Como lidar com o pessimismo?

Jhonatas Elyel
Os Arquivos Jota
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6 min readMar 19, 2022

Em muitos de minhas exposições o tom da obra é de cético realismo político, para não falar em pessimismo. Tento não olhar apenas o negrume do céu que cai sobre minha cabeça, mas também o horizonte. Ainda assim, todo conhecimento traz consigo uma responsabilidade e quando essa responsabilidade cresce demais podemos senti-la pesar como um fardo. A isso chamo, num grau menos danoso ao nosso bem-estar, de pessimismo. Em um grau extremo, Nietzsche chama-o de loucura. Assim, no aforismo 244 de “Humano, Demasiado Humano” fala: A soma dos sentimentos, conhecimentos, experiências, ou seja, todo o fardo da cultura, tornou-se tão grande que há o perigo geral de uma super excitação das forças nervosas e intelectuais […]

Pandemia, crise, política, negacionismo, polarização. Não podemos dizer por quais agruras passou a geração do filósofo, tampouco a reação dela a tais estímulos, mas com certeza podemos, apenas citando as mazelas de cima, concordar que muitos de nós já sentiram seus nervos em frangalhos com tamanha exposição à toxicidade inerente da vida superexposta pelos novos meios de comunicação. Estaríamos em um beco sem saída? Seria errado evitar aquilo que nos faz mal, quando a moléstia é aquilo que chamamos de a própria realidade? Novamente — e ainda no mesmo aforismo — Nietzsche aponta que “há muitos meios de encontrar a saúde atualmente, mas é necessário, antes de tudo, reduzir essa tensão do sentir, esse fardo opressor da cultura, algo que, mesmo sendo obtido com grandes perdas, nos permitirá ter a grande esperança de um novo Renascimento” (NIETZSCHE, 1878, p. 155).

O que seria “um novo Renascimento”? Para o alemão a referência é óbvia, mas se tivermos a permissão de nos afastar um pouco da, dita, Alta Cultura europeia tomemos tal conceito e o transportemos para nossa realidade mais imediata. Para a própria cultura da sociedade moderna. Mas antes de fazer isso, recuemos ainda mais no espaço e no tempo para ver o que o filosofo taoísta Alfred Huang tem a nos dizer com base em seus estudos da milenar sabedoria chinesa — sabedoria que lhe rendeu inúmeros anos de prisão e uma pena de morte pelo regime socialista chinês em pleno contexto da Revolução Cultural de Mao Tsé Tung: Durante vinte e dois anos de confinamento, compreendi inteiramente o Tao do I, que diz que, quando os acontecimentos chegam ao extremo, dão origem aos seus opostos. Todo dia eu lia as seis páginas do jornal oficial, sem perder uma única palavra. Enquanto eu via a situação de meu país deteriorar-se, meu coração ficava mais leve. Eu sabia que, depois da longa escuridão, a aurora viria. Quanto mais profunda é a escuridão, mais perto está o amanhecer” (HUANG, 2012, p. 16). Em suma: em uma situação e ocasião favoráveis, nunca despreze o potencial desfavorável. Em uma situação e ocasião desfavoráveis, nunca aja brusca e cegamente. E, em circunstâncias adversas, nunca fique deprimido nem se desespere (HUANG, p. 20).

É preciso aliviar a carga de responsabilidades sociais que pesam sobre nosso intelecto em tempos tão turbulentos. E como pode-se proceder nesse alívio? Imagino que cada um tenha sua resposta, uma vez que a subjetividade humana é a força mais plural que existe. Alguns podem encontrar alívio na religião, na fé, ou nas artes. Eu, por minha vez, prefiro o alívio do verdadeiro conhecimento. Do conhecimento que compartilho com vocês hoje. Pois o saber é como uma escada. E quanto mais se sobe, mais longe pode-se buscar ver no horizonte. Logo, o que digo — talvez — não se encaixa perfeitamente no lidar diário dos seres humanos com seus piores inimigos: eles mesmos — apenas a experiência dos anos pode afirmar se isso é aplicável a um contexto individual. Outrossim, encaixa-se para observar a abobada celeste da conjuntura histórica e social.

O mundo está em constante mudança. Quer você chame isso de Destino, Dialética, Tao, Divina Providência, ou o que quer que seja, essa é a única regra imutável da vida e do próprio Universo. Isso e, aparentemente, a natureza humana. Sob nossas cabeças atualmente, cai fortíssima tempestade. Raios cruzam o céu do Brasil — e do mundo — e trovões retumbantes ensurdecem nosso discernimento, lançando pesadas cortinas de opressão dogmática e hiperexposição à superinformação em nossos corações e mentes, mas o desespero e a angústia de nada ajudam, pois são apenas as reações mais inconscientes de nosso intelecto perante as desventuras que temos acompanhado tão de perto. Isso Nietzsche, os estoicos da Antiguidade Clássica e os antigos sábios taoístas chineses sabiam tão bem — senão até mais — quanto nós.

Por isso, exorto-vos!, sê corajosos, mas não imprudentes. E, mais, não tema uma realidade circunstancial quando e impossível ver o panorama espaço-temporal por completo. A dinâmica do cosmos supõe, realmente, que após caminhada incessante uma pausa gradual seja necessária, mesmo que o caminho à frente seja liso e reto. Que dirá então quando a senda do saber-viver interrompe-se drasticamente com um abismo de aparente intransponibilidade — sendo ela psicológica, geracional, civilizacional, etc! Abismo nenhum é intransponível! Mesmo quando o salto adiante leva à queda na escuridão. Você está encarando esse mesmo abismo em sua vida? Primeiro, pare. Sente-se à beira do caminho e, enquanto respira profundamente, observe a paisagem à sua volta. É um pôr-do-sol que te preenche de melancolia pela ausência da luz do dia? Uma grande tempestade assoma em sua direção? Você quer fugir dela? Quer perseguir o sol incessantemente por medo das trevas? Construa uma ponte! Não pode? Veja bem. Mantenha a cabeça erguida rumo ao céu e quando a escuridão da noite parecer aumentar você verá, uma a uma, brilharem as estrelas que jamais se fazem visíveis em toda sua beleza perante à luz do sol. As nuvens cobriram-nas? São densas e carregam raios perigosíssimos? Erga novamente a cabeça e sinta o toque curativo das gotas geladas de chuva prontas para lavar o seu rosto, assim como a sua alma. Inspirado pelas estrelas, revigorado pela chuva fecunda. Ambas trazidas a você pela escuridão da noite e a tormenta das nuvens. Assim você pode recomeçar, procurando outro caminho, ou se afastando com o objetivo de tomar impulso em seu grande salto! Como diz Epiteto em seu Enquirídio “a felicidade e a liberdade começam com a clara compreensão de um princípio: algumas coisas estão sob nosso controle e outras não. Tentar controlar ou mudar o que não podemos só resulta em aflição e angústia” (125 d.C., p. 21).

A vida é uma constante e a espécie humana é como um sútil e resistente vírus no organismo do planeta Terra: guerras, genocídios, cataclismos, pandemias. Quantas foram as adversidades enfrentadas ao longo dos últimos milhões de anos de nossa existência evolutiva? E ainda assim, o ser humano multiplicou-se mais do que nunca. Se estamos fadados a um movimento eternamente cíclico, ou se a possibilidade de uma super-ação geral de nossa consciência coletiva é possível, não posso garantir. E não estou aqui com esse intuito. Este é um excerto reflexivo e, se muito, terapêutico, mas não religioso. Não me atrevo. Apenas indico que uma mudança individual é possível, ainda que ela nunca seja completada.

Então não tema! E siga em frente! Conheça-te a ti mesmo! Pertença-te a ti mesmo! Ame-te a ti mesmo! Ainda que sempre à sôfregos tropeços naturalmente imposto pela vida! “Nós vacilamos, mas é preciso não se inquietar por causa disso, e não abandonar as novas aquisições” (NIETZSCHE, p. 156). A coragem não significa necessariamente a ausência de medo, a menos que seja a coragem dos tolos. Coragem significa antes, a habilidade de superar o medo, a angústia, o desespero.

Assim, avante no caminho da sabedoria, com um bom passo, com firme confiança! Seja você como for, seja sua própria fonte de experiência! Livre-se do desgosto com seu ser, perdoe a seu próprio Eu, pois de toda forma você tem em si uma escada com cem degraus, pelos quais pode ascender ao conhecimento (p. 179).

BIBLIOGRAFIA

EPITETO. A Arte de Viver: O Manual Clássico da Virtude, Felicidade e Sabedoria.

HUANG, Alfred. I-Ching: a edição definitiva pelo mestre taoista Alfred Huang.

NIETZSCHE, Friedrich. Humano, demasiado humano.

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Jhonatas Elyel
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PT: Escritor e historiador 🕰👨🏻‍💻 ENG: Writer and historian 👨🏻‍🏫⏳