Gramado: Cultura, história e tradição no maior Festival de Cinema do país

Maria Tereza Oliveira
Portal Vertentes
Published in
7 min readSep 3, 2017

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Catianne Lemos e Maria Tereza Oliveira

A história do cinema no Brasil vem desde o século XIX. Marcada por constante reinvenção, o cinema brasileiro há muito luta por seu espaço e reconhecimento. Embora tenha despontado com sucessos mundiais, a cinematografia brasileira ainda sofre com preconceito e desconfiança por parte do público brasileiro. No país há uma tendência de esperar o reconhecimento de seus filmes partirem do exterior para depois o sucesso chegar até aqui. Por isso, é possível notar em listas de filmes brasileiros mais aclamados, a presença de títulos que se destacam primeiramente lá fora.

Um dos primeiros filmes brasileiros a se destacar fora do país foi “O Cangaceiro”, de 1953. Com direção de Lima Barreto e trazendo uma linguagem similar ao dos filmes de faroeste americanos da época, o sucesso fez a obra ser até adaptada para histórias em quadrinhos na França.

Outro fator influenciador para o êxito do filme no exterior foi a sua receptividade nos festivais de cinema, sendo “O Cangaceiro” vencedor na categoria de melhor filme de aventura e trilha sonora “Olê Muié Rendeira”, interpretada por Vanja Orico, no Festival de Cannes, daquele ano.

O Brasil demorou um longo período para realizar um grande festival de cinema. Levou ainda mais tempo para fazer algum com sucesso de público e crítica. A falta de incentivo financeiro e muitas vezes de interesse da população pelas obras produzidas no país, também contribuíram para essa situação.

Em 1973, na cidade de Gramado (RS), foi realizada a 1ª edição do Festival de Cinema de Gramado. O festival é o maior do gênero no país, acontecendo há 45 anos de forma ininterrupta. O evento já passou e ainda passa por diversas modificações, buscando sempre acompanhar os avanços cinematográficos, se preocupando em valorizar o cinema nacional para os brasileiros e para o resto do mundo.

Entrada da cidade (Catianne Lemos)

Gramado é uma das cidades com o turismo mais explorado do país, segundo a secretária de turismo do município, Rúbia Frizzo, o turismo é a maior fonte renda da cidade. “O turismo de Gramado movimenta o comércio da cidade e melhora a economia. Por isso ele é muito incentivado pela Administração Municipal”, completou. Marcado pela riqueza cultural, por muito charme e elegância, além de uma natureza exuberante, a cidade recebe milhões de turistas anualmente, sendo paulistas, nordestinos e cariocas os mais frequentes. Além do Festival, a cidade tem como atração o Natal Luz, a Páscoa de Gramado, a Feira Nacional do Inverno (Fenin) e o Festival de Publicidade que também se destacam. Complementando a sua lista de atrativos, a cidade conta com inúmeros pontos turísticos, como por exemplo, o Lago Negro, o Snowland, o único parque de neve do país, a Aldeia do Papai Noel, o Mini Mundo, o Mundo a Vapor e a Rua Coberta.

Voltando ao Festival de Cinema, em 1988, a nova fachada do Palácio dos Festivais foi inaugurada. O novo visual estético do museu onde o evento acontece, trouxe uma força a mais ao festival e consequentemente aumentou o interesse do público.

A partir de 1992, o festival passou a exibir filmes de outros países da América Latina, elevando a importância do festival para um nível internacional.

Em 2007 dois novos prêmios de destaque são lançados: o Kikito de Cristal e o Prêmio Cidade de Gramado. Estes foram criados com o intuito de homenagear atores com destaque em toda América-latina e também aos artistas com ligação a cidade.

Além de ser a premiação do Festival de Cinema, o Kikito também é um símbolo da cidade (Catianne Lemos)

Atualmente o Festival é um dos mais conceituados em todo mundo, sendo o Kikito, nome do troféu da premiação, um dos mais cobiçados. E no ano passado, foi criado um museu dedicado para preservar e contar a história do cinema.

Estátua do Kikito dentro do Festival de Cinema da cidade (Catianne Lemos)

Além do Kikito, concedido aos vencedores em cada categoria, há também troféus entregues a profissionais do meio cinematográfico, como o Troféu Oscarito que homenageia um dos maiores cômicos da história da dramaturgia brasileira; o Troféu Oscar Lorenzo, prêmio este destinado a atores do cinema nacional. Já o Troféu Eduardo Abelin é destinado a grandes diretores ou cineastas. O Kikito de Cristal é dado para grandes destaques do cinema latino-americano. Por último, vem o Troféu Cidade de Gramado, sendo este uma premiação destinada a incentivadores do Festival ou pessoas com uma história ligada à cidade do evento.

45ª edição do evento traz inovação sem perder a tradição

O assessor de imprensa da 45ª edição do Festival de Gramado, Matheus Pannebecker, em entrevista à nossa reportagem, contou que mais de 30 Kikitos são entregues durante todo evento. “Esse é o reconhecimento dado pelo Festival aos produtores da 7ª arte de toda América-Latina”, relatou.

Festival de Cinema de Gramado 2017 (Catianne Lemos)

Entre 2008 e 2013, o Brasil passou por um período com poucas películas obtendo destaque em premiações internacionais, sendo “Ensaio sobre a cegueira”, do diretor Fernando Meirelles, uma das exceções. Entretanto, esta obra é uma produção do Japão, Brasil e Canadá, além disso, o filme conta com atores americanos (Mark Ruffalo e Julianne Moore) nos papéis do casal protagonista. Todavia, a partir de 2015 os filmes brasileiros voltaram a se destacar constantemente no cenário internacional, principalmente pela sua recepção em grandes festivais de cinema. Esse é o caso de “A que horas ela volta”, de 2015 com direção de Anna Muylaert, “Aquarius”, de 2016 do diretor Kleber Mendonça Filho e “O menino e o mundo”, de 2013 do diretor Alê Abreu, sendo este um caso peculiar, pois foi premiado só em 2015 e 2016, recebendo um EMMY e uma indicação ao Oscar na categoria de melhor animação.

Pessoas aproveitando a 45ª edição do Festival (Catianne Lemos)

Matheus explicou que todos os filmes exibidos no Festival de Cinema de Gramado, tem que estrear nele. “Todo material aqui exibido precisa ser inédito. A primeira exibição ao público deve ser obrigatoriamente feita aqui para participar do festival”, destacou.

Isso demonstra a importância de festivais de cinema para a valorização das obras. Quando um filme consegue espaço nestas premiações, ele costuma se sair melhor nas bilheterias. O capital arrecadado, faz com que os estúdios invistam em mais projetos, deste jeito, mais talentos são descobertos.

Mas por que então, há tão poucos festivais no país? A resposta mais óbvia seria o desinteresse do público. Os filmes exibidos em festivais, em sua maioria tratam-se de obras com linguagem mais densa. Eles normalmente têm a função de fazer o público pensar de maneira mais profunda sobre os temas abordados. Diferentemente dos blockbusters que dominam as salas de cinema do país.

Matheus falou sobre os filmes que dependem quase exclusivamente do evento para a se promoverem. “A maioria procura trazer seus diretores, ou elenco para assim agregar mais publicidade para sua obra”, revelou.

Os investimentos financeiros feitos pelos órgãos públicos como, por exemplo, o Ministério da Cultura, Secretaria do Estado da Cultura, Turismo, Esporte e Lazer, BNDES e Golden Gramado acabam tendo um retorno. Este festival fez os holofotes se voltarem à Serra Gaúcha, fazendo do evento a atração gramadense que mais traz reputação e cobertura de mídia espontânea para o município, firmando Gramado como um dos destinos turísticos mais procurados de todo o país. “Duas TVs com cobertura nacional transmitem o festival. Isso faz com que todos os produtores queiram participar aumentando o nível de competitividade” ponderou o assessor.

Neste ano o festival aconteceu entre os dias 17 e 26 de agosto. O filme mais aclamado foi “Como nossos pais”, com direção de Laís Bodanzky. Além do Kikito de melhor filme, a obra também faturou mais cinco prêmios. A diretora foi muito elogiada durante esta edição do prêmio. Quem quiser conferir o longa, este entrou em cartaz no dia 31 de agosto.

A atração ao público é um espetáculo à parte, muitas pessoas ficam nos arredores do tapete vermelho esperando os artistas passarem. André Michel esteve presente no Palácio dos Festivais e falou ter entrado como convidado. “É legal ver os bastidores dos famosos e ter um pouquinho de contato com eles”.

Mesclando tecnologia ao evento, a edição deste ano trouxe inovação ao apresentar a primeira exibição do filme em realidade virtual. “Step to the line”, dirigido Ricardo Laganaro, fez a estreia com esta nova tecnologia no festival.

Mesmo com todas as adversidades enfrentadas pelo cinema nacional e as dificuldades em se fazer e manter um Festival durante anos, Gramado demonstra o fôlego e inspiração necessários para elevar o nível das premiações brasileiras, além de valorizar e promover talentos do cinema nacional.

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Maria Tereza Oliveira
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Estudante de Jornalismo na UEMG. Cinema, música, livros, séries, um pouquinho de política e outras coisinhas mais ...