Consciências

O dia da consciência negra tem o propósito de orientar a sociedade sobre a importância do combate ao racismo, ainda muito presente nos dias de hoje.

Jornal Expresso
Portal Expresso
4 min readNov 20, 2016

--

Por Bruno Golfeto Timóteo

Em 20 de novembro é celebrado o dia da Consciência Negra. Com o objetivo de promover a conscientização da sociedade sobre as dificuldades e os preconceitos sofridos pelos negros ao longo da história de nosso país, e que, infelizmente, ainda perduram nos dias de hoje, a data é uma homenagem a Zumbi, que foi o último líder do Quilombo dos Palmares, tendo sido traído por um de seus capitães, Antônio Soares, vindo a falecer em decorrência do fato. Após a assinatura da lei áurea pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888, os negros deixaram de ser escravizados e passaram a conquistar seu espaço e exigir seus direitos como cidadãos e, acima de tudo, como seres humanos.

Mesmo sendo fruto de uma miscigenação, o Brasil ainda é palco de muitos casos de racismo. Recentemente, o país acompanhou, perplexo, o chamado “Caso Aranha”. O episódio de racismo aconteceu durante uma partida de futebol entre Santos e Grêmio, pela Copa do Brasil de 2014, em Porto Alegre (RS). A torcedora gremista Patrícia Moreira foi flagrada por uma câmera de transmissão da ESPN Brasil aos gritos, chamando o goleiro santista de “macaco”, enquanto a torcida emitia sons semelhantes aos do animal em direção ao jogador, o que culminou na expulsão do Grêmio do campeonato.

Além de jogadores de futebol, atrizes, jornalistas e cantoras, recentemente foram alvo de racistas na internet. Porém, o preconceito racial atinge principalmente as pessoas comuns, que muitas vezes se calam, por se sentirem indefesas. Foi o caso da professora Eunice Aparecida Silveira Bernardo, de 56 anos. “Você acaba se sentindo inferior, parece que você não tem direitos. Eu não me sentia segura em denunciar por medo de criar mais problemas, de ficar tachada, e por isso eu sempre deixava de lado”, conta.

Eunice Aparecida Silveira Bernardo, 56 (Foto: Reprodução)

Eunice revela que viveu um dos episódios mais marcantes de discriminação ainda na eṕoca de faculdade, quando procurava emprego. “Eu saí junto com uma amiga por São Paulo em busca de emprego e em um determinado lugar, eu entrei primeiro com o recorte de jornal e falei que tinha visto a vaga de oferecida pela empresa. A mulher que me atendeu me olhou de cima a baixo e disse que a vaga já tinha sido completada. Eu não gostei da maneira como ela me respondeu e desconfiei. Agradeci, saí e lá fora eu comentei com minha amiga o que havia acontecido. Depois disso, minha amiga entrou e eu fiquei esperando lá fora. Ao se apresentar na recepção, imediatamente, a mulher que havia me medido de cima a baixo, pediu para a minha amiga se dirigir até outro setor para agendar a entrevista. Quando ela disse isso, minha amiga disse a verdade, jogando na cara da moça da recepção o que ela havia feito comigo anteriormente e saiu dizendo que ali não era um lugar digno de ela trabalhar, já que para a amiga dele, no caso, eu, não servia”, relembra.

Cotidiano

Eunice destaca que hoje em dia, com a facilidade de acesso à informação que as pessoas passaram a ter, é inadmissível que as pessoas não compreendam o valor que cada ser humano possui. “Queimam índios vivos, agridem homossexuais e atacam qualquer pessoa que seja diferente, tanto no seu comportamento quanto na sua aparência ou no modo de pensar. Eu fico indignada com essa intolerância”, afirma.

“É como se estivesse acontecendo comigo, com meus irmãos ou com minhas filhas. Já vivi situações de racismo e preconceito, então eu sei a humilhação que a gente sente”.

Na escola em que trabalha como diretora, Eunice desenvolve um projeto que promove o respeito às diferenças, com o intuito de coibir a prática do bullying entre as crianças. “O preconceito não vem da criança. Ela está apenas reproduzindo aquilo que ela vê e ouve. Isso acontece porque os pais se calam e não comentam com seus filhos que o preconceito é errado e muito menos explicam o porquê. Isso quando o preconceito não é gerado pelos próprios pais”, explica.

Para que a possibilidade de um mundo mais tolerante possa um dia vir a se tornar real, em sua opinião, a melhor forma de combater o preconceito é trabalhar bastante na educação das crianças. “Eu acredito na criança. Trabalhando nelas, eu acredito em uma melhora. Se você colocar crianças de várias raças juntas, elas irão começar a brincar e se divertir. Elas não conseguem encontrar preconceito, como os adultos. Mas isso não significa que a responsabilidade é do professor, porque está havendo uma perda de valores. A escola tem a obrigação de transmitir conhecimento, mas o dever de educar e de prezar pelos bons costumes e o respeito, é dos pais, em casa”, reitera.

O negro na sociedade

Para a professora, é notório que os negros vêm conquistando um espaço maior na mídia, mesmo estando muito longe do que pode-se considerar o suficiente. “Hoje nós temos referências, coisa que antigamente não tínhamos. Na televisão e na mídia em geral, de acordo com o que eu assistia e acompanhava, eu tinha como modelo o ex-jogador Pelé, que acredito que tenha sido o primeiro negro brasileiro a conquistar destaque na mídia, e confesso que está difícil de vir em minha memória o nome de outro negro que se tornou famoso nessa época. Eram muito raros, tínhamos, por exemplo, a atriz Ruth de Souza, mas os atores negros tinham sempre a função de subalternos, escravos”, relembra a professora que vê o progresso acontecendo nas novelas, nos filmes e em comerciais de maneira positiva.

LEIA TAMBÉM

Opinião: Luz, câmera e ação contra o racismo

--

--