezes policiais chegaram no local ameaçando e agredindo os usuários. O famoso experimento com ratos (colocar um rato em uma gaiola, sozinho, com duas garrafas de água, uma com apenas água e a outra com água misturada com heroína ou cocaína) criou controvérsias sobre o teste do vício, pois se há ressocialização entre os envolvidos, a interação social se torna a melhor forma de ajudar os dependentes químicos, diminuindo o sofrimento e solidão profunda que eles sentem. Países que legalizaram optaram por psicólogos/psiquiatras/médicos dispostos pelo governo prontos para auxiliar, conversar e ajudar viciados em drogas.

Projeto Respire e auxílio a pessoas em tratamento

Formado em psicologia, Gabriel Pedroza, de 30 anos, morador de São Paulo, decidiu partir para o lado da redução de danos em seu último ano de graduação. Atualmente, o profissional participa do “Projeto Respire” e segue sua carreira auxiliando as pessoas sobre os cuidados com substâncias ilícitas, juntamente com seu projeto “Que droga é essa?”, disponível no Instagram (@quedrogaeessa) e no YouTube, no canal “Justificando” com o quadro “Que Droga é essa?”.

Em conversa com Gabriel, ele comenta que a sociedade não trata muito sobre o assunto drogas por vergonha, incômodo, medo, desinformação, preconceito e moralismo, sendo moldados ao longo das décadas nessa guerra às drogas. Ele também discorre que no Oriente Médio o café já foi considerado uma substância ilícita e no Brasil, por exemplo, não é criminalizado por fazer parte da cultura a tantos séculos. Isso é um exemplo do preconceito, porque o que é droga para uma pessoa pode não ser para outra e vice-versa. “Droga é o que o outro usa, não o que eu uso ou o que minha família usa”, parafraseou Gabriel, sobre o pensamento da sociedade sobre o assunto. Para ele, fica fácil manipular uma sociedade que não tem conhecimento sobre o assunto.

O psicólogo também destaca que todos os seres humanos são comandados por algum tipo de vício e/ou usam algum tipo de droga, até porque a Coca Cola, por exemplo é uma droga, tem cafeína e muitas pessoas são viciadas nela, até mesmo o café — mencionado anteriormente. Segundo ele, hoje em dia existem inúmeras pessoas viciadas em celular e redes sociais, que também são consideradas drogas.

Exército atuando em bairros periféricos do Rio de Janeiro (Foto: divulgação)

Questionado sobre como imagina o Brasil com a legalização da maconha, Gabriel responde: “de forma geral, com certeza vai melhorar a questão de tráfico e mortes em todos os cenários, porque o tráfico, as mortes e o encarceramento em massa se apoiam no fato da erva ser criminalizada. Isso vai ser revertido em algum nível. No entanto, podem manter os privilégios, porque sabemos que hoje o mercado ilícito está nas mãos dos poderosos que movimentam toneladas e toneladas de drogas, tanto maconha quanto cocaína e outras substâncias”.

Rio da Paz

O Rio De Janeiro sempre foi muito conhecido por seu alto índice de criminalidade, mas principalmente neste ano, a famosa “Cidade Maravilhosa” foi coberta de sangue inocente. Após a nova política de Wilson Witzel, as noites de sono de moradores das comunidades do Rio deixaram de existir: ele ateou uma guerra para o combate de tráfico e drogas, liberando invasões extremas aos morros, comunidades e complexos. Essas invasões afetam não apenas os traficantes e usuários, como ele discursou que seria, mas também todos os moradores dos locais atacados, incluindo crianças, muitas mortas por bala perdida neste ano — balas disparadas por polícia.

Antônio Carlos, presidente da Rio de Paz (Foto: divulgação/Revista Comunhão)

Antônio Carlos Costa, presidente da ONG Rio da Paz, se pronunciou nacionalmente sobre a questão. “Nenhuma ação isolada dá conta dos problemas que o Rio de Janeiro enfrenta na segurança pública. O Estado carece de um pacote de medidas, que tenha como meta combater as mais diferentes causas que, historicamente, estão por trás das mortes de moradores de favela e policiais. A começar pela implementação de políticas públicas nas comunidades pobres, reforma da polícia e fim da guerra às drogas fazem parte desse debate”, afirma.

Para homenagear todas as crianças que foram mortas pela “guerra às drogas”, a Rio de Paz fincou, no aterro do Flamengo, 57 cruzes brancas presas com uma flor, com os nomes das crianças que foram mortas entre 2007 e 2019. A ONG tomou essa iniciativa após a morte recente de Ágatha Félix, de apenas 8 anos, por uma bala perdida, nas costas, no complexo do Alemão.

Edição realizada por Gabriela Prado.

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