Da Universidade ao mercado de trabalho

Como eu saí do ambiente acadêmico e me identifiquei como Cientista de Dados

Catarina Pröglhöf
Porto
6 min readMay 8, 2020

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Cena do filme “Pocahontas” que representa meu sentimento: escolher entre dois caminhos

Vou utilizar este espaço para contar a minha experiência pessoal. Apesar de pessoais, contarei coisas que eu gostaria que alguém tivesse me falado quando eu estava na faculdade. Desta forma, espero ajudar algum futuro colega com estas questões que ninguém fala, mas todo mundo sente.

Eu, como muitos colegas, passei pelo estresse do vestibular e entrei na universidade - achando que todos meus problemas estavam finalmente resolvidos. Mas não foi bem assim.

Sou da segunda turma de Matemática Computacional da Federal de São Paulo. Tinha como espelho apenas meus veteranos (ainda não formados) e meus professores — que são os melhores! Eu não fazia ideia do que um Matemático poderia fazer, se não dar aulas. Vi muitos dos meus colegas mudando de curso ou mesmo desistindo.

Mesmo assim, persisti. Eu passei por tudo que um universitário pode passar: greves, professores incompreensíveis, longas horas de estudo, privação de sono, DP por poucos (ou muitos) décimos, algoritmos que não rodam, lista de espera na biblioteca, Iniciação Científica, voluntariados, listas e listas de exercícios, a comida do Restaurante Universitário. Tenho certeza que muitos se identificam. E tudo isto pra quê? O que eu faria quando tudo isto acabasse?

Mas, apesar de tudo, eu sobrevivi e me formei. Foi quando veio a grande questão: “E agora?”.

Pelas redes sociais, eu pude ver todos meus amigos do colegial já bem colocados como Trainee ou com uma boa colocação após o estágio que fizeram durante a faculdade. Outros, até já estavam trabalhando no exterior!

Mas, pra mim, era muito “óbvio” seguir o caminho acadêmico: eu me dou bem com os professores, já sei como é a rotina, gosto de estudar, vou fazer minha contribuição para a ciência — eu pensava. Então, me matriculei em disciplinas na pós-graduação, fiz pesquisas, conheci pessoas diferentes. Mas, ainda não era aquilo. Tive que fugir.

Fiz 6 meses de intercâmbio. Entre viagens, cuidar de crianças e conhecer uma nova cultura, continuei estudando — nunca pare de estudar! Voltei mais confiante e madura. Mas, ainda, quebrando a cabeça no mesmo tema: “Vou terminar o mestrado, é isso que eu sei fazer, afinal”.

Foi quando uma grande amiga comentou comigo sobre uma vaga em Modelagem na Porto Seguro — eu já tinha 1 ano e meio de formada. Eu até olhei a vaga. Precisava de formação em estatística ou matemática. Primeiro, fiquei surpresa por existir alguém procurando por alguém “nerd como eu”. Então, fui olhar os requisitos e desanimei. Quanta coisa eu precisava saber! Programação em SQL?! Não me ensinaram isso na faculdade. Modelos preditivos?! Ah, eu fiz uma disciplina sobre isso. Bateu a insegurança de chegar lá e descobrirem que eu não sei nada. Como ficaria meu orgulho?! Deve ter gente muito melhor do que eu por aí.

Recusei. Insisti que tinha que terminar meu mestrado. Mais seis meses se passaram e a frustração ainda continuava. Um dia reencontrei a minha amiga e ela me disse que a vaga ainda estava aberta. Quer saber, vou tentar.

Preparei um currículo simples e sincero, enviei e consegui. Passei nervoso na entrevista, fui humilde e disse quais eram minhas capacidades e o que ainda poderia aprender. Me perguntaram sobre a minha formação acadêmica, mas também sobre minha família e situações que eu já passei. Ainda assim, me surpreendi quando a resposta veio: “Está aprovada, parabéns, você pode vir semana que vem?”.

Vim. E foi a melhor coisa que eu fiz. Minha visão de universo mudou: todos aqueles épsilons e deltas contribuindo para um problema prático.

Toda aquela álgebra linear e cálculo que eu adorava, agora se convertiam em otimização de processos. Ainda precisava demonstrar qual era o ponto ótimo, mas agora o impacto era diretamente no bem estar dos nossos clientes! Eu, inclusive, conseguia explicar aos meus pais o que eu fazia no meu trabalho!

Inferência e regressão, toda a base de probabilidade que tive, estavam ali presentes todos os dias na precificação de um seguro. Esse impacto direto na vida das pessoas me motivou a fazer sempre o melhor modelo.

Descobri também que programar é como dirigir: se você dirige um carro, consegue dirigir qualquer um. Na faculdade eu usava C, Java, R e Matlab. Cheguei na Porto Seguro e aprendi “na marra” SQL, SAS e Python. Justifico o porquê das aspas em “na marra”. Não foi no desespero que aprendi. Meus líderes e colegas sabiam o quão “crua” eu estava, pois também já passaram por isso um dia. Todos me ajudaram. Eu podia fazer qualquer pergunta que paravam para me explicar — e isso acontece até hoje.

Eu aprendi também observando como trabalhavam. Eu precisava “entrar na cabeça” do meu cliente para explicar qual o impacto real daquilo na vida dele. Para o cliente, não interessa se usei GLM, XGBoost ou Redes Neurais, ele quer saber os ganhos do meu projeto. Esse fator humano não é ensinado na faculdade, é algo que se aprende vivendo. Portanto, vivam! Não bitolem tanto, aprendam tudo que puderem, mas, sejam sociáveis. O tempo que dediquei em trabalhos voluntários e as vivências que tive (lembram que na entrevista me perguntaram sobre minha família?) ajudaram a construir a capacidade que hoje uso diariamente na Porto Seguro.

Quem sou hoje? Uma Analista em Modelagem, que o mundo apelidou de Cientista de Dados. Um cientista, como sabem, pesquisa, faz novas descobertas, faz experiências, falha, corrige e aprende. E é bem isso que faço. Às vezes me sinto como que “dissecando” uma base de dados para extrair dali toda a informação presente. É realmente uma alquimia da informação. E tudo isso não seria possível sem a bagagem que trouxe dos sofridos anos de estudo e vivência na graduação e na pós-graduação.

Mais do que toda a técnica, gosto de reforçar que algo que a Universidade me ensinou foi a “aprender a aprender”. Como assim?! Aprendi que nem tudo vem pronto para mim, que eu preciso descobrir ou criar. Há muitos tópicos que não domino, porém, eu sei onde pesquisar ou a quem perguntar. Mais do que isso, quando eu assumo um projeto difícil, apesar de primeira sensação ser “ai, meu Deus, por que comigo?”, eu sei que sou capaz de encontrar a solução.

Eu ainda tenho o sonho de ser mestre. Estou correndo atrás disto e sei que é possível, pois muitos colegas meus são e, inclusive, alguns defenderam suas dissertações já empregados. Isso não me torna nem mais, nem menos do que eles. Trabalhamos em conjunto, discutimos constantemente soluções e pensamos em hipóteses para melhorar o bem-estar do nosso cliente e os indicadores da empresa.

Eu posso dizer que me encontrei na Ciência de Dados. Não foi fácil. Eu precisei de anos de estudo, alguém para me mostrar o caminho, humildade e muito apoio da empresa e dos colegas. Espero, sinceramente, que este texto sirva para ajudar a “cair a ficha” de alguns universitários e recém-formados por aí. Não desistam da Matemática! Ela vai muito além da sala de aula. Explorem tudo o que podemos fazer com todos estes épsilons e deltas. E, se precisarem, contem comigo! Desejo muito sucesso para nós.

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