DST’s: convivência e prevenção
Emanuela Souza e Henrique Silva
Dados apresentados recentemente pelo Ministério da Saúde mostram que jovens entre 16 e 29 anos têm contraído cada vez mais DST’s — Doenças Sexualmente Transmissíveis. Mesmo com toda divulgação e conscientização existente sobre os riscos e malefícios das doenças transmitidas por meio de relações sexuais, as pessoas insistem em não utilizar a proteção necessária e, com isso, esquecem dos danos que podem provocar à própria saúde.
Diversos são os motivos que podem levar uma pessoa a não se proteger, e isso permeia várias áreas que estudam o ser humano como a psicologia, a medicina, entre outras. Sendo assim, para entender o que se passa na vida de um indivíduo que não toma os cuidados necessários, nossa reportagem conversou com uma pessoa que possui um tipo de DST adquirido desta forma. A pedido de nossa entrevistada, sua identidade foi modificada para manter seu anonimato.
“Clarisse” tem 51 anos e é portadora do vírus da AIDS desde os 39. Ela conta que aos 17 saiu de casa devido a desentendimentos com o pai, e dadas as circunstâncias em que se encontrava, começou a se prostituir. Neste período teve muitos relacionamentos e sempre usava proteção como profissional do sexo, mas apesar de sempre se manter alerta, jamais pensou que isso poderia acontecer com ela. Ainda assim, ela não atribui isso a um culpado ou uma culpada, pelo contrário, assume que faltou responsabilidade de sua parte.
“Em março fez 12 anos que eu descobri que fui afetada pelo vírus da AIDS. Na época, eu estava muito debilitada, muito doente mesmo, e quando fui fazer o exame, descobri que já estava com tuberculose, anemia e pneumonia. Eu fui internada e ninguém acreditou que eu sairia de lá viva”.
Ainda assim, ela destaca que convive bem com a doença e sua vontade de viver sempre foi maior, mas alerta: o tratamento ficou mais acessível nos dias de hoje, mas ele não é uma solução definitiva. Ao contrário do que está presente no imaginário popular, o coquetel de medicamentos para a AIDS não combate a doença, apenas os sintomas, para que a pessoa tenha uma qualidade de vida melhor. O portador de AIDS deve se manter sempre alerta, principalmente quando a idade avança e a resistência do organismo tende a diminuir.
Além dos dilemas com o tratamento, “Clarisse” fala sobre como lidou com outro fator muito relevante na vida de um soropositivo, o preconceito.
“O primeiro obstáculo que vi quando comecei a lidar com a AIDS, foi o preconceito. Dizia-se muito que era uma doença exclusivamente de homossexuais e eu vi muita gente apanhar ou morrer por causa disso. Naquela época, receber um resultado positivo de AIDS era um atestado de óbito. Era simplesmente dizer que você vai morrer”.
“Clarisse” é apenas mais uma dentro das estatísticas brasileiras das pessoas que não se previnem ou se protegem antes do ato sexual. A justificativa para a dispensa do uso do preservativo, alegada por grande parte dos homens, é que há um certo desconforto e isso impede o prazer durante a relação. Para a médica ginecologista Glauciete Maria Santos Kumaira, essa afirmação é sem fundamento, e a dispensa do uso do preservativo coloca em risco a vida de ambos parceiros.
“O preservativo, quando colocado de maneira adequada, não está associado a nenhum desconforto, nem tampouco a qualquer dificuldade para obtenção do prazer. Portanto só traz benefícios para a saúde, uma vez que tem eficácia comprovada no controle das doenças de contato sexual”, afirma.
Mas, o que parece estar apenas no âmbito da medicina no que se refere às doenças sexualmente transmissíveis, pode estar ligado a questões muito mais intrínsecas do ser humano, como o lado psicossocial do mesmo. Neste aspecto, a reportagem consultou o psicólogo e psicanalista Eduardo Lucas de Andrade.
Questionado sobre o que leva o ser humano a praticar o ato sexual sem proteção, ele comenta que os motivos começam no fato de que mesmo estando cientes dos riscos, nós seres humanos não deixamos de ser amantes do gozo próximo ao perigo.
“Em nome da força gozosa as pessoas se relacionam sexualmente com a proteção ilusória da fantasia. Não usam preservativos, mas usam e abusam da fantasia e das mentiras a si mesmo. Isto é, mentem a si mesmos em nome de um gozo maior. Brincar com o perigo é sexual. As pessoas se conscientizam ao avesso. De forma Narcísica, dizem a si mesmos: comigo não acontece, só esta vez…”
Eduardo falou também sobre como é a relação entre prazer e o “juízo” do ser humano, promovendo decisões arriscadas que vão contra o próprio.
“O prazer é anárquico, acéfalo, não quer saber do outro. Isso acontece porque ele se trata do cúmulo do egoísmo elevado ao seu extremo. Compete a cada um dar guia a seu combo de prazer para viver em civilização. Somos responsáveis por este que parece não estar em nós!”
A estudante de dança da UFMG Vanessa Mara, conta que poucas vezes parou para pensar em DST’s enquanto se relacionava com seu parceiro, sua preocupação maior sempre foi uma gravidez indesejada. “Sendo sincera, com os dois namorados que tive, sempre me preocupei mais em não ficar grávida, claro que a gente também pensa em doenças, mas depois de um determinado tempo, é como se nos acostumássemos com a situação” conta. Não apenas com ela, grande parte das brasileiras dispensa o uso do preservativo, pois se agarram ao fato de que ele previne apenas uma gravidez. A comodidade é a grande vilã entre os casais e parceiros casuais, que ignoram o risco ao dispensarem o uso do preservativo.
Quatro em cada dez jovens brasileiros acham que não precisam usar camisinha em um relacionamento estável, informa a pesquisa Juventude, Comportamento e DST/Aids realizada pela Caixa Seguros com o acompanhamento do Ministério da Saúde e da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) divulgada recentemente.
Além disso, três em cada dez ficariam desconfiados da fidelidade do parceiro caso ele propusesse sexo seguro. O estudo ouviu 1.208 jovens com idades entre 18 e 29 anos em 15 estados (Rondônia, Amazonas, Pará, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Goiás) e no Distrito Federal. As mulheres correspondem a 55% da amostra e os homens, a 45%.
Ao todo, 91% dos jovens entrevistados já tiveram relação sexual; 40% não consideram o uso de camisinha um método eficaz na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DST) ou gravidez; 36% não usaram preservativo na última vez que tiveram relações sexuais; e apenas 9,4% foram a um centro de saúde nos últimos 12 meses para obter informações ou tratamento para DST.
Os dados mostram que os jovens brasileiros não têm conhecimento sobre doenças sexualmente transmissível e formas de infecção. Um em cada cinco acredita ser possível contrair o HIV utilizando os mesmos talheres ou copos de outras pessoas e 15% pensam que enfermidades como malária, dengue, hanseníase ou tuberculose são tipos de DST.