Você tem 3 tipos de ciclo, e só ovula em um deles: mas ninguém nos conta isso.

Satya Devi
Satya Devi
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6 min readJan 7, 2018
Arte “Diwalli with goddess Lakshmi” por archys187.deviantart.com

Recentemente, fiz essa descoberta (que talvez para outras mulheres não seja tão novidade assim): nem todos os ciclos ovarianos são ovulatórios.Alguns ciclos, em alguns meses, podem não liberar óvulos (e, portanto, não estamos férteis, não engravidamos). E existem maneiras simples de saber se há ou não ovulação. E, penso eu, existem também maneiras de se induzir/facilitar com que os ciclos sejam anovulatórios com mais frequência do que ovulatórios. Não estou falando de um saber que vise substituir inteiramente o uso de preservativos ou outros métodos de contracepção. Mas é algo que pode nos trazer insights capazes de mudar nossa relação com nosso corpo e nossa sexualidade.

Introdução aos Ciclos Anovulatórios: na prática

O vídeo acima fala um pouco sobre os aspectos ‘técnicos’ de como funciona um ciclo anovulatório. Apesar de ele ser voltado para um público que gostaria de engravidar, ter alguns comentários religiosos, e fazer algumas comparações duvidosas sobre ‘mocinha e bandida’, está muito bem explicadinho como funciona esse processo.

Sintomas de um ciclo anovulatório progesterônico

  • Ciclo mais longo que 30–35 dias
  • Secreção ‘hidratante’, ‘cremosa’
  • Ausência de períodos em que há muco elástico ao longo do ciclo
  • Estabilidade emocional/psíquica
  • Ausência de sensibilidade mamária pré-menstrual
  • Temperatura basal estável

Sintomas de um ciclo anovulatório estrogênico

  • Maior umidade e secreções
  • Sensibilidade mamária
  • Sensação de ‘peso’ no baixo ventre
  • Como se a mulher estivesse numa fase ‘pós-ovulação’ o ciclo inteiro (aí você tem que observar ao longo do tempo o que isso significa na prática pra você)

A narrativa tradicional sobre o ‘Sistema Reprodutor Feminino’: e o impacto que isso tem na nossa identidade, e na nossa sexualidade

Não sei as gerações mais jovens do que eu, mas a minha geração e as que vieram antes cresceram ouvindo uma “narrativa científica” específica sobre os ciclos menstruais. Nessa narrativa, todos os meses, a “mulher” (porque, é uma narrativa cis-normativa) libera um óvulo, tem um ‘período fértil’, em seguida tem o ‘período pré-menstrual’ (em que ela é descrita com atributos comparáveis a um ‘demônio’, que é outro personagem da mitologia cristã) e, finalmente menstrua (e nesse período é descrita como algum tipo de ser mítico, algo de que não se fala, nojento, etc).

Falar sobre isso, sobre preservativos e etc, já era algo ‘ousado’ de se dizer nas escolas e parecia que todos os adultos queriam passar o mínimo de tempo possível falando sobre essas temáticas. Completamente constrangidos.

Imagem de um vídeo explicando sobre a menstruação. Reparem como quem tem que está ‘personalizado’ não é o útero da mulher, mas o sangue e o óvulo, que estão com carinhas tensas porque a menstruação está prestes a ocorrer.

Todos os textos tidos como científicos, colocavam que a menstruação acontecia porque o óvulo não tinha sido fecundado. Como se todos os óvulos, todos os ciclos (all the fucking time) ‘quisessem desesperadamente’ ser fecundados, e gerar o máximo de filhos quanto possível. Havia uma relação nessa narrativa, nas entrelinhas, de finalidade. Como se todo o ciclo da mulher, seu corpo, sua biologia existisse para que ela fosse fecundada. Pelo mesmo motivo, houve um longo período em que a palavra ‘clitóris’ foi removida dos livros científicos (um videozinho didático e super delicinha sobre isso nesse link ), e outros absurdos também foram inventados e desmentidos ao longo da história da ciência a respeito dessa temática sexual e reprodutora.

E que seu valor enquanto mulher, sua existência, sua razão de ser, sua utilidade fosse pautada em :

  • 1. sua capacidade de gerar filhos, cuidar dos filhos e do trabalho reprodutivo e
  • 2. sua capacidade de reprimir e conter a própria sexualidade contendo-a a um ‘esquema de vida’ monogâmico, garantindo assim que os ‘herdeiros’ sejam conectados por laços de sangue/genética aos seus progenitores.

Pra garantir tudo isso, como já vimos, nossa sociedade desenvolver complexos esquemas simbólicos para uma imposição de normatividade monogâmica, que já comentei aqui na minha página pessoal.

Silvia Frederici, uma autora feminista marxista maravilhosa descreve esse processo lindamente em suas obras. E está trabalhando atualmente em um próximo livro explicando como que esses valores milenarmente impostos estão tão profundamente no inconsciente das mulheres contemporâneas e como isso continua determinando as formas como nos relacionamos.

Como reconhecer em que tipo de ciclo você está

Observação. Observação. Observação.

Printscreens do app Maia, mas existem varios. Choose wisely, sister.

Existem apps que você pode baixar para acompanhar seu ciclos menstruais. Na maioria dele você pode tomar notas, inserir “sintomas” e “humores”. Recomendo que anote o máximo de dados possível no começo até que note quais os ‘padrões’ do que você sente e anote também qual o tipo de lubrificação que você está naquele dia. Assim, você vai captando o que é o ‘padrão’ dos seus ciclos, quanto tempo eles duram, e como eles se comportam de acordo com as estações (sim, notei que influencia também). Depois de uns 4 meses, o app começa a ‘prever’ com relativa exatidão quando será seu próximo período fértil e sua próxima menstruação.

Mandalas Lunares lindamente preenchidas

Existem também as ‘mandalas lunares’ que são mais ‘artesanais’, são diários pautados nos seus ciclos, no final do ano você tem uma mandala chiquérrima dos seus ciclos, humores, e pode encher as páginas de versos, desenhos e o que mais quiser. É uma abordagem mais artística, mas menos prática. O que interessa é o negócio funcionar pra você e você mantê-lo atualizado.

Depois de alguns meses se acompanhando, você vai notar que existem características que são mais comuns por tipo de ciclo. Pode ser no ‘timming’ do muco fértil, pode ser em algum humor específico, algum ‘sintoma’, como sensibilidade mamária ou inchaço, etc etc…

No nível ‘avançado’ de observação, você vai saber alguns dias depois que a menstruação encerra qual será o tipo de ciclo que você está. E portanto, saberá se demorará mais ou menos para menstruar, qual será mais ou menos o tipo de TPM que terá naquele mês e quando. Não sei vocês, mas eu acho um LUXO — e consigo planejar meus compromissos das próximas semanas mais ou menos de acordo.

Atenção: essa observação não deve ser entendida como uma nova maneira de evitar a concepção. Ela não é precisa o suficiente para tal.

Existem também evidências de ‘ovulações de última hora’, e hormônios sexuais relacionados ao orgasmo, desejo, afeto (e todo aquele mistério delicioso típico dos ferormônios) podem induzir essas ovulações — independente da época do ciclo em que você esteja. É raro, mas é real. Além disso, nossas observações podem deixar algo escapar, ou seu corpo pode simplesmente mudar.

É hora das mulheres reescrevermos o que entendemos por “natureza feminina”.

E isso inclui questionarmos e revisitarmos a maneira como lidamos com nossos ciclos e com nossos corpos.

É importante buscar fundamentação científica em nossas pesquisas, sim, mas questionando sempre a maneira e as ‘narrativas’ que os dados agrupados e reunimos constroem sobre nós. E nos entendermos responsáveis por nossa saúde. Não só genital ou sexual, mas do corpo todo.

Acompanhem seus ciclos, conheçam-se. Porque conhecimento é Poder. ❤

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Satya Devi
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Escrevo sobre Deusas porque nós mulheres precisamos re-assumir o poder de escrever nossos próprios Mitos, e, consequentemente, reescrever nossas Histórias.