Orgulho é pouco, o que eu sinto ainda não tem nome

Matheus Freitas
Portfólio do Matheus
2 min readJul 28, 2019

O homem de 64 acorda com o toque irritante do alarme do iPhone e não sabe onde está. Ele estranha o celular que não para de tocar, a TV de 50 polegadas e a pia do banheiro que não tem ralo.

O homem de 64 não sabe o que está acontecendo e liga a TV para alguma dica. As cores fortes, o som alto, a mulher negra na bancada do jornal surpreendem, mas a notícia não deixa dúvidas: “Músico pode ser preso se fizer manifestação política em show.”

“Ufa, alguma coisa normal” pensa o homem de 64.

O homem de 64 se veste e vai até a rua. O trânsito assusta, o caos amedronta, a polícia em cada esquina faz falta. Numa banca de jornal, o homem de 64 para para ler as manchetes: .

Policiais e fiscais do TER entram em 17 universidades e apreenderam panfletos em defesa da democracia”

“Mestre capoeirista e militante negro Moa do Katendê é assassinado com 12 facas após declarar voto em candidato da esquerda”

“Crescem registros de agressões contra feministas, negros e LGBTs”.

O homem de 64 finalmente se sente em casa. O mundo pode estar mais barulhento, mais rápido, mais moderno. Mas os valores continuam os mesmos e, por enquanto, isso o traz paz. As coisas estavam quase mudando em 64, e parecem estar quase mudando nesse mundo que ele não conhece tão bem.

O que o homem de 64 não sabe é que a resistência também continua por aqui. O conservadorismo é real, a violência ainda mais, mas a gente já superou coisa pior.

Já resistimos à idade média, à inquisição.
Sobrevivemos à primeira guerra e a segunda com seu Parágrafo 175.
A gente tá quebrando a cara da AIDS.
Aguentamos até mesmo a era jazz da Lady Gaga e a RuPaul dar a vitória à Tyra Sanchez.

Talvez nesse final de semana seja eleito um cara que acha errado ser viado, entre várias outras coisas, e o homem de 64 vai se sentir confortável mais uma vez.

Muitos de vocês que estão ajudando isso acontecer acham que nada vai mudar pra gente, vocês dizem que estão votando contra a corrupção, pela segurança. Mas é muito fácil votar na arma quando você não é o alvo, né? Muitos de nós vão morrer, incluindo seus filhos, sobrinhos, amigos próximos, mas você não se importa .

Tudo bem, a gente resistiu a tudo isso, e vamos continuar resistindo. Sabe porque? Por que, como diz um amigo meu, é lindo ser viado 🌈

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