Das coisas que Bento Rodrigues perdeu

As lembranças e o rejeito

Allan Alves
Portal Vertentes
4 min readSep 11, 2017

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Allan Alves e Maria Luiza Damião

05 de Novembro de 2015. Os barulhos ouvidos frequentemente pelos moradores de Bento Rodrigues, localizada a 35 Km de Mariana (MG), não correspondiam às explosões diárias que ocorriam na mineradora Samarco. O estrondo significava o rompimento da Barragem do Fundão, o maior desastre ambiental da história brasileira.

A perícia realizada pelas empresas Valle e BHP dez meses após o acidente apontavam uma série de erros no sistema de drenagem da barragem, desde 2009. Um recuo que foi causado pela entrada de lama em áreas não previstas e, posteriormente, três abalos sísmicos foram o gatilho para romper uma estrutura que há muito já estava frágil.

Isolamento e fragmentação de áreas habitadas, desalojamento de comunidades, destruição de áreas de preservação, impacto na fauna e na flora. É o que se encontra no trecho do Rio Doce entre Minas Gerais e o Espírito Santo. Além de toda essa catástrofe, 19 vidas se perderam em meio a lama.

Em novembro próximo a tragédia completa dois anos, e para muitos moradores de Bento Rodrigues, em especial para Dona Maria do Carmo, 70, a fé é o que faz com que eles se sintam gratos por estarem vivos. “De manhã cedo teve um abalo e a tarde ela estourou. Nesse meio tempo que eu vi a barreira chegando, porque eu sou Evangélica, eu até pensei, o mundo é que estava acabando. Eu falei: ‘Oh meu pai! Veja bem! Eu não preparei, e Jesus está chegando.’ Aí veio aquela fumaça, e veio vindo, aquela fumaça. Nisso a minha neta segurou a minha mão, o coraçãozinho dela quase pulando fora, um senhor falou assim: “Pula aqui na caminhonete”, mas era tanta gente, o Bento inteiro, que na caminhonete não coube. Então corremos pra um lugar chamado batizal.”

Escombros do antigo vilarejo Bento Rodrigues. Foto: Allan Alves

Dona Maria do Carmo é de Abre Canto (MG), se mudou para Bento há 50 anos com seu marido, natural de Mariana. Criou sua filha, sua família, e viu Bento crescer. Quando se mudaram para lá quase não havia casas. Antes da lama, vivia bem em seu terreno, sua casa.

Dona Maria do Carmo e Angelita, sua filha. Foto: Allan Alves

“A maioria do pessoal do Bento todo tinha sua horta, não tínhamos o costume de trocar nem vender porque tínhamos o costume de trabalhar pra nós mesmos, na nossa chácara. Era só mesmo nós lá. Tínhamos uma vida boa, tinha banana, tinha verdura, tinha tudo em casa. Hoje não temos nada, se quiser uma banana tem que comprar. Esse terreno é o que compramos do Oswaldo, eram três lotes, hoje virou dique, alagou tudo d’água.”

Bento Rodrigues dois anos após o acidente. Foto: Allan Alves

“Bento era grande, Bento tinha tudo. Quadra de Futebol, escola. Tinha duas igrejas, Igreja de Nossa Senhora das Mercês e Igreja de São Bento, essa foi embora. Tinha duas igrejas evangélicas, uma Batista e uma Assembleia. Eu sei que nós estamos sem nada né, fica aí morando na casa dos outros, sem saber quando vamos voltar pra aquilo que é nosso, eles falam até 2019, mas quem sabe?”

Escola Municipal Bento Rodrigues. Foto: Allan Alves

“Era 15:30 da tarde, chegou uma neta minha e disse: Oh vó faz um pudim pra mim, aí eu falei tá. Levantei pra fazer o pudim, arrumar as coisas pra fazer janta. Quando o pudim ficou pronto e eu fui entregar minha neta, antes eu ouvi aquela explosão, mas uma explosão tão forte, que eu falei assim: oh Janine, a explosão hoje tá longe. Porque era tão perto que a gente sentia em casa, a explosão de cá, mas eram eles estourando pedras. Esse dia que a barragem estourou, foi 15:30 da tarde, quando foi 16h a barreira chegou.”

Área próxima a Bento Rodrigues, atingida pela lama. Foto: Allan Alves

“Depois da lama, tudo que eles puderam roubar eles levaram, não deixou nada, porta, janela(Se referindo à onda de roubos de acabamentos das casas na comunidade). Ainda vou dar Graças a Deus, porque nós ficamos salvos né, porque da proporção que foi, foi uma coisa muito triste. E as vezes o povo ainda comenta: “ Ah o povo do bento… Eu falo, cala!
Porque se vocês tivessem na nossa situação, vocês iam ver como dói. Mas dói, não tem nada comparável, nesse dia, tinha tanto policiamento, que nós estávamos no mato de noite, e eu falava, cuidado que aqui tem buraco! Vou “te falar meu filho, é muito triste mesmo, nesse dia foi minha filha lá nos pegar, mas nós passamos a noite lá.”

O que havia de reconhecível e o que compartilhavam enquanto comunidade são lembranças que cada antigo morador leva consigo. Enquanto isso, a esperança de um novo Bento se mantém firme, e Dona Maria do Carmo consciente de que a antiga rotina não voltará, mantém na memória histórias e costumes impermeáveis pela lama, e espera que as providências sejam tomadas, que respeitem sua idade, sua história e a dignidade de todos os moradores do Bento.

Ordem e progresso nos escombros. Foto: Allan Alves

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