Sobre o Conceito de Resistência

Jhonatas Elyel
Os Arquivos Jota
Published in
5 min readMar 19, 2022

Dando sequência à minha digressão do último post, gostaria de compartilhar com vocês uma discussão fortuita que me chegou de encontro quase casualmente através de uma publicação no Reddit. Inspirado pelo acontecimento de Washington, na última quinta-feira, um usuário dessa rede, identificado como Starza, compartilhou a oitava tese Sobre o Conceito da História, do filosofo e teórico Walter Benjamin, com o título: A análise de Walter Benjamin sobre o Fascismo é mais verdadeira agora do que nunca. Na oitava tese, lê-se o seguinte:

A tradição dos oprimidos nos ensina que o “estado de exceção” em que vivemos é a regra. Precisamos chegar a um conceito de história que corresponda a essa ideia. Só então surgirá diante de nós nossa tarefa, a necessidade de provocar o verdadeiro estado de exceção; e assim nossa posição na luta contra o fascismo melhorará. A hipótese de ele se afirma consiste em que seus adversários o afrontem em nome do progresso como se este fosse uma norma histórica. O espanto em constatar que os acontecimentos que vivemos “ainda” sejam possíveis no século XX não é nenhum espanto filosófico. Ele não está no início de um processo de conhecimento, a menos que seja o de mostrar que a representação da história donde provem aquele espanto é insustentável (BENJAMIN, p.13).

Se a instauração de um real estado de exceção pretendida por Benjamin prefigura uma meta única, um horizonte de expectativas, enfim, uma utopia determinista e universalizante, então seu valor é pouco. Não obstante, e prefigura um processo continuo — como parece implícito ao afirmar que graças a esse estado de exceção verdadeiro “nossa posição na luta contra o fascismo melhorará” — faz sentido. Sobretudo ao pensarmos em seu conceito de fascismo, em tudo diferente daquela formulação de um conceito que, nas palavras de Reinhart Koselleck “só pode enquanto tal ser pensado e falado/expressado uma única vez”.

Segundo o historiador alemão dos conceitos isso

“significa dizer que sua formulação teórica/abstrata relaciona-se a uma situação concreta que é única. Essa tese, defendida no seio dos historiadores da Época Moderna, custou-me críticas fulminantes, posto que, segundo argumentavam, se cada conceito só pode dizer respeito a uma única situação específica e concreta a qual ele designa, tornando-a pensável e inteligível, como então pensar uma história dos conceitos, uma vez que este caráter único do uso da língua invalidaria a possibilidade da escrita de uma história enquanto diacronia (KOSELLECK, p. 138)”.

Voltando para o debate que encontrei no Reddit acerca da tese, o autor, após indagado por algum usuário desentendido, deixou uma opinião interessante de ser reproduzida:

Parece que sempre tratamos o fascismo como algo do passado, então ficamos surpresos quando ele aparece repetidamente de várias formas. Isto nos leva a um “estado de emergência”, porque ignoramos que o fascismo esteve sempre presente até aparecer claro como o dia. E de fato, porque relegamos o fascismo ao passado e o ignoramos, damos espaço ao fascismo para respirar e prosperar. Se tivéssemos aprendido com a longa história de escravidão e opressão da humanidade, não teríamos sido surpreendidos de forma alguma.

Quando as pessoas agem surpreendidas com o reaparecer do fascismo, agem como pessoas modernas sofisticadas, porque o fascismo está até agora no passado para elas pessoalmente (pense em como os especialistas da CNN jogando suas pérolas aos apoiadores de Trump). Na realidade, eles são o oposto de sofisticados, são pessoas ignorantes que ignoraram tanto o passado quanto o presente ao seu redor. O único conhecimento que eles podem ganhar com esta surpresa é aprender o quão ignorantes eles têm sido, o quão falsa tem sido sua visão da história e do mundo.

A única maneira de derrotar o fascismo, ou pelo menos lutar efetivamente contra ele, é reconhecê-lo como uma ameaça verdadeira, imediata e existencial, e combatê-lo com unhas e dentes, provocando “um verdadeiro estado de exceção”.

Se tal conceito de fascismo nos parede aqui correlato à escravidão e a opressão como bem indica a “tradição dos oprimidos” com a qual Benjamin começa seu tópico, o “estado de exceção” parece figurar precisamente com a resistência que também perpassa toda essa história de escravizados, essa tradição de oprimidos. Logo, a resistência de hoje não termina com uma eleição, ela tão pouco se define pela dinâmica superficial do sistema democrático representativo e pelos processos eleitorais. A vitória do seu, do meu, ou do candidato dela não nos garante vitória alguma em um sentido concreto e efetivo. Nossa resistência não nasceu hoje, ou em 2018, muito menos em 2016. Nossa resistência é dialética. Candidato algum tem o poder de nos salvar, apenas nós mesmos — ainda que alguns espectros sejam óbvios. O Messias que não vem, já veio e vive em cada um de nós, em nossa capacidade de trabalhar constantemente pela construção não de um estado frio e monolítico,

“uma organização coletiva que mantém apenas a forma mas não o conteúdo daquilo que Hegel chama de Estado, um poder burocrático sem uma cultura, ou, pior ainda, um pseudo-Estado que usa este poder formal para destruir todo o conteúdo cultural e todo o desenvolvimento individual dentro dele” (HARTMAN, p. 29),

mas pela construção de um tempo vivo, de uma era rica em exceções.

O objetivo da história é este: a liberdade. E, nesse sentido, Hegel continua conceitualmente certo. Porém, seu erro foi a extrema abstração universalizante do conceito de liberdade. O objetivo da história é a liberdade individual em primeira instância. E tal liberdade não pode ser conquistada coletivamente, civilizatoriamente, aprioristicamente. Essa liberdade é psicológica e, portanto, deve ser conquistada constantemente por cada indivíduo, povo e tempo e a seu próprio modo.

Referências Bibliográficas

BENJAMIN, Walter. O anjo da História.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. A Razão na História.
KOSELLECK, Reinhart. Uma História dos Conceitos: problemas teóricos e práticos.
REDDIT. Water Benjamin’ Analysis of Fascism is as true now as ever. Disponível em: <https://www.reddit.com/r/CriticalTheory/comments/ksnq6u/walter_benjamins_analysis_of_fascism_is_as_true/?utm_source=share&utm_medium=ios_app&utm_name=iossmf>. Acesso em: 08/01/2021.

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Jhonatas Elyel
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