Bancos Comunitários, Poder Local e a Economia de “Valores”

Raíssa Ramos
portalnaosei
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4 min readJul 1, 2019

No começo deste ano, pude participar algumas vezes de um grupo de estudos aberto com a temática de Economia Solidária, organizado pela Incubadora de Cooperativas Populares de Itajubá. Este grupo de estudo é um encontro quinzenal onde as pessoas escolhem o material que será estudado e uma pessoa fica responsável pela mediação, o material de estudo pode ser um texto, um documentário ou um livro e só precisa estar de acordo com a temática principal do grupo que é economia solidária.

No dia 05 de Abril, levei como pauta um artigo sobre Bancos Comunitários, focado principalmente no modelo e resultados obtidos pelo Banco Palmas, um dos cases de maior sucesso no Brasil e responsável por transformar a vida de milhares de pessoas em um bairro periférico de Fortaleza.

O tema já me atraía a atenção há tempos e, após uma série de leituras, pesquisas e reportagens sobre a criação do banco, vou compartilhar com você um pouco dessa história.

Na periferia da cidade de Fortaleza, no estado do Ceará, muitas famílias sobreviviam da pesca à beira-mar até que a especulação imobiliária para o turismo da década de 70 começou a forçar que as famílias abrissem mão de suas casas e migrassem para o interior. Com isso criou-se um distrito chamado Conjunto Palmeiras.

Só que o conjunto sequer possuía infraestrutura básica!

O cenário era o seguinte: centenas de pessoas sem acesso decente à água, saneamento, eletricidade e transporte. Ondas de violência que assolavam a comunidade e ocasionalmente ainda lidavam com inundações e outros problemas de ordem natural. Pior: muitas dessas famílias perderam sua única fonte de renda: a pesca.

Uma das mais admiráveis competências humanas diz respeito a nossa capacidade de adaptação, se organizando no caos. E é exatamente assim que mobilizações comunitárias acontecem: pessoas que possuem um problema em comum se unem para fortalecer e resolvê-los.

Nasce assim a Associação de Moradores do Conjunto Palmeiras (ASMOCONP), responsável pelo primeiro banco comunitário do país: o Banco Palmas.

Através de uma mobilização popular, eles se organizaram e fizeram uma pesquisa para identificar o próprio cenário econômico descobrindo que:

  • 80% dos moradores possuíam um emprego formal;
  • Os gastos de todas as famílias somados eram elevados, algo em torno de 1,2 milhões no mês.

A economia do conjunto girava em torno de 1 milhão por mês e, mesmo com tanto dinheiro, seus moradores viviam em situação de pobreza.

A explicação para esse “fenômeno”?

Simples: este valor não girava dentro de uma economia local — gravem essa palavra.

Imagine que a Conjunto Palmeiras é um balde cheio de furos, e que cada furo desse é uma fonte de renda que os moradores estavam gastando fora da própria comunidade (Ex: Comércios, feiras, supermercado, etc). Quanto mais furos a gente tapar, mais renda teremos dentro da própria comunidade. Ou seja, se o morador parar de comprar a pasta de dente dele na mercearia fora do Conjunto Palmeiras, significa que estamos mantendo a riqueza dentro da comunidade.”

Esta analogia é uma citação de Joaquim Melo (um dos fundadores do Banco Palmas) usada para convencer e explicar aos moradores sobre a ideia do banco comunitário, reforçando a importância do empoderamento local.

Assim, com o intuito de desenvolver a economia do conjunto, nasceu o Banco Palmas. Yey!

Os Bancos Comunitários em geral possuem 3 características centrais:

  1. Gestão feita pela própria comunidade;
  2. Sistema integrado de desenvolvimento local e;
  3. Circulação de moeda social local no território.

Vamos exaltar aqui a Moeda ♥ Social ♥:

A “Palma”, moeda social do Banco Palmas, é o que faz o desenvolvimento local acelerar e funciona como um motor que mantém as pessoas gerando riqueza dentro da própria comunidade. É uma moeda alternativa que vale um pouco menos que o Real mas que, ao meu ver, é o que há de mais fantástico.

Pausa para reflexão da autora desse texto: você já parou pra pensar que o dinheiro, na forma como conhecemos hoje, não é a única maneira de gerar valor e que poderíamos sim criar alternativas a ele? Muitas coisas valem além do dinheiro: o seu tempo, conhecimento, produto… Sendo assim, porque nós enxergamos o dinheiro como a nossa única moeda de troca? Ou a única forma existente para nos mantermos como sociedade?

Além da moeda social, o banco tem uma função educacional, conscientizando a comunidade da importância de se manter valores como: colaboração, confiança, solidariedade e crescimento mútuo.

Pra mim esse modelo é uma verdadeira disrupção (interrupção do curso normal de um processo). Muhammad Yunus, afirma que a pobreza é artificial, dado que nós a criamos a partir do momento em que adotamos um modelo econômico excludente, da mesma forma como criamos o conceito de riqueza. Ele diz ainda que se decidirmos enquanto humanidade acabar com a pobreza, nós conseguiríamos.

Em um dedinho de prosa com um querido amigo (Lucas Iemini) recentemente, chegamos a conclusão de que TUDO é propaganda porque tudo é comunicação. Segundo ele, a comunicação é o que forma a realidade. Então se nós decidíssemos ativar nosso poder de ‘ficção social’ para escrever novas realidades, quem sabe isso não se tornaria real?

Podemos começar nos inspirando em economia de valores.

Eu acabei de dar meu primeiro passo!

Quer se aprofundar no tema?

Link do Artigo: http://www.anpad.org.br/admin/pdf/APS-C2557.pdf

Link do Documentário “Quem se importa”:
https://www.youtube.com/watch?v=iSLsOMcq838

Notícia sobre o Banco Palmas:
https://www.revistaforum.com.br/semanal/banco-palmas-moeda-propria-economia-solidaria-e-desenvolvimento-local/

Notícia Época:
https://epocanegocios.globo.com/Inspiracao/Empresa/noticia/2012/04/de-morador-de-lixao-banqueiro.html

Notícia Pequenas Empresas Grandes Negócios:
http://revistapegn.globo.com/Empresasenegocios/0,19125,ERA1676997-2991,00.html

Notícia IG:
https://economia.ig.com.br/mercados/pioneiro-banco-palmas-e-exemplo-em-economia-solidaria/n1237674265643.html

Obrigada Ana Raquel Calháu Pereira pela revisão e pitacos especiais de sempre! ♥

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Raíssa Ramos
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