A importância de personagens femininas empoderadas na TV e no cinema

Giulia Losnak
portalprisma
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7 min readMar 9, 2018

Segundo pesquisa, mulheres têm dificuldade de se verem representadas nas personagens femininas apresentadas no mercado audiovisual

Quando o cinema e a televisão passaram a retratar mais do que sonhos, transmitindo também o cotidiano humano, o jeito que as mulheres eram retratadas passou a refletir o que era idealizado como as funções que deveriam desempenhar. Atualmente, com a popularização do movimento feminista, o debate sobre o papel feminino dentro da sociedade — e sua representação dentro de produções audiovisuais, como cinema e televisão — passou a estar cada vez mais em pauta.

A presença de personagens femininas tornou-se cada vez mais necessária, o que levou os produtores, roteiristas e diretores a implementarem as mulheres no mundo cinematográfico. Porém, não da maneira esperada. Segundo dados do levantamento realizado em janeiro deste ano pela Superintendência de Análise de Mercado da Agência Nacional de Cinema (ANCINE) a respeito da participação feminina neste mercado, apenas 23% das obras do cinema brasileiro tiveram seu roteiro escrito exclusivamente por mulheres, e 12% por equipes mistas. Já na direção, a participação totalmente feminina é de 19% e se eleva a 26% quando somadas a equipes mistas de direção. Na produção, os dados mostram-se positivos, sendo 41% das obras nacionais produzidas unicamente por mulheres. E elas ocupam a maioria dos postos da produção cinematográfica, compondo-se com 62% dessas produções com ao menos uma mulher entre os responsáveis pela produção executiva.

Entretanto, é nas personagens que as produções pecam. No dia internacional da mulher de 2016, em São Paulo, foi organizado o Simpósio Global sobre Gênero na Mídia, organizado pelo Instituto Geena Davis de Gênero na Mídia, que pesquisa na mídia e indústria do entretenimento para engajar, educar e influenciar a necessidade de aumentar a igualdade de gênero, reduzir estereótipos e criar diversas personagens femininas nos programas destinados para crianças de 11 anos para baixo. Durante o evento, foram apresentados os resultados brasileiros da pesquisa do instituto para saber a percepção das pessoas em relação ao cinema e à televisão.

A pesquisa apontou que o 75% do público acredita que a TV e os filmes brasileiros têm muita influência sobre como as pessoas pensam e agem. Além disso, mostra que as mulheres apresentam dificuldades em se enxergarem nos personagens femininos representados nas obras. Segundo as participantes da pesquisa, elas são muito sexualizadas, retratam papéis de gênero tradicionais e ultrapassados, com padrões irreais de beleza ou variando apenas entre vítimas ou fúteis.

De acordo com a estudante do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Metodista de Piracicaba, no interior do Estado de São Paulo, Inara Almeida, esses são alguns dos diversos estereótipos femininos nas produções audiovisuais e que não são notados pela maioria do público por conta deste já estar acostumado com a ideia apresentada no filme. “Ou as mulheres são hipersexualizadas ou só falam de assuntos fúteis ou vivem na sombra de algum ou vários homens. Até mesmo as personagens que levam seu nome no título do filme, tendem a cair novamente nas garras do machismo porque é isso o que vende”, diz.

Uma das maneiras para mudar isso é a utilização de personagens fortes, ou empoderadas, nessas obras. Segundo os dados do Instituto Geena Davis, uma em cada quatro brasileiras afirmam que histórias de mulheres fortes a ajudaram a abandonar uma relação violenta.

“Uma personagem empoderada é aquela que tem opinião própria, é forte e acima de tudo, reconhece que o seu corpo, seu destino e sua jornada não pertencem a mais ninguém além dela mesma. E tendo mulheres fortes e independentes no cinema, podemos mostrar às mulheres e meninas que elas podem ser o que quiserem sem medo”, afirma Inara. De acordo com a estudante, elas se apresentam na equipe ou com o roteiro.

Por mais que essas personagens apareçam cada vez mais em foco, ultimamente, para Inara ainda será muito difícil introduzir essas mulheres no mercado audiovisual. “Porque a sociedade mundial é violentamente machista e uma mulher empoderada incomoda e no cinema, mais ainda. O público não está acostumado e a maioria dos consumidores dos filmes blockbusters ainda não está preparado para ver uma personagem como a Harley Quinn, ou Arlequina, do Esquadrão Suicída, usando roupas confortáveis e aceitando o relacionamento abusivo que vive. Para introduzir uma mulher empoderada no cinema é preciso primeiro lutar pela igualdade tão buscada”, declara.

Representações de empoderamento

Por mais que a representação de mulheres fortes seja difícil de ser encontrada, diversos filmes atuais retratam bem essas personagens. Um dos filmes é Orgulho e Preconceito — vivido na transição entre a Era Georgiana e Era Vitoriana, época a qual a autora do livro que deu base ao filme, Jane Austen, pertenceu.

Por apresentar, com grande propriedade, a vida social da Inglaterra naquelas eras, o filme quebra um estereótipo vivenciado naquela época, apresentando personagens que se recusam a se casar somente por dinheiro e status social, buscando a felicidade plena, em um mundo em que era comum a busca incessante por esse casamento. Além disso, elas apresentam-se fortes, irônicas e firmes em suas decisões, não curvando-se aos desejos de qualquer outra pessoa além delas mesmas.

Gif: Tumblr / periodramasource

A personagem principal, Elizabeth Bennet, se recusa a aceitar as ideias dos ofícios aos quais uma mulher deveria exercer e, ao contrário de diversos personagens, preocupar-se mais com sua família, formada quase que exclusivamente por mulheres, já que é a segunda, de cinco irmãs, do que com diversos outros temas que a sociedade imagina que passem na mente feminina, como homens. Esta personagem, tão marcante e expressiva, representa o oposto de como as mulheres eram na época, mas mostrando que, verdadeiramente, não devem ter medo de mostrarem, e serem, o que realmente são.

Outras personagens que representam essa força feminina vêm através de animações, podendo inspirar diversas meninas desde a infância. Um dos exemplos é a Merida, apresentada no filme Valente, da Pixar, que pertence à Disney. No enredo, ela é uma princesa que é forçada a se adequar em padrões dos quais não suporta, por conta de ser mulher e ainda por cima, da realeza.

Durante a história, ocorre um evento onde três “príncipes” da região se enfrentam em uma disputa. O vencedor ganharia a mão da princesa em casamento. Não querendo casar com nenhum deles, ou com qualquer homem, ela mesma batalha por sua mão, mostrando que não estava disposta a aceitar aquela situação que lhe foi imposta.

O filme, de 2012, apresenta uma personagem empoderada que não aceita funções que não lhe agradam e que não condizem com sua personalidade — levando e mostrando para todos da realeza como aquilo poderia ser mudado. Além dessa lição, ainda é ensinado sobre o relacionamento com pais e como é possível mudar seu futuro, mas tomando muito cuidado com o passado.

Gif: Tumblr / bobbitrash55.tumblr.com

Uma animação mais atual e que também apresenta uma personagem feminina forte é a obra Zootopia, da Disney, lançado neste ano. Nele é apresentado um mundo onde os animais são “evoluídos” e aprenderam a superar a cadeia alimentar de predador e presa. Nesse lugar, é contada a história de Judy, uma coelha do interior que sonha em ser uma policial. Ela cresce e depois de muito esforço, alcança esse sonho e vai para a capital. Mesmo tendo conquistado o título de policial, a descrença nela ainda é muito grande e ela precisa mostrar seu talento, diariamente.

Segundo Inara, a personagem é um bom exemplo a ser seguido. “Não só por mim, como por todos. Ela mostra que mesmo sendo fraca e uma presa fácil, pode ser forte seguindo a carreira de policial, que ela tanto sonhava. Ela seguiu seus sonhos sempre com o seu lema de que todos podem ser o que quiserem. E realmente, todos podem ser o que quiserem ser. Além disso, o filme apresenta muitas críticas políticas e sociais que muitas pessoas, provavelmente, não notaram, como ideologia de gênero, a coisa de maioria e minoria, entre diversos outros temas”, afirma.

Cinema e o teste de Bechdel

Uma das maneiras encontradas para analisar os níveis de representação feminina é o Teste de Bechdel (ou a Regra de Bechdel), que não é nada mais do que um teste para analisar o nível de machismo no roteiro de um filme. Os três critérios utilizados para a avaliação são simples: (1) deve haver no mínimo duas mulheres no filme, que (2) falam uma com a outra sobre (3) assuntos não relacionados à homens.

O teste foi popularizado após a publicação da HQ “Dykes to Wacht Out For” (em tradução livre: “Sapatões para ficar de olho”), da cartunista americana Alison Bechdel, em 1985 e embora os critérios sejam simples, é inacreditável o número de filmes que não passam no teste.

Imagens: Reprodução
Imagens: Reprodução

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Giulia Losnak
portalprisma

Jornalista, feminista e mestranda em Divulgação Científica e Cultural pela Unicamp.