Tem fumaça no ar

Queimadas na Amazônia assustam o mundo e trazem à tona um antigo debate

Jornal Expresso
Portal Expresso
5 min readSep 5, 2019

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Murilo Pereira

No último dia 19 de agosto, todos se assustaram quando o dia virou noite no meio da tarde. Era o resultado da morte gradual de boa parte da floresta amazônica. De imediato, muitas pessoas não compreenderam o que realmente estava ocorrendo e até duvidaram da procedência do fenômeno, mas é necessário entender os fatores que fizeram com que uma questão tão crucial para o Brasil ficasse distante de uma grande parcela da população.

São Paulo escura (Foto: Superinteressante)

No início de agosto, mais precisamente no dia 7, Ricardo Galvão, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), foi exonerado do cargo. A justificativa dada pelo presidente Jair Bolsonaro foi de que o órgão estava trazendo dados sobre a devastação da Amazônia que não expressavam a realidade. Além disso, o líder brasileiro trouxe à tona uma insinuação a respeito de Galvão: “deve estar a serviço de alguma ONG”. Com a mudança, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, divulgou que haverá mudanças no monitoramento da área.

Amazônia em chamas (Foto: BBC)

Ricardo, que também subestimou os dados apresentados pelo INPE, teve uma passagem conturbada pela secretaria do meio ambiente de São Paulo, período no qual quis alterar a lei que protege as matas ao redor do rio Tietê, tornando-a mais permissível para a devastação.

A Amazônia no âmbito internacional

A afirmação que a Amazônia é o pulmão do planeta é, realmente, um mito. Cerca de 80% do oxigênio lá produzido fica para o consumo da própria floresta. O que torna a área essencial para a vida humana na Terra é o alto poder de regulação climática que ela exerce, uma vez que a mata densa tem influência direta nos níveis de umidade do ar. Tal protagonismo fez os olhos de nações desenvolvidas virarem-se para o problema brasileiro há muito tempo. A Noruega, por exemplo, fazia doações regulares para o Fundo Amazônia, assim como a Alemanha.

18º Fórum de Governadores Amazônia Legal (Foto: Portal Ecos da Notícia)

Em meio às queimadas, esse seria o momento no qual a verba mais seria útil. Porém, nos últimos meses, o governo fez alterações na equipe que controlava a organização e, então, os países congelaram os auxílios, colocando em xeque os compromissos da nova direção do fundo.

Representantes do G7 (Foto: Jornal britânico Express)

Ainda no cenário internacional, a Amazônia virou manchete nos últimos dias. Durante um pronunciamento na cidade francesa de Biarritz, no dia 26 de sgosto, Emmanuel Macron, presidente da França, tornou pública a intenção dos países-membro do G7 (grupo dos países mais industrializados do mundo) de auxiliar no combate às queimadas que atingem a floresta. Contudo, a hipótese foi rapidamente descartada por Bolsonaro, já que ele e o líder francês perpetuam uma relação conturbada desde que Macron referiu-se ao chefe de Estado brasileiro como mentiroso. A insinuação foi embasada no não cumprimento por parte do Brasil nas metas ambientais estabelecidas na cúpula do G20, ocorrido em Ozaka.

O ápice de toda essa história aconteceu no dia 10 de agosto. Batizada de “Dia do Fogo”, a data foi marcada pela intensificação dos focos de incêndio, principalmente ao longo da BR-163, no estado do Pará. Apurando os fatos, constatou-se que a ação foi coordenada por proprietários rurais do local. Em uma conversa vazada, uma das mensagens dizia “precisamos mostrar para o presidente que queremos trabalhar e o único jeito é derrubando. Para formar e limpar nossas pastagens é com fogo”. A agropecuária é a principal atividade na área em questão e os ruralistas possuem uma representatividade muito forte no Congresso, além de uma proximidade com o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Malefícios das queimadas à saúde

Mais importante do que compreender qualquer questão política envolvida nessa problemática, é preciso ter consciência dos efeitos da fumaça no organismo humano.

BR-163 (Imagem: AFP)

Composta por micropartículas tóxicas, a foligem adentra o sistema respiratório, chegando à corrente sanguínea através das trocas gasosas. Além desse perigo, o monóxido de carbono altera a hemoglobina, um dos componentes do sangue, impedindo que o oxigênio chegue aos órgãos vitais, como o coração. “Isso tudo desencadeia um processo inflamatório sistêmico, com efeitos deletérios sobre o coração e o pulmão. Em alguns casos, pode até causar a morte”, afirma o especialista Marcos Abdo Arbex, vice-coordenador da Comissão Científica de Doenças Ambientais e Ocupacionais da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT).

O papel climático da Amazônia é inquestionável e difundido ao redor do mundo, ainda mais em momentos de evidência mundial como esse. Entretanto, pouco se debate sobre quais os possíveis retornos que esses países estariam esperando com seu auxílio no combate ao fogo. Afinal, a máxima sempre reina no sistema capitalista: “ninguém dá nada de graça”. As nações desenvolvidas são extremamente industrializadas, sobrando pouco espaço para a natureza; sem áreas verdes, sem matéria-prima. Logo, a floresta amazônica seria uma saída e tanto para a obtenção desse tipo de recurso.

Além de sua biodiversidade, a área em questão é uma grande reserva de minerais. Ao se tratar de nióbio, por exemplo, é a maior da Terra e por isso é necessária uma análise do que é simples interesse econômico e os que realmente estão empenhados com questões ligadas à preservação do planeta. Fica a torcida para que esse clima de ganância não coloque um ponto final no que nos mantém vivos.

Edição realizada por Gabriela Prado.

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