Por que eu quero imigrar para o Québec

Como pretendo me mudar para a província mais irada do Canadá

Letuche
10 min readMar 12, 2014

Neste texto, não vou entrar no mérito de por que decidi emigrar do Brasil. O que importa é que eu resolvi me mudar para o Canadá e escolhi o processo de imigração de trabalhador qualificado para a província do Québec. Aqui me disponho a explicar por que optei por este processo.

Já faz algum tempo que venho pesquisando sobre o assunto e conversando com um casal de amigos que acabou de obter o visto de residência permanente no Québec. Hoje, tive a oportunidade de assistir a uma palestra concedida pelo Ministério da Imigração quebequense e consegui esclarecer todas as dúvidas que ainda me restavam.

Por que o Québec?

O Québec é uma província canadense com forte identidade definida: tem o francês como idioma oficial e uma cultura própria, que é muito valorizada e protegida pelos quebequenses. Mas o mais interessante é que, no caso do Québec, essa proteção não assume características xenófobas ou protecionistas, pelo contrário — o Québec acredita em ensinar seus valores a mais pessoas para preservá-los, e não fechá-los para o resto do mundo. O que, convenhamos, faz muito mais sentido. Esse é um dos motivos pelos quais a província oferece uma abertura espetacular a imigrantes: quanto mais quebequenses, maior a garantia da preservação da cultura local. O ministère de l’Immigration et des Communautés culturelles (MICC) quer que você vire um quebequense.

O Canadá tem um processo federal de imigração, com suas próprias restrições, mas as províncias têm autonomia para realizar processos específicos. Mesmo após já ter pesquisado o suficiente para me apaixonar pelo Québec, minha principal dúvida ainda era: será que é mesmo mais fácil imigrar para a província do que pelos outros processos disponíveis?

A resposta: para o meu caso, especificamente, sim. Mesmo eu não falando nada de francês. Isso se dá por um único motivo: o processo quebequense é o único que não restringe áreas de atuação profissional. Na maioria dos casos, como no do processo federal, ser um profissional de uma das áreas listadas como em demanda no país é pré-requisito para se candidatar à imigração. Embora também divulgue uma lista semelhante, no caso do Québec o candidato não precisa necessariamente se enquadrar em uma das áreas requisitadas para ser elegível, elas apenas têm pesos diferentes para a qualificação.

Portanto, no caso de um profissional como eu, que não tenho formação em nenhuma das áreas em demanda prioritária, a única maneira de obter um visto de residência permanente no Canadá é mesmo no Québec. (Se é também o processo mais fácil para os profissionais que têm, eu já não saberia dizer.) E, uma vez com o visto na mão, nada te obriga a trabalhar na área pela qual você se inscreveu e nem ao menos a morar necessariamente no Québec; você tem autorização para morar e trabalhar no Canadá, ponto.

Achei que essa placa em um parque de Riviere-du-Loup ilustra bem o espírito canadense e quebequense

55 pontos

É disso que você precisa para ser um quebequense. Sua elegibilidade para um visto de permanência no Québec é calculada através de uma equação bastante simples, que determina sua pontuação de adaptabilidade com base em uma tabela fixa. Somando sua pontuação em todas as áreas avaliadas, você precisa chegar a no mínimo 49 pontos. Passando de 55 pontos, é garantido: você vai receber o QSP (também chamado, em português, de CSQ, Certificado de Seleção do Québec). Não tem essa de entrevistador não ir com a sua cara e te recusar because of reasons ou esse tipo de história escabrosa que a gente costuma ouvir sobre vistos americanos, se você somou 55, está dentro.

Se a sua pontuação total ficar a até seis pontos do mínimo exigido (ou seja, se você somar entre 49 e 54 pontos), você tem direito a uma entrevista com um representante do Ministério da Imigração para convencê-lo na lábia de que merece esses pontinhos que te faltaram. É como uma colher de chá para quem não passou por pouco. Aí sim a coisa fica mais pessoal, e é muito importante mostrar que seu interesse no Québec é genuíno (adivinha em que língua é feita a entrevista?).

Se você chegar aos 55, o QSP vai chegar por correio no endereço que você forneceu no ato da inscrição, fim de papo.

O QSP é simplesmente um documento que comprova que a província do Québec te considera apto a viver lá, e te habilita à etapa federal do processo de imigração, que então será apenas a avaliação de antecedentes criminais e exames de saúde. A etapa de seleção quebequense leva em geral em torno de 2 anos e a federal, entre um ano e um ano e meio. Ou seja, o processo todo leva no mínimo 3 anos.

Como calcular sua pontuação

Apesar da demora e da burocracia (que são na verdade bem pequenas, em comparação com acho que todos os procedimentos de imigração de que já tive notícia), portanto, é um processo bastante simples, uma equação de soma. Com a tabela de pontuação em mãos, dá para saber exatamente quais são as suas chances e em que você precisa investir. O site do MICC tem até um simulado online gratuito para você ter uma ideia em poucos minutos de quais são as suas chances no momento.

Vou me usar como exemplo: eu sou (quase) graduada em Comunicação Social. Isso me daria 10 pontos pelo nível de formação e 2 pela área de atuação. Qualquer diploma reconhecido pelo Ministério da Educação brasileiro é considerado igualmente no Québec, sem necessidade de validação, certificado de equivalência ou coisa parecida, e o que determina sua profissão é o que está no seu diploma. Não interessa aqui o fato de eu ser redatora, de atuar no mercado editorial nem de trabalhar com mídias sociais, o que tem relevância é que sou bacharel em uma área da seção D. Então não, não dá pra forçar que você é um profissional de TI (uma das áreas mais requisitadas) só porque faz bico consertando computador na vizinhança.

Seguindo a tabela, tenho mais de dois anos de experiência profissional comprovada e menos de 35 anos de idade, e essas duas características me garantem mais 24 pontos. Dos idiomas, só domino o inglês — 6 pontos considerando que eu mande bem no IELTS (o TOEFL não é aceito). Nunca fui ao Québec, não tenho família lá nem cônjuge ou filhos. Também não tenho uma oferta oficial de emprego lá, então acabaram meus pontos: são 42.

Ainda não dá nem para chorar na entrevista, então o que me resta é correr atrás de mais pontos. Como não pretendo me casar nem ter filhos em um futuro próximo, minhas opções mais palpáveis (conseguir uma proposta de emprego lá ainda estando aqui e sem visto é muita utopia) são investir em formação e no francês. Estudando, tenho mais 16 pontos para ganhar no idioma e 12 se eu fizer um mestrado (apenas diplomas stricto sensu são considerados como pós-graduação, então uma pós lato sensu ou um desses MBA de brinks que tão na moda aqui no Brasil não adicionam ponto nenhum à graduação).

Le français est la langue officielle du Québec

Sim, cara, você vai ter que aprender francês. É a língua oficial do Québec e o símbolo maior da cultura que eles tanto querem preservar, portanto, para ser um (a) quebequense — ou melhor, un (e) québécois(e) –, você precisa falar o idioma local. Não é à toa que esse é um dos aspectos com o maior peso na contagem dos pontos para a seleção. E, afinal, se você for mesmo morar lá, vai precisar se comunicar com as pessoas. A maioria fala inglês e é receptiva a estrangeiros, mas não me diga que você quer ser o babaca que fixa residência em um país e não faz nem questão de aprender a língua dele, que eu vou dar na sua cara.

Dito isso, esclareço que não é impossível obter o QSP sem saber francês. Um enfermeiro experiente, com menos de 35 anos, que já trabalhou no Québec, tem família lá, cônjuge com doutorado, dois filhos e obteve 9 no IELTS já tem a pontuação necessária para passar. Mas, putz, que caso específico. De qualquer maneira, enfermagem é uma das profissões que exigem aprovação do conselho regulamentador local para serem exercidas; aprovação esta que envolve um teste de proficiência em francês, claro. Ou seja, se você for o enfermeiro do exemplo, já pode juntar a papelada para enviar ao escritório do governo quebequense no México (é, tem um em São Paulo, mas não trata de imigração) que o seu QSP tá garantido. Mas usa esses três anos que o seu processo vai levar para aprender francês, caramba.

Paciência, gafanhoto

Mudar de país não é mudar a marca de pó de café (o que já não é uma decisão fácil). Vai demorar, vai exigir muito esforço e investimento. Financeiro, inclusive: fora todo o custo evidente de uma mudança para outro país, você vai precisar pagar taxas caras em dólares canadenses tanto na etapa quebequense como na federal, algumas das quais só podem ser feitas através de um cartão de crédito internacional (a palestrante, Perla, falou que o principal motivo para recusa de dossiês de brasileiros é o cartão não passar, ê laiá). Cursos de francês também não são baratos, e o nível mínimo que você precisa obter no teste de proficiência é o B1, intermediário avançado. Os testes de proficiência, aliás, também são pagos, mon cher, e você vai precisar ainda de no mínimo um 5 (intermediário) no IELTS. Com menos do que isso, seus idiomas não estão contando pontos. E caso você esteja se perguntando, sim, os testes são a única forma de comprovar seu domínio do idioma, o diploma do cursinho não vai te ajudar aqui.

Você também não pode chegar lá com uma mão na frente e outra atrás: o MICC recomenda que um solteiro tenha uma quantia de aproximadamente R$ 6 mil em fundos disponíveis, o valor estimado para viver de boa lá por três meses, caso você demore a conseguir um emprego. Essa média, inclusive, é uma excelente dica do custo de vida e da empregabilidade locais, já que, apesar de ser só uma estimativa, dá pra gente concluir que se calcula que um imigrante geralmente não leve mais de três meses para arrumar trabalho e consiga sobreviver confortavelmente com dois contos por mês. Não é por nada não, mas soa bem mais tranquilo que o Rio de Janeiro, pelo menos. Agora uma informação que eu também não sabia: parece que esses fundos não são, digamos assim, obrigatórios. Nas palavras da Perla, são uma responsabilidade muito grande do imigrante (afinal, se você chegar lá sem nada e não arrumar emprego correndo, você tá por sua conta e risco e é claro que a intenção do MICC não é importar mendigos). Pelo que eu entendi, você não vai precisar suar muito para comprovar essa renda, mas tem que ter.

Calma, as normas não mudam o tempo todo, se matricular agora no francês não vai ser um tiro no escuro. Muita gente pensa que a lista de profissões em demanda, por exemplo, muda com frequência. A palestrante disse que não é assim: houve uma mudança recente, em julho de 2013, mas não é como se isso fosse mudar de novo a qualquer momento, não. Ou seja, dá pra contar que a sua área esteja lá bonitinha no mesmo PDF daqui a dois anos, numa boa.

La fin heureuse

(Vou quebrar o teu galho: isso aí quer dizer “o final feliz”.)

Constatou que a sua pontuação deu pro gasto? Fez todos os testes de proficiência? Agora, sim, começa a papelada. Você vai ter que juntar todos os seus documentos, providenciar traduções juramentadas para todos, pagar a taxa de solicitação e mandar tudo lá pro México. Eles vão analisar tudo, passar o seu cartão (pelo amor de deus, olha esse limite) e determinar se você foi ou não selecionado. Se você passou tranquilão, o QSP vai ser enviado para a sua casa. Se ficou raspando, vão marcar a sua entrevista aqui no Brasil.

Depois vem a etapa federal, que é basicamente verificar seus antecedentes criminais e saúde. Você tem que ter a ficha limpa e fazer alguns exames que vão te pedir. Feitos os exames, o visto sai rapidinho (por que eles levam entre um ano e um ano e meio nessa etapa, não me pergunte).

Com o visto na mão, você tem cerca de um ano para se pirulitar para o Canadá, ou ele pode expirar. Por isso, é muito importante estar com tudo planejadíssimo de antemão, como onde você vai ficar, o que vai levar, se o seu animal de estimação vai junto (ele não precisa de um visto, mas a companhia aérea vai te dar trabalho) etc. Daí, se você passar dois anos completos em no máximo cinco no território canadense, tudo certo, seu visto de residência permanente no Canadá vale pro resto da vida. Após três anos de residência fixa, você também pode pedir a cidadania. A única diferença é que só com a cidadania você pode votar e ter passaporte canadense, de resto, com a residência você é um cidadão canadense como qualquer nativo. (Mas se você quiser ser o babaca que fixa residência em um país e não faz nem questão de votar nos governantes locais, eu vou dar na sua cara também.)

Aí tem até umas formalidades que eu ainda não entendi direito como funcionam mas achei que parecem divertidíssimas, como jurar fidelidade à rainha da Inglaterra. Fazendo isso, inclusive, parece que você tem o direito de pedir uma foto da rainha especialmente pra você! Ah, sei lá o que você vai fazer com a foto; eu, pelo menos, se tiver direito a uma injeção na testa, vou querer a minha.

Você é bem-vindo no Québec

Curtiu? Mete a cara: futuca o site do MICC que tem tudo lá, muito explicadinho. Só ali já dá pra sacar o quanto você é bem-vindo no Québec. Outro link bacana é o portal Canadá para Brasileiros, fundado por dois irmãos daqui que se estabeleceram em Vancouver e hoje tocam uma agência de intercâmbio de brasileiros para o Canadá. Lá tem muita informação específica acessível mesmo para não-clientes, blog, podcast e fórum. Tá sem grana para começar um curso de francês agora, como eu? Use o Duolingo, procure áudios do método Pimsleur (não fui eu que te contei isso, mas tem cursos completos no Pirate Bay), assista filmes, séries, leia livros infantis, quadrinhos, mexa-se! Lembrando que eu não sou nenhuma especialista, sou só alguém que leu uns artigos e assistiu uma palestra. Procure as informações oficiais nos canais oficiais, e se tiver palestra na sua cidade, assista, vale a pena.

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Letuche

em nome da mãe, da filha, e do espírito de porco