O espírito livre e contador de histórias de Enrique Coimbra

Douglas Vasquez
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11 min readMar 1, 2018

“O Enrique de hoje quer ser um ótimo contador de histórias, enquanto há 4 anos ele só queria ser um bestseller”

Ilustração de Enrique por André Sandoval em 2016 para a Revista Piauí

Enrique Coimbra tem 24 anos, é escritor e Youtuber e faz parte de uma nova geração de influenciadores nas mídias sociais. Ele é um jovem independente, que escolheu deixar de lado qualquer expectativa da sociedade para se dedicar a produzir o conteúdo que ama. Como todo bom millenial, lançou-se na internet muito jovem, com o blog Discípulos de Peter Pan e uma proposta muito simples: ser ele mesmo. Nesta entrevista exclusiva para a MASHUP ele conta como foi a sua jornada até a auto aceitação, o que fez para alcançar as coisas que sempre sonhou e o que mudou em sua perspectiva com os anos de experiência.

MASHUP: Para começar, pode nos contar como foi tomar a decisão de deixar uma vida universitária promissora para criar um blog até a publicação independente de sua primeira série (Lado B) e posteriormente, o livro Os Hereges de Santa Cruz?

Enrique: Lado B veio antes de tudo, quando eu tinha 14 anos. Eu sempre escrevi e lá pelos 13 anos coloquei na cabeça que me lançaria de forma independente. Naquela idade eu não fazia ideia do que era o mercado editorial e como eu realmente não me encaixaria nele no futuro — quando, por exemplo, relancei “Sobre um garoto que beija garotos” com a editora LeYa e Casa da Palavra sob o título “Sobre garotos que beijam garotos”, em 2015, na XVII Bienal do Livro do Rio.

Pouco depois que lancei o terceiro volume de Lado B na internet — essa série de livros eu não conto como “oficial”, pois eu era muito molequinho — , entrei para a faculdade. Tentei terminar Design de Interiores, depois tentei terminar Design Gráfico, mas era só porque eu precisava de um diploma — não porque eu amava. Não deu para finalizar nenhum dos dois.

Reprodução/Enrique Coimbra, 2016

Na faculdade comecei o blog Discípulos de Peter Pan, onde eu refletia em textos públicos sobre comportamento, sexualidade, tabus da juventude e sociedade, alguns faça-você-mesmo e, posteriormente, comecei a gravar vídeos para o YouTube expandido essas temáticas no canal Enrique Sem H.

Quando comecei Lado B, eu estava passando pelo primeiro grande momento da minha depressão, doença que enfrento até hoje; então, na faculdade, foi de se esperar que eu me tornasse uma pessoa ainda mais infeliz. Correr atrás dos meus sonhos, escrever, lançar um livro e me tornar um escritor “de verdade” me salvou de uma tentativa de suicídio mais cedo, portanto mesmo temerosas quanto ao meu futuro profissional, as pessoas ao meu redor me apoiaram com fé. Mas minha insegurança de viver de livros num país que não lê foi uma das grandes razões de eu ter me desesperado, desacreditado em tudo que eu já havia conquistado depois de muitas escolhas ousadas, e tentado suicídio em 2014.

“Correr atrás dos meus sonhos, escrever, lançar um livro e me tornar um escritor “de verdade” me salvou de uma tentativa de suicídio…”

Por sorte sobrevivi e lancei o romance “Um Gay Suicida em Shangri-la” como analogia das coisas que aprendi após a tentativa de suicídio. Esse foi meu terceiro livro, depois de “Sobre um garoto que beija garotos”, e em 2015 as editoras me procuraram para relançar esse último na Bienal do Livro.

Quando eu tomei a decisão de abandonar a faculdade, minha mãe me disse que eu deveria ser feliz, e mesmo que eu só sentisse no meu peito que abandonar um possível diploma para contar histórias por textos era a coisa certa a se fazer, mesmo que a razão me mostrasse que esse era um tiro no escuro contra o próprio pé, minha decisão — que precisou de muita coragem, disciplina e fé em mim — me levou às alturas.

Meus livros salvam vidas. Meus livros inspiram autores. Minha história move pessoas. Abandonar a faculdade e viver do que amo, mesmo com muitas dificuldades no início quando ninguém sabia quem eu era e nem tinham interesse em saber, foi uma escolha intuitiva e certa. Hoje, três anos depois, eu vejo como eu e o mundo perderíamos se eu não tivesse feito isso — eu principalmente. O escritor é quem mais perde ao ser negligente com a própria vocação, que no meu caso é toda minha sustentação psíquica. Se eu não escrevesse, eu explodiria de ansiedade ou definharia por abstinência.

M: Hoje você coleciona três livros em seu catálogo como autor. Como você planeja todas as suas histórias antes de coloca-las no papel?

E: Elas surgem na minha cabeça como cenas de filmes, só que minha consciência é onisciente, onipresente e tudo mais. Eu participo de tudo, sou todos os personagens e a natureza, o território e o espaço. Como é muita informação disparando no meu cérebro o tempo todo, organizo os livros a serem escritos com as sinopses dos capítulos.

Em “Os Hereges de Santa Cruz”, por exemplo, antes de escrever o livro eu escrevi as 20 sinopses para os 20 capítulos, reunindo todas as informações do que eu precisaria escrever nesses episódios em tópicos e resumos curtos. Depois que essa estrutura fica pronta, posso ver a história de cima, feito um mapa. Assim evito “bloqueios criativos”, pois antes de escrever eu já decido o que o cada cena apresentará ao leitor.

“Eu participo de tudo, sou todos os personagens e a natureza, o território e o espaço.”

M: Para você, como foi o processo para escrever, revisar e, finalmente, publicar um livro?

E: Cansativo. Você fica um pouco enjoado da sua obra, mas orgulhoso também. É um exercício pesado de foco, determinação, controle da ansiedade, planejamento de horários… O que eu mais gosto é de inspirar outros escritores como eu. Acabo me sentindo especial para mim acreditando que tenho uma função legal no planeta. Isso me motiva a fazer mais e melhor, e não só com os livros.

M: Como um jovem gay, suas histórias refletem um pouco de sua sexualidade e o tema sempre é abordado em seus livros. Esse ponto é algo intencional sempre ou são histórias que nascem falando desse tema naturalmente? De onde vêm as suas inspirações?

E: Minhas inspirações vêm da vida e de tudo que observo a partir de mim. Por isso mesmo tudo que aparece nos livros é intencional. Não há nada num livro meu que não deveria estar. Cada descrição, cada cena, o tamanho do livro, a dinâmica dos capítulos, a ordem da história, tudo é pensado por mim antes mesmo de escrever, e depois é manipulado milhares de vezes até chegar ao público. Tratar sexualidade com normalidade, especialmente sendo gay, é o que farei. Não haverá um livro meu sem homossexuais, sem negros ou minorias. É meu papel como influenciador da minha geração — e das adjacentes à minha — trazer material de discussão e transformação à tona pela arte.

“Não há nada num livro meu que não deveria estar.”

M: Por conta dos feedbacks recebidos em seus textos no blog, foi mais fácil escrever o livro? Ou foi mais complicado, por conta da possível cobrança de o tipo de escrita ser diferente ao do blog?

E: Ao mesmo tempo que recebo críticas excelentes e adoro melhorar o texto a partir delas, não me sinto pressionado a escrever algo “bom” para as pessoas. É meu processo egoísta. Se eu pensar demais no que falam, do que acham, do que poderia “ser melhor”, meu hobby/trabalho deixa de ser prazer. Existe um momento para essas críticas: na revisão. Antes disso, não. Eu escrevo e sempre escreverei o que eu quiser — especialmente não dependendo de editora nenhuma para sobreviver “no mercado”.

M: É difícil lidar com a pressão da sociedade quando se é um autor independente em tempo integral. Como você responde a essa ação das pessoas que te “veem de fora”?

E: Honestamente eu não sei se me importo em como as pessoas me veem de fora. Se me diminuem por não considerarem meu trabalho um “trabalho de verdade”, fico de cócoras e faço cocô na cabeça delas. Não tenho como me importar com a crítica de quem não se importa comigo, de quem não compra meus livros, de quem não acredita em mim. Não faz parte da minha composição genética considerar essas pessoas.

M: Você publicou em parceria com a editora Leya o livro “Sobre garotos que beijam garotos”. É seu primeiro trabalho com uma editora convencional. Como se deu o convite e quais eram as suas expectativas, sendo um jovem millenial que tem uma presença muito ativa na internet? Como foi o seu relacionamento com a editora antes e após o final dessa parceria?

E: O convite veio por intermédio de alguns colegas de profissão, acabei conhecendo as editoras e elas me convenceram a publicar em parceria. Foi um erro. Ainda não posso falar muito sobre isso, mas foi um processo limitador, frio e humilhante que não pretendo me submeter novamente. Jovens mileniais ou qualquer pessoa com um computador/celular para usar, internet para aprender, criatividade para ousar e vontade para vencer, não precisam de parasitas sugando tudo que poderiam ganhar sozinhos. É o dobro de trabalho ser um faz-tudo, mas a recompensa é ter 100% do controle até o fim da vida — não 7% de miséria.

M: Como é o mercado editorial independente no Brasil? Essa é uma forma para os novos escritores publicarem seus livros mais fácil?

E: Com absoluta certeza é mais fácil para escritores publicarem livros, contos e revistas por causa das plataformas de publicações digitais e físicas independentes — e gratuitas! Ainda assim, o título de “escritor publicado” é pedido pelo ego das pessoas. Eu acho que o título é superestimado e não começar sozinho, fazer um nome para si, é desperdiçar tempo. Não começar, então, é pior ainda…

M: Tendo já experienciado a publicação convencional e a independente, qual você recomendaria para autores que sonham em publicar suas histórias?

E: Se a pessoa aprende a mexer numa ferramenta de edição de imagem para fazer uma capa, se aprende a diagramar um livro, se estuda o básico de design e desenvolve o bom senso a partir da prática para sozinha transformar o livro numa experiência profissional que o leitor deseje e ame, recomendo excluir para sempre as editoras dos planos de futuro. Elas são vampiras. Elas mentem. Elas exploram talentos e os amarram.

Mas se a pessoa não sabe fazer absolutamente nada e não tem vontade de aprender, deixar nas mãos de uma editora — isso se a editora achar que o original tem potencial de venda (não de qualidade) — é o menos complicado. Mesmo assim, não recomendo. Nem dinheiro dá direito, a não ser que a pessoa se torne uma das mais vendidas. Rola muita exploração descarada e mentiras a rodo que não compensam.

M: O que você acha de plataformas de auto-publicação como o Wattpad, por exemplo?

E: O Wattpad e plataformas similares são ótimas maneiras de apresentar o trabalho para potenciais leitores! São pessoas passeando num site de leitura procurando textos para se entreterem! Lancei meus livros por lá depois de prontos, um capítulo por semana, e foi ótimo para angariar milhares de amigos para minha jornada literária. Milhares!

M: Como foi o processo de publicar um livro de forma independente? Como funcionam as vendas e a divulgação?

E: Tanto o livro físico quanto o livro digital são hospedados de graça em sites diferentes. Ao fazer o upload do arquivo original do texto, da capa, e após preencher as informações da obra, ela fica pronta para ser comercializada. A partir daí, a divulgação depende inteiramente de mim. Uso meu canal no YouTube, página no Facebook, Instagram, Twitter, tudo para mostrar para meus seguidores que eu tenho livros esperando para ser comprados — e às vezes baixados de graça. Essa é uma das partes mais cansativas do início da carreira.

M: O que mudou para o Enrique de 4 anos atrás, que mantinha um blog com leitores cativos e tinha o sonho de ser publicado, para o Enrique de hoje?

E: Tudo mudou, mas a principal coisa é que fui passado para trás mais de uma vez. Percebi que as editoras de livros e networks do YouTube, toda essa galera “legal” que quer “cuidar” do seu trabalho só pensa em dinheiro. Dinheiro acima da vida. O Enrique de hoje se blindou para parcerias em que ambas as partes não tenham o mesmo poder e que subestimem a inteligência do público. O Enrique de hoje se doa para esse público como nunca antes, pois o público, essas pessoas de verdade, são amáveis e curiosas, minhas melhores amigas e fãs! O Enrique de hoje sabe ser feliz para elas, não pelo título social de escritor bem sucedido. O Enrique de hoje quer ser um ótimo contador de histórias, enquanto há 4 anos ele só queria ser um bestseller.

M: O Brasil embarcou em uma onda de livros de YouTubers após a febre ter atingido a Europa e Estados Unidos há alguns anos atrás (temos exemplos como Zoella, Tyler Oakley, Connor Franta e Alfie Deyes na gringa) e hoje você dedica boa parte do seu tempo em seu canal na mesma plataforma, onde migrou grande parte de seu conteúdo escrito. Houve convite de editoras brasileiras que publicaram livros influenciadores brasileiros em publicar o seus livros? Se não, o que você faria caso fosse convidado?

E: Não recebi convites e não publicaria com ninguém, muito menos com a LeYa ou Casa da Palavra novamente. Foi traumatizante — e muitos lançamentos de youtubers que não escrevem também têm sido…

“O Enrique de hoje quer ser um ótimo contador de histórias, enquanto há 4 anos ele só queria ser um bestseller.”

M: É algo comum no mercado literário autores escreverem histórias juntos, em parceria. Você tem planos de fazer o mesmo em algum momento? Como seria o seu autor parceiro (a) ideal?

E: Não tenho planos, mas adoraria fazer uma parceria um dia! Quem sabe para um spin-off do universo de Os Hereges de Santa Cruz com Paulo Coelho? Seria bem mágico!

M: Qual é o passo que o Enrique Coimbra, o autor, Enrique Sem H, o youtuber ou apenas o Enrique do dia-a-dia ainda não deu e você espera tomar no futuro?

E: Meter o pé na estrada, trabalhar só com internet e escrever de qualquer lugar do mundo. Quando eu chegar nessa fase, vou precisar de sonhos ainda maiores para inventar. Ou vai ser a hora de, enfim, me dedicar a um projeto que envolva o futuro de crianças e educação. Quero viver para além de mim e do meu trabalho. Quero mudar o mundo para melhor, nem que sejam alguns tijolinhos. Me preocupo constantemente em não existir à toa.

M: Para fecharmos, o que você acha do mercado editorial atualmente? Como acredita que será essa mesma esfera no futuro?

E: Dispenso as “tendências” do mercado editorial. É um mar de tubarões em que não vou ganhar porque não tenho dinheiro nem sangue-frio suficientes para investir na banca — ou fazer outros sangrarem. Não sei imaginar essa esfera no futuro porque prefiro focar em nichos esquecidos pelo mercado nos últimos anos e conquistar leitores onde outros escritores ingênuos e editoras gananciosas passam os olhos e ignoram. Penso menos em “mercado” e mais em “comunidade”, e isso muda a maneira com que o leitor, ou possível leitor, reage ao que eu faço. Isso é futuro para mim.

Este texto foi escrito primeiramente para uma publicação acadêmica, a revista MASHUP, produzida por um grupo de alunos de Comunicação em 2016, onde a Prisma, era parte integrante da redação.

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Douglas Vasquez
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Um clichê no meio de tantos outros. Jornalista, autor e fangirl profissional.