História da Cooperativa Chico Mendes é uma lição que tiramos da economia circular

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5 min readDec 11, 2017

A cooperativa usa há 18 anos o que é considerado lixo para transformar a vida dos moradores de São Mateus, zona leste de São Paulo

Um padre da época e o lema “Sem trabalho… Por quê?” da Campanha da Fraternidade (da Igreja Católica) impulsionou a criação da Cooperativa de Trabalho com Materiais Reaproveitáveis e Recicláveis Chico Mendes em 1999. “Ele [o padre] dizia que lá nas Filipinas deu muito certo uma cooperativa de reciclagem como economia solidária para as pessoas desempregadas. ‘Se deu certo lá, ia dar certo aqui’, foi minha resposta ao padre”, conta Dulce Alves de Andrade, 66 anos, fundadora da cooperativa. Além do desemprego, as grandes enchentes que ocorriam no Rio Aricanduva, um dos principais afluentes do rio Tietê, instigou o trabalho da Chico Mendes.

Dulce Alves de Andrade, fundadora da Cooperativa de Reciclagem Chico Mendes

O início foi no bairro de Vila Velha, dentro da zona leste, em um espaço emprestado. As 33 comunidades católicas da região contribuíam levando materiais recicláveis nas missas ou separando nos pátios das igrejas. A coleta era feita por um fusca azul adaptado a uma carreta. “Começou de um jeito lindo, tinha só filé!”, diz Dulce. Além do fusca azul, havia também uma balança e uma prensa, todos com o dinheiro doado pela igreja.

Nos anos 2000, a cooperativa ganhou como benfeitoria do Dom Pedro Luiz, bispo da região, um pedaço de terra para a construção da sede da cooperativa. Devido ao roubo das máquinas, tudo teve que ser mudado, hoje no lugar se encontra o CEU São Rafael e, após a sua construção, a Prefeitura entregou próximo dali um novo lugar pronto para ser construído. À base de mutirão, os planos começaram a sair do papel.

“Fizemos bingos, quermesses entre outras coisas para ter R$ 15 mil, com esse valor dava para construir até o banheiro. Graças ao Pe. Jaime, que conseguiu contatar uma ONG espanhola que financiou o restante, até um caminhão”, conta Dulce. A sede ficou pronta em 2004, no Dia Internacional da Mulher, 8 de março, e inaugurada oficialmente um ano depois com a compra do primeiro caminhão, também azul.

A consciência de dar o mínimo

No setor das cooperativas, o perfil da grande maioria dos trabalhadores destaca-se pelo analfabetismo, pessoas com problemas de ordem familiar, a falta de capacitação profissional, ex-presidiários e pessoas que já foram ligadas a vícios e/ou a tráfico de drogas e que não conseguem outra atividade de remuneração.

Incluída nesse cenário, a cooperativa Chico Mendes conta atualmente com 53 pessoas. Seu objetivo principal é fazer uma administração transparente para que não falte o mínimo para todos e Dulce garante: “Na Chico Mendes, ninguém ganha menos de um salário mínimo. A mesma coisa vale para os direitos trabalhistas como: 13º salário, FGTS e licença maternidade”.

Nos últimos anos cresceu a preocupação com a escolaridade dos colaboradores, pensando nisso, Dulce iniciou o projeto “Educação para Adultos” inspirado pelo pedagogo Paulo Freire. Todos os dias após o período de trabalho, uma professora voluntária dá aulas de alfabetização para todos os cooperadores. “Eles estão amando! Tem sensação melhor do que você trocar o carimbo do dedo pelo seu nome, escrito por você, no RG ou na conta bancária?”, diz Dulce sobre a aprovação dos cooperados.

Um novo olhar para o futuro

Criada em 2010, a PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos) impõe limites para as empresas e suas fábricas sejam mais responsáveis em relação aos resíduos sólidos gerados. Uma ferramenta interessante é a economia circular, uma opção de compensação ambiental, que transforma o conceito de “lixo” e assim, os recursos sólidos deixam de ser descartáveis e passam a ser renováveis em um novo ciclo.

A cooperativa de Dulce é uma das 110 cooperativas beneficiadas pelo trabalho pioneiro da Eureciclo — uma empresa que certifica o trabalho de reaproveitamento de materiais sólidos das empresas, conhecido como política reversa, para ter certeza que o material está sendo destinado corretamente e ao mesmo tempo remunera as cooperativas pelo material reciclado.

Fundada em dezembro de 2014, o “selo Eureciclo” conta com 100 marcas engajadas em uma reciclagem sustentável e, só em quatro meses de atuação, fomentou mais de 400 cooperados, que foram remunerados pelos serviços de reciclagem.

Daniele Tadeu, gerente de comunidades da Eureciclo, fala o diferencial da empresa:

“Em comparação com as outras empresas de logística reversa, nós [da Eureciclo] somos a única empresa que remunera em dinheiro as cooperativas. Essa remuneração e certificação pelo serviço ambiental (triagem do material) o Estado não cobre, descobrimos essa brecha e resolvemos trabalhar ela.”

Conheça mais sobre a reciclagem no Brasil e o trabalho da Eureciclo

“Eu acredito que engrossa o ‘caldo’ da cooperativa. Nós já temos o dinheiro da venda, mas não é tudo e não cobre as despesas. Com o dinheiro que vem da política reversa da Eureciclo, nós podemos manter o nosso fundo”, diz Dulce sobre os 10% dos ganhos da cooperativa que é reservado ao um fundo de reserva, que em anos nunca foi mexido.

O cenário de hoje

Coletando de três distritos da zona leste (São Rafael, São Mateus e Iguatemi), por mês a Cooperativa Chico Mendes produz 90 toneladas comercializadas, Dulce afirma que há capacidade de produzir mais, mas infelizmente a quantidade de rejeito de material é grande. “Falta agregar educação ambiental nas escolas, a DRE (Delegacia Regional de Ensino) daqui gosta do trabalho que fazemos, mas ainda há resistência por parte da Prefeitura em aderir. Precisamos ter noção: O lixo que não chega aqui está nos aterros, lá não é lugar deles!” diz Dulce.

Daniele acredita na difusão do conhecimento: “Todos são responsáveis pelos resíduos gerados e seu papel no mundo. O trabalho da Chico Mendes é uma grande forma de ajudar a difundir e engajar as pessoas a fiscalizar o cumprimento das normas estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos. Dessa forma, toda a sociedade pode se beneficiar.”

Escrito por Leonardo Nunes, 20 anos, estudante de jornalismo e apaixonado por caminhos e as dúvidas do caminho.

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