Mãos ao alto: os perigos da legalização da posse de arma para o Brasil

O que descreve a discussão é o efeito ambivalente, que indica aumento e diminuição, ao mesmo tempo, da violência nos países com o armamento liberado

Jornal Expresso
Portal Expresso
6 min readMar 19, 2019

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Bruna Carvalho

Mãos ao Alto: Os perigos da legalização da posse de arma para o Brasil.

O referendo que proibia a comercialização de armas de fogo e munições foi aprovado no dia 23 de outubro de 2005. Apesar da oposição contra esse artefato na década passada, em 2018 boa parte da população mudou de opinião diante a proposta de Jair Bolsonaro (PSL) de legalizar a posse de arma de fogo durante sua campanha eleitoral.

Após ter sido eleito, o presidente cumpriu com uma de suas promessas e assinou um decreto que facilita a posse de armas no país, aumentando, assim, a discussão em relação ao assunto.

Para o advogado João Carlos, que atua na área criminal há 16 anos, uma das principais razões para explicar essa mudança de pensamento é a confusão entre os termos “posse” e “porte” de arma. “O porte é um documento que permite o cidadão a transportar uma arma fora de casa ou do trabalho, já a posse autoriza a deixá-la na gaveta do quarto, por exemplo”, destaca.

A socióloga Maria Helena, professora particular em São Paulo, acredita que as armas passam uma falsa sensação de segurança. “O pai de família vê no jornal que tal pessoa não foi assaltada porque tinha uma arma e já pensa que essa é a solução para acabar com a violência, quando na verdade é o oposto”.

Imagem: Jornal Expresso

Critério para posse de armas:

Antes do decreto assinado, as exigências para ter a posse de arma eram:

I — Declarar sua necessidade;

II — Ter, no mínimo, vinte e cinco anos;

III — Apresentar original e cópia, ou cópia autenticada, de documento de identificação pessoal;

IV — Comprovar, em seu pedido de aquisição do Certificado de Registro de Arma de Fogo e periodicamente, a idoneidade e a inexistência de inquérito policial ou processo criminal, por meio de certidões de antecedentes criminais da Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral, que poderão ser fornecidas por meio eletrônico;

V — Apresentar documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;

VI — Comprovar, em seu pedido de aquisição do Certificado de Registro de Arma de Fogo e periodicamente, a capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo.

VII — Comprovar aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestada em laudo conclusivo fornecido por psicólogo do quadro da Polícia Federal ou por esta credenciado.

Após o decreto, além das exigências anteriores, há uma nova regra para quem tiver adolescentes e crianças em casa:

VIII — Possuir um cofre ou local seguro com tranca para armazená-la.

Além de todas essas exigências, o texto apresentado por Jair Bolsonaro também especifica a necessidade efetiva da arma, como:

  • Morar em área rural ou urbana com altos índices de violência;
  • Ser dono de estabelecimento comercial ou industrial.
Foto: Ivandrei Pretorius/Pexels. orius

O efeito da liberação do armamento e as taxas de morte no mundo

A liberação do armamento, porém, nem sempre teve os resultados esperados ou, como indicou reportagem de 2007 da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, reduziu a violência e os níveis criminais do país. Na Alemanha, por exemplo, para que o cidadão consiga portar ou possuir a arma de fogo Waffenschein (como é chamada no país), é necessário que ele comprove, de forma concreta, que corre riscos, e mesmo assim ele não poderá portá-la em festas e eventos. Além disso, a cada três anos sua confiabilidade é verificada e sua arma pode ser retirada.

O que descreve a discussão acerca do tema é o efeito ambivalente, que indica aumento e diminuição, ao mesmo tempo, da violência nos países com o armamento liberado, como relata, em artigo, o jornalista Leandro Narloch: “o porte de armas talvez faça crescer os casos de homicídio e suicídio, mas reduz a taxa de furto, latrocínio e violência contra a mulher”.

O Japão, considerado um dos países “mais pacíficos” que baniram o armamento para uso pessoal, registra uma taxa de homicídios de 0,3 por 100 mil habitantes, enquanto no Brasil a taxa de homicídios é de 20 por 100 mil, com a proporção de oito armas a cada 100 habitantes.

É comum interligar os dados de suicídio de um país com a liberação do armamento para a população. A Suécia, Áustria e Alemanha, por exemplo, indicam mais de 30 armas de fogo por 100 habitantes, porém as taxas de suicídio são baixíssimas; já o país mais violento do mundo, como Honduras, registra seis armas a cada 100 habitantes.

Foto: Tribuna do Paraná

O ataque em Suzano

O ataque a tiros à Escola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano/SP, no dia 13 de março, deixou ao menos 10 mortos e 11 feridos, fomentando a discussão sobre a liberação da posse de arma.

Os jovens Guilherme Taucci Monteiro, de 17 anos, e Luiz Henrique Castro, de 25 anos, entraram pela porta da frente da escola onde estudaram para matar a coordenadora pedagógica Marilena Ferreira Umezo e a funcionária Eliana Regina de Oliveira Xavier. Em seguida, a dupla foi até ao pátio escolar e atirou em cinco alunos. Na sequência, foram ao centro de línguas dentro da escola para continuar os disparos. Felizmente, alguns estudantes conseguiram se trancar na sala com a professora.

Segundo a polícia, foi neste momento que os dois atiradores cometeram suicídio em um dos corredores da escola. A maneira que os dois adolescentes conseguiram obter as armas do crime ainda está sendo apurada pela polícia, assim como motivação por trás do ataque.

O senador Major Olimpo (PSL) declarou que “se tivesse um cidadão com arma regular dentro da escola, professor, servente, um policial militar aposentado, ele poderia ter minimizado o tamanho da tragédia”.

Pistola desenhada em caderno de Guilherme Taucci, um dos adolescentes armados. l Foto: Reprodução.

Em contrapartida, Michele Gonçalves, assessora especial da ONG Instituto Igarapé (especializada em segurança pública), afirmou ao Deutsche Welle que “a teoria do ‘good guy with a gun’ (‘homem de bem armado’, em tradução livre), que é bastante presente na narrativa da National Rifle Association (NRA ou Associação Nacional de Rifles) nos Estados Unidos, não é sustentada por nenhum dado que mostre que um maior número de pessoas com armas pode evitar mortes em massacres como o que ocorreu em Suzano”.

No Brasil

A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou em dezembro de 2014 o Relatório Mundial sobre a Prevenção da Violência, um dos primeiros levantamentos de dados baseado no gênero que avalia os esforços para combater a violência interpessoal, como maus-tratos à criança, a violência juvenil, violência pelo parceiro íntimo, violência sexual, abusos à idosos, entre outros.

Nesta pesquisa, foram coletados dados de 133 países, incluindo o Brasil, atingindo cerca de 6,1 bilhões de pessoas, representando 88% da população do mundo, no ano de 2012. Destes 133 países, cerca de 475 mil pessoas foram assassinadas em 2012. No Brasil, tal levantamento mostrou que, em 2012, 50.108 homicídios ocorreram, sendo 73% destes causados por armas de fogo.

Edição realizada por Gabriela Prado.

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