A história do Sul Global

Anna Denardin
POSSIBLE FUTURES
28 min readFeb 15, 2021

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Nós vivemos em uma era de destruição civilizacional. De cidades consumindo natureza. O colapso do Sul Global é também da Mãe Terra. Vivemos uma crise espiritual, um colapso de consciência da crise. Colapso de lideranças globais. Mas mesmo quando uma decadência ocorre, novas chances surgem. Novas plantas crescem. Na intersecção da tecnologia e regeneração, usando a linguagem e plataformas dos colonizadores para descolonizar o futuro.

Os primeiros diálogos do POSSIBLE FUTURES foram realizados no TEDxGRC em 17 de outubro de 2020, com três painéis: A História do Sul Global, Descolonização e Pluriversalidade e Regeneração.

Sahana Chattopadhyay:

E sejam bem vindos ao painel de hoje sobre possíveis futuros. Nós optamos por estabelecer diálogos para assim trazer o multiverso de histórias e narrativas advindas do Sul geográfico e metafórico. Essas histórias não ouvidas, não vistas, desconhecidas, falhadas e frequentemente não reconhecidas. As histórias aprisionadas. Histórias que espreitam nas dobras e fraturas da nossa civilização moderna esperando para serem contadas.

Sentimos que apenas através de diálogos podemos coletivamente reimaginar um futuro que funcione para todos. Diálogos nos oferecem oportunidades de entrelaçar e entretecer as inúmeras maneiras de ser, ver e saber. E ainda os diálogos nos salvam dos perigos de uma história única. Diálogos nos oferecem espaços para co-sentir e ouvir uns aos outros.

Quando ouvimos com ternura feroz e radical, só então conseguimos realmente sentir o que é querer emergir. Nós não temos as respostas. Nenhum de nós realmente têm. O que estamos oferecendo são algumas humildes conversas.

Conversas, e diálogos, que giram ao redor das nossas feridas, esperanças e de nossas curas. E nós convidamos vocês, espectadores, a fazerem parte dessas narrativas trazendo suas próprias histórias para co-criar futuros possíveis.

Convidamos vocês a continuar recebendo essas brilhantes tapeçarias de imaginação coletiva. Acreditamos, também, que essa seja só o começo. Nós queremos e esperamos crescer tais espaços para diálogos generativos, com ternura radical, amor renovado e reverência. Reverência para todas as formas de vida. Humana e além de humana.

E vamos contar mais uma história. Vamos trazer mais uma voz. Vamos imaginar um mundo em que muitos mundos caibam.

Então esse é só o breve contexto dos painéis dos quais faremos parte.

Obrigada.

(interlúdio: birdsong)

Anna Denardin:

Olá a todos, bem vindos ao primeiro painel dos POSSÍVEIS FUTUROS denominado a História do Sul Global. Percebam que trouxemos nosso título “a história do sul global” propositalmente no singular como uma provocação contra as narrativas hegemônicas hierarquizadas e estruturadas.

O que queremos aqui é dar espaço para a diversidade de narrativas que tecem nossas histórias, as histórias que vemos como as sementes de encontro, os impulsos para o fluxo da sabedoria que vem do passado, e formas de preservar e transmitir a verdade do mundo.

Queremos trazer histórias como estratégias de transfiguração coletiva que unam sujeitos através da linguagem, através do desejável poder de criar mundos, os quais atuam como respiros na cartografia do presente em que a vida se asfixia, como um sopro de vida para a co-criação de futuros possíveis, como Ailton Krenak, líder indígena e pensador brasileiro, diz “⁠A minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sempre poder contar mais uma história. Se pudermos fazer isso, estaremos adiando o fim.”

E para falar um pouco mais sobre o poder das histórias, estamos hoje aqui na presença de duas pessoas incríveis, Ninawá Huni Kuin, líder do povo indígena Huni Kuin — e Renato Constantino, com quem conversaremos mais tarde. Ele é o diretor-executivo do Instituto para o Clima e as Cidades Sustentáveis. Então iniciaremos agora nossa conversa com o Cacique Ninawá. Ninawá, por favor apresente-se e conte para nós um pouco sobre o povo Huni Kuin.

Cacique Ninawá:

[música indígena]

Meu nome é Ninawá. Eu sou o líder do povo Huni Kuin. Sou Huni Kin, sou atualmente o presidente da Federação do Povo Huni Kuin no estado do Acre, sou dos Huni Barinakiá no meio Hidi Kida, no município de Feijó, no Acre, região norte da Amazônia brasileira.

É com grande honra que eu quero agradecer ao Grande Espírito e vocês pelo convite, parabenizar vocês pela realização da história do Sul Global, eu acredito que é uma ação fundamental que deve continuar acontecendo para aproximar pessoas das histórias e realidades que vivenciamos no mundo atual, nós precisamos estar em constante comunicação. Muito obrigado pelo convite e estamos aqui para ajudar vocês com o que vocês chamam de Socon auchaus.

Anna:

Muito obrigada Ninawá por ter aceitado esse convite, será muito valioso e lindo poder ouvir você contribuindo com o nosso diálogo. Bem, então a primeira pergunta é juntando o que você já disse sobre conexão espiritual com a natureza. Um dos objetivos do nosso evento é trazer esse diálogo sobre o que é regeneração para o Sul Global, e povos indígenas têm essa ligação muito forte com a terra, a qual persiste apesar de séculos de colonização e repressão da sua cultura. E eu adoraria ouvir você falar mais sobre essa conexão profunda com a terra e a natureza.

Chief Ninawá:

Então, o povo Huni Kuin, como eu mencionei antes, é um povo que protegeu o conhecimento tradicional, os costumes da tradição. Um deles é o de não perder a essência das nossas origens, de onde viemos, o que temos como missão de fazer nessa terra e para onde nós vamos. Essa é uma missão que temos como povo da floresta. Um dos exercícios que tem sido feito dentro da tradição Huni Kuin é manter esse autoconhecimento passando para gerações futuras. Hoje em dia temos a maior parte da população Huni Kuin formada por jovens, então temos muito poucos idosos ainda entre nós e eles são nossas bibliotecas vivas, nossas universidades, eles são nossos mestres que ainda mantêm em nosso meio nossa experiência com a natureza, e também nos consideramos parte da Mãe Natureza, e acreditamos nesta força para a recuperação do que a natureza nos oferece. Meu avô costumava me dizer que nós não sabemos nada, nós somos apenas parte da natureza, quando a natureza nos permite saber algo, mesmo que seja um pouco sobre ela, nós começamos a aprender a usar essa sabedoria para fazer coisas boas também. Por exemplo, o uso da medicina tradicional Huni Kuin é uma conexão espiritual direta, não é qualquer Huni Kuin que pode colher o remédio, algum pode até saber e colher o remédio, mas não é qualquer um que pode fazer a conexão com o remédio para que seu uso alcance seu objetivo, para conseguir usá-lo, coletar o remédio, a pessoa deve estar saudável, pelo menos mentalmente, fazendo essa ligação desde que pensou em colher o remédio. Quando fizer isso, quando for colher o medicamento, falar com ele na sua língua, para o que serve o que você vai fazer, é quando ele permite que você o encontre no meio da floresta para colher e alcançar seus objetivos com um chá, ou com um banho, ou fumar, ou colocar nos seus olhos, resumidamente, você deve estar conectado com ele. Caso contrário, se alguém simplesmente for atrás dele, até mesmo um Huni Kuin pensando que “ah, eu sei onde tem uma planta medicinal na floresta e eu só vou buscá-la” não vai funcionar. É improvável que ele ache aquela planta medicinal ali, porque ele a tornou trivial, ele simplesmente foi lá para colhê-la, ele não se preparou previamente para poder chegar até o remédio. Então, eu estou dando para vocês um exemplo do que é essa visão do mundo e como é essa conexão real do povo Huni Kuin com a natureza. Para o nosso povo não há diferença entre humanos e natureza, nós não achamos que uma árvore é melhor ou pior que nós como seres vivos, como seres humanos, como elas são! Nós não concordamos quando dizem que somente nós humanos somos racionais. Na nossa visão de mundo, no nosso entendimento tradicional, não existe isso que somente o homem é racional, se fosse assim, você imagina como uma árvore produziria fotossíntese que é o ar que respiramos, como se formaria um formigueiro ou uma colmeia de abelhas formaria o mel? Como poderia uma abelha fazer isso, por exemplo, se não existe razão? Então existe um grande egoísmo humano de acreditar que só o homem é racional, ou que só o homem sente dor ou é feliz, ou que só o homem sofre, certo?! Então essa é uma das formas que o povo Huni Kuin tem uma conexão com a natureza, de não pensar simplesmente que a natureza é um rio que tem sua água potável ou que é só uma floresta que é linda em pé ou só um solo que produz batatas para a nossa comida. Não, a Terra é sagrada, a Terra ouve, a Terra sente, sofre, sente dor e alegria também. Quando uma terra se sente feliz, é quando se planta alimentos e ela fornece comida de qualidade, cachos de bananas grandes, batatas e mandiocas muito grandes, assim a terra está feliz e está se sentindo saudável. Quando você planta, por exemplo, em um solo que já está totalmente degradado, dificilmente terá frutas saudáveis ou alimentos saudáveis, porque aquela terra, aquele território, já está doente, então a conexão que nós, nosso povo, temos com a natureza, assim como a nascente de um riacho, de um rio, de uma lagoa, quando você polui essa nascente, aí ela para, ela perdeu sua vida porque está poluída, então se torna um ambiente doente ou até morto.

Então, as vezes nos perguntam qual é a nossa religião, nossa crença, e aí nós falamos que somos um povo nativo, nós temos uma cultura, uma espiritualidade que eu acredito que é o que todo ser humano e todos os seres vivos poderiam ter dentro dos seus corações, não simplesmente para acreditar em uma denominação religiosa ou em uma placa ou em um CNPJ, temos que desejar ter espiritualidade independente do espaço em que estejamos e respeitando o espaço do outro. E a natureza é o grande universo, não é simplesmente a Floresta Amazônica ou a floresta Africana ou outros biomas, a natureza é o universo. Nós temos o dever de fazer essa conexão com o universo. Uma coisa muito bonita é quando você acorda de manhã, primeiro você agradece nosso grande espírito por outro dia expirado, e por começar outro, e quando você pode, quando você pode parar um minuto da sua vida e ouvir os pássaros cantando de manhã cedo. Isso não é tão bonito? Essa é a conexão que nós temos que ter, ache o seu pássaro aqui, que ele está cantando para você ouvir. Como é bonita a natureza quando você está em uma cachoeira que você consegue ouvir as águas caindo, ela está falando bem ali, passando para você uma mensagem de beleza que é uma cachoeira. Quando você olha para o sol e olha dentro de uma floresta e vê o verde, o cheiro das flores — essa é a conexão saudável, a natureza não pode ser vista como mercadoria, ninguém pode comercializar natureza.

Hoje nós vemos fóruns internacionais de todo mundo discutindo represas. Nós deveríamos saber que quando construímos uma represa em um rio, como a de Belo Monte por exemplo, ela está obstruindo uma das veias da Mãe Terra! Você sabia que ela sofre quando eles fazem isso? É o mesmo que cortar uma veia no nosso pulso, por exemplo, se não cuidarmos, não fizermos um curativo, não tomarmos antibiótico, vai infeccionar e nos causar muitos danos. Isso é a Mãe Natureza. E quando simplesmente pegamos as árvores que têm 400, 500, 800 anos produzindo oxigênio para a toda a humidade, produzindo raízes, quando simplesmente tiramos elas para construir uma mobília, um móvel com muita madeira, imagine como isso impacta nas gerações futuras. Você consegue imaginar que quando eles prospectam petróleo no subsolo o petróleo é como o líquido dos nossos nervos, por exemplo, das nossas articulações, quando dobramos nossos braços, nos cotovelos, temos líquido ali que faz esse movimento, e assim é o óleo da Mãe Terra, os minérios da Mãe Terra, quando você os remove, você não consegue imaginar o dano que causa. Não é apenas um dano material que contaminou um rio, mas também um dano na cosmologia de nossas tradições, um dano espiritual porque é um líquido sagrado que está sendo retirado para gerar lucro.

Então essa é a conexão que temos com a natureza, em resumo isso significa que a natureza não é uma parte diferente de nós, e nós não somos uma parte diferente da natureza, nós somos a própria natureza, é uma responsabilidade comum de cuidarmos na natureza, o homem só quer tirar, sem devolver nada, restaurar alguma coisa para a natureza, e temos um projeto na nossa comunidade que chamamos “plantando uma árvore para a natureza” e um dos convites que estamos fazendo, que estamos sempre fazendo, é vamos plantar uma árvore, não importa se é no seu quintal, na praça da sua cidade, na beira da estrada, é algo que nós somos, é o mínimo que podemos fazer para restituir a Mãe Natureza que nos deu tanto, oxigênio, água, ar, a comida que vai para nossa mesa todos os dias faz parte de nós mesmos porque faz parte da natureza.

Temos que pensar nisso todos os dias, porque nós precisamos fazer uma reforma educacional na humanidade, uma reforma educacional realmente humana, não só nas universidades e escolas. Então isso, isso é um pouco do que eu e o povo Huni Kuin podemos contribuir, a partir do que temos visto, e analisado da nossa conexão, que para nós é a conexão com a natureza, como nos relacionamentos com ela, como acreditamos que isso pode ser saudável para nossas gerações e no momento temos de agir em relação a tudo isso.

Anna:

Isso mesmo Ninawá, e algo muito bonito que você disse é isso, essa visão da natureza como viva, e muitas das histórias sagradas, as canções, os rituais e as danças dos povos indígenas têm esses elementos da natureza intrincados na sua história, e essas formas de passar o conhecimento de geração em geração, como você vê a importância disso para a manutenção da cultura do seu povo?

Cacique Ninawá:

Então, como você mencionou, só para lembrar uma pergunta que me fizeram uma vez, o que você acha das florestas derrubadas? Não existe florestas derrubadas, quando cortam uma floresta, ela está morta, ponto. A floresta apenas existe quando está em pé, e o que fizemos para enfrentar tudo isso? Temos poucos anciões, e os anciões são as partes mais importantes da nossa tradição hoje. Sem nossos anciões, sem a transmissão destes conhecimentos tradicionais para as gerações futuras, nós seremos apenas seres humanos, seres humanos que continuarão a viver sem cultura, e para evitar isso temos trabalhado no plano de educação, no programa de educação interno Huni Kuin, com a ideia de fundar o centro de treinamento Huni Kuin, que são ações que vêm sido realizadas há muitos anos transferindo o conhecimento tradicional dos anciões para gerações futuras e nesse momento, dobrou, triplicou, o número de jovens que tem se interessado em resgatar, em receber a transferência dos saberes tradicionais dos anciões. Essa universidade que pretendemos criar, já possui nove áreas de formação que são a língua materna, as pinturas sagradas, as músicas sagradas, os alimentos, o modo de alimentação sagrada, as dietas, enfim, nove áreas de instrução que são justamente para passar o conhecimento dos mais velhos para os mais novos. Hoje em dia, a educação ocidental trazida para dentro da comunidade, não temos mais como nos livrar porque hoje em dia nos globalizamos e estamos inseridos no discurso, até se não participamos diretamente, estamos inseridos no discurso de transformação do universo, do planeta das pessoas, são essas mudanças que as vezes são muito radicais para nós, então as escolas são para nós uma faca de dois gumes, ela nos ensina e também nos prepara para enfrentar o mundo exterior, mas as vezes já está tentando ultrapassar nosso conhecimento tradicional, como o exemplo citado, uma formação de duas cobras grandes cada uma querendo engolir o conhecimento da outra, que era a educação, e isso foi feito a partir do reflexo dos professores, e tivemos a ideia de criar esse centro de formação que ensinará especificamente a partir da tradição e servirá no futuro para pessoas que também queiram pesquisar, e esse conhecimento é passado de geração em geração através da prática do uso de medicamentos tradicionais e um deles é o lixipud, o lixipud que é conhecido mundialmente como ayahuasca, como Santo Daime é um medicamento originado dos povos indígenas da America do Sul, e um dos povos que o utiliza é o povo Huni Kuin, que tem trabalhado muito para fortalecer a medicina do lixipud no rapé dos banhos, no chá, nos cantos, nas orações que fazemos, que são conhecidas como aquelas rezadas nos momentos sagrados de usar a medicina para curar, para fortalecer o conhecimento e expandir o conhecimento, e isso é feito constantemente nos territórios Huni Kuin e também é feito com o que chamamos samokiá samokiá, que são dietas sagradas, para que esses jovens se fortaleçam e se preparem para fazer uso das medicinas sagradas. Temos outra prática que é o canto, o canto é hoje a transmissão, uma das transmissões do conhecimento para os jovens, então os cantos não são só melodias ou belos ritmos de canto, são palavras sagradas ditas no momento do canto, então cada palavra dita ali tem um significado, tem um diálogo ou um certo remédio ou uma certa espiritualidade, então hoje em dia é essa a forma que fazemos e pretendemos manter por mais centenas de anos sem deixar que enfraqueça.

Hoje os jovens Huni Kuin que estão dentro da floresta Amazônica sem comunicação, estão fortalecendo seus conhecimentos, da mesma forma que os jovens que saem da floresta para ir para a Universidade estudar também estão no mesmo ritmo, mantendo, se fortalecendo através de encontros de jovens para não deixar enfraquecer ou mesmo deixar o conhecimento ocidental engolir o conhecimento tradicional do nosso povo, então é assim que tem sido trabalhado ultimamente e é o que chamamos de governo do povo Huni Kuin e é isso que é esse governo, administrar nossas ações territoriais, seja dentro da floresta ou nos perímetros urbanos da cidade no território onde estamos habitando, tentando fazer dar certo, o governo do povo Huni Kuin.

Anna:

Ah, muito bonito. Muito valioso ouvir você Ninawá, eu te agradeço muito por ter aceito nosso convite. Eu acredito que foi curto, mas pude trocar muitas coisas importantes e eu agradeço muito.

Anna:
E agora vamos continuar a conversa com Renato Constantino e eu vejo você em um instante.

Red Constantino é o diretor-executivo do Instituto para o Clima e as Cidades Sustentáveis. Ele também é o autor de The Poverty of Memory: Essays on History and Empire (A Pobreza da Memória: Ensaios de História e Império — tradução livre). Red, se você tiver um tempo para se apresentar, seria ótimo.

Red Constantino:

Sim, obrigado, Anna. E obrigado por me receber. Uma breve introdução é que eu uso vários chapéus. Eu escrevo, mas eu também dirijo uma organização de âmbito internacional, e nós trabalhamos com políticas climáticas, prestamos assessoria para aproximadamente cinquenta governos em todo o mundo.

E fazemos isso abordando muitos dos grandes problemas lateralmente. Política climática obviamente requer um forte domínio da ciência e da política técnica, mas também tentamos abordar o problema, especialmente de mudança climática em desenvolvimento, usando todo o arsenal inteiro disponível para humanos — em particular, arte, estéticas e literatura — porque como enfrentamos provavelmente o desafio mais sério já enfrentado, táticas somente dentro da política não é o suficiente. Esse é o momento em que poetas serão realmente, realmente necessários.

Anna:

Isso é incrível. E você também publicou e contribuiu para o que pode ser a primeira ontologia literária no mundo, certo? As narrativas filipinas sobre incerteza e mudança climática, que recebeu três prêmios nacionais de livros. E eu estava olhando o site do livro e esta palavra de origem fillipana, AGAM, captura a condição humana, as novas realidades da mudança das estações, as tempestades mais fortes e a criação do livro começou com a percepção de que, embora a ciência e a política possam escrever nosso futuro coletivo, elas falham em nos contar nossas histórias. Então seria ótimo se você pudesse nos falar um pouco mais sobre o livro e a versão internacional em que você está trabalhando nesse momento.

Red:

O livro. Sim. Estamos muito contentes por ter recebido o reconhecimento de pessoas que respeitamos que também deram ao livro inteiro, a todos os seus autores e fotógrafos, o reconhecimento de três prêmios nacionais. Prêmios de livros. Isso é bem legal. É muito importante e nos encorajou a reunir com mais parceiros, que sairá como uma versão internacional com, eu acho, mais de trinta fotógrafos, um número enorme, duas dúzias de escritores da África, Ásia-Pacífico e América Latina.

E torcemos que seja lançado, esperamos que seja lançado no próximo ano. E esperançosamente atravesse todos esses continentes nos lugares de onde vieram os autores. Estamos muito animados, é claro, e essa é uma contribuição importante a se fazer — pequena, modesta, mas tudo conta. Tudo importa.

Anna:

Isso é incrível. E eu estava lendo a introdução do livro e você citou uma frase do romance A Lacuna, é melhor você escrever tudo isso em seu caderno. Então quando não houver mais nada de nós, a não ser ossos, alguém saberá onde fomos. Então eu acho que essa é uma coisa realmente importante e preciosa. E eu queria que você falasse um pouco mais sobre como você vê essa importância de histórias, não apenas histórias escritas, mas como você disse, arte, fotografia, formas de transmitir o conhecimento que é passado de geração em geração para preservar a cultura e a identidade dos povos.

Red:

Uma razão pela qual, quando fui convidado pela Samantha Suppiah para considerar contribuir para este seu evento.

Os temas imediatamente me fizeram dizer sim, é claro. Houve, na verdade, muito pouca hesitação da minha parte, especialmente no tópico do diálogo de abertura, que são as perspectivas no Sul Global, histórias do Sul Global. Quando falamos do Sul Global, muitas vezes, sem saber, levantamos narrativas que devem ser examinadas sob um exame mais minucioso.

A noção lida com tantas facetas difíceis de manejar e é importante, eu acho, que reconheçamos um lugar de esperança e dor além do óbvio. Há uma fácil culpa atribuída hoje em dia ao conceito de nação, e todas as maldades correspondentes e atos de coragem e sacrifício que marcaram a história moderna de nação e nacionalidade.

Tamanho por exemplo, o Sul Global não é só imenso; é amorfo, é complexo, é composto por um zilhão de peças móveis em movimento constante, marcando e reatribuindo continuamente as ideias formadas de guardas e arames farpados. Outra lida com os conceitos de maré e tempo como a sorte das pessoas, que aumentam e diminuem como luas passageiras.

E encontramos esse senso de comunidade em constante fluxo e refluxo, colidindo e se fundindo à medida que entra em contato com outras culturas, emergindo, eventualmente, como algo não familiar ainda, algo totalmente novo. Normalmente há dois lados disso. Um é marcado com ganho imenso e desapropriação colossal. O outro é um dom concedido pela humildade e chamamos de transcendência. Conhecemos mais o primeiro, mas o segundo nos rodeia. Sabemos que a vaidade é passageira, mas de alguma forma é o narcótico violento do narcisismo que ainda define uma sensação de progresso que a maioria das pessoas nutre hoje. Mas ocasionalmente, também superamos nossos piores impulsos, preferindo o bálsamo complicado da empatia e tolerância à escravidão simplista, mas paralisante, da riqueza e do consumo, alimentando a raiva. É isso que eu vejo.

Anna:

Bem, isso é incrível! E como você vê isso, essa versão do livro, essas histórias reunidas, porque o primeiro livro era só sobre as Filipinas, certo? Mas agora é em uma versão internacional. Com histórias diferentes vindas de lugares diferentes. E como você vê tudo isso acontecendo? E a importância dessa variedade de histórias.

Red:

Um dos maiores erros que podemos cometer é pensar nos problemas de antigamente, do passado, são coisas separadas ou que podemos separar. E isso também é razão pela qual muitos estão confusos com os problemas que enfrentamos hoje — porque eles não estão separados. Todos eles estão na verdade ligados. Alguns de nós que sabiamente se esforçaram para estudar o passado, estão familiarizados com os dotes do colonialismo e imperialismo. Você sabe, grandes rupturas, morte em massa pela escassez e pela fome. Quer dizer, é bastante. Guerra brutal, misoginia nua e totalmente fantasiada, invasão, militarismo sustentado por sonhos de lucro e aquisição, a compra de

povos e culturas e a incorporação de gerações. Deve ser classificado com um dos erros mais estúpidos, é claro, pensar que isso não importa mais e que é melhor seguirmos em frente, mas, e isso é um grande mas, provavelmente será tão, se não mais, prejudicial fingir ou acreditar que esses são os únicos legados que importam. Eu acredito que precisamos lidar com nossa própria cegueira também, por exemplo, para que possamos oferecer mais do que apenas raiva.

Um é algo chamado antropocentrismo — a incrível crença que humanos são a entidade mais importante do universo. É uma força motriz por trás de tantos saques e dores e por trás de delírios que oferecem a domesticação da natureza como estratégia para reivindicar o futuro para a posse perpétua. Outro é o nosso medo da incerteza, que pode ser ainda mais interessante primeiro porque a incerteza é na verdade a própria escada pela qual podemos escalar para fora do abismo de desespero que muitos parecem se encontrar hoje, se sentindo impotente ao testemunharem incêndios florestais violentos em todos os lugares, ao lado de oceanos de aquecimento induzidos pelo aquecimento global que alimentam furacões, tempestades e inundações severas que muitas vezes vêm em sua esteira.

Todos os impactos prejudicam, não apenas os mais vulneráreis, mas também as próprias mesmo que causaram menos danos ao clima do planeta. Pessoas que levam ciência a sério finalmente entenderão por que as mudanças climáticas são hoje a ameaça existencial mais séria já enfrentada pela humanidade, não estão, na verdade, enfrentando a incerteza, mas a vaidade das incertezas, o pensamento que podemos vasculhar a Terra enquanto um punhado de humanos viverá para sempre nas costas de muitos, sem quaisquer consequências. Incerteza não deve ser temida, meus amigos. A incerteza é nossa amiga. Ela é nossa companheira de luta porque a incerteza é parte integrante da esperança. Como a escritora Rebecca Solnit nos lembra: a incerteza significa que os vilões não ganharam ainda e que ainda temos um mundo, um futuro comum, para vencer.

Anna:

Isso é incrível. E eu adorei. Você falou sobre essa separação da natureza que aconteceu. E nossos sonhos antropocenos, isso foi algo que eu conversei muito com a Ninawá na nossa entrevista porque os indígenas têm essa visão diferente de natureza como algo sagrado e integrado a eles. E eu acho isso. Uma das maiores mudanças no movimento de sustentabilidade e regeneração é ter essa troca de visão de que as coisas não são separadas. Como você disse, tudo está interligado por natureza. Nós somos a natureza. Certo. Então eu adoraria ouvi-lo falar um pouco mais sobre como você se sente sobre isso.

Red:

Eu acho Ana que um está realmente ligado diretamente com a outra parte, que eu mencionei antes. Uma parte é que a primeira era sobre a promessa e a ruína das nações. Essas duas partes lado a lado, mas há também o aspecto que eu chamo de transcendência — com a humildade vem a transcendência, as coisas que podemos superar. E, você sabe, com transcendência, deve pesar sobre nós a quebra de mundos diferentes que estamos testemunhando hoje.

Eu gostaria de citar aqui algumas pessoas realmente sábias porque seus trabalhos irão explicar isso com maior clareza. No seu poema, Assistindo Minha Amiga Fingir Que Seu Coração Não Está Partindo, a poeta Rosemary Wahtol Trommer captura em versos cantados a imensidão da calamidade que estamos enfrentando hoje.

Deixe-me citá-la. Abre aspas

“Na terra, apenas uma colher de chá de estrela de nêutrons/

Pesaria seis bilhões de toneladas. Seis bilhões de toneladas/

É igual ao peso coletivo de cada animal/

Na terra. Incluindo os insetos. Vezes três/

Seis bilhões de toneladas parecem impossíveis/

Até eu refletir como é engolir a dor.”

Fecha aspas. Onde exatamente vamos a partir daqui?

Outro poeta no seu poema Caravana dos Portadores de Água, a poetisa Marjorie Evasco nos dá um vislumbre do destino e da jornada de maneiras que apenas poetas de grande poder podem iluminar, deixe-me citar Marj Evasco.

“Tivemos que buscar o centro da tempestade na terra que alegamos ser nossa/

Vemos o borrão de terra quebrada, /

lixo devastado, mares condenados. /

Nossa visão fica clara em nosso choro. /

Nós nos juntamos à caminhada /

de mulheres do deserto, curvadas de carregar nossos próprios oásis nas panelas de barro de nossas vidas, /

recolhendo cacos quebrados que encontramos na memória daqueles que foram /

à nossa frente, sozinhos. “

“Quando apreendermos a fonte de água”, escreve Evasco, “nossas fileiras completarão o círculo que costumávamos marcar /

nossas tendas, construindo casas, vilas, templos, escolas, nossos locais de cura. /

E daremos testemunho para nossas filhas e filhos, contando-lhes histórias verdadeiras /

da caravana.”

No seu poema, Quando a Morte Chegar, a falecida e ainda profundamente amada poetisa Mary Oliver deu à humanidade a receita definitiva de significado:

“Quando isso acabar”, escreveu Oliver, “Quando isso acabar, pretendo dizer que por toda minha vida

fui uma esposa do espanto.

Que eu fui a noiva, tomando o mundo em meus braços.

Quando isso acabar, não quero me perguntar

se fiz de minha vida algo especial, e real.

Não quero me ver suspirando e assustada,

ou cheia de argumentação.

Eu não quero acabar tendo simplesmente visitado este mundo.”

“Por isso enxergo tudo como uma fraternidade e irmandade,

e vejo o tempo como não mais do que uma ideia,

e considero a eternidade como outra possibilidade,

e penso em cada vida como uma flor, tão comum

e singular quanto uma margarida do campo,

e cada nome é uma música confortável na boca,

tendendo, como fazem todas as canções, ao silêncio”

Isso é bem envolvente, né?

Anna:

Isso é tão bonito. Obrigada Red por ter lido. Como minha entrevista com Ninawá não funcionou corretamente, ainda temos mais dez minutos. Eu pensei em talvez abrir se alguém tiver alguma pergunta que queira fazer ao Red. Você pode enviar pelo chat ou apenas ativar o som e perguntar.

Sahana:

Oi Anna, oi Red. Então você falou sobre se tornar amigo da incerteza há algum tempo, e eu estou cada vez mais acreditando nisso. E estou citando, estou meio que usando o Sul Global metaforicamente e geograficamente, tem estado em toda essa jornada da incerteza do começo ao fim, e constantemente meio que confrontado com a verdade universal linear da certeza, que é, você sabe, de qualquer universo linearmente lógico e racional que é, eu diria, até imposto como uma narrativa. E então você — o que estou meio que tentando perguntar talvez seja — como você vê essa incerteza? Porque eu sinto que se o mundo está meio que realmente se dissolvendo ao nosso redor, a incerteza precisa se tornar um modo de vida. Sempre foi nosso modo de vida.

E quando a abraçamos e nos tornamos amiga dela e nos tornamos como você disse, como Mary Oliver disse, esposa do espanto, como você essa jornada se desdobrando em um mundo que é tão movido por certezas, números e lógica linear?

Red:

Obrigado por essa pergunta. Eu acho que essa é uma pergunta que não é feita o suficiente. Nossa capacidade de dar sentido a esse mundo — na verdade, teremos que começar com a nossa capacidade de confrontar as coisas que achamos que não vemos, mas vivemos todos os dias. E isso, por exemplo, acho que um ponto realmente importante é a ideia das nossas incertezas. Não questionamentos as coisas que sentimos serem certas. Na verdade, nos conforta quando pensamos na certeza, porque andamos na ilusão de que tudo está sob controle. E tememos exatamente o que deveria ser nossa amiga, que é a incerteza. Com certeza, se as coisas são incertas, o futuro é escuro, isso significa que é um futuro que ainda podemos vencer. O final não foi escrito. O fim depende de nós e isso é algo que eu acho que devermos abraçar porque incerteza não é negativa. É algo que precisamos abraçar — porque a cada dia algo novo surge e podemos mudar a equação completamente.

Eu na verdade quero contar uma pequena história dado ao pouco tempo que ainda tenho — se tudo bem — eu acho que é uma história que também ilustra as coisas simples que definem um aspecto do que o Sul Global realmente deveria significa. Sabe, quase um ano atrás, um amigo querido decidiu se mudar de Beijing para Manila com sua parceira. E claro a história por trás dessa decisão difícil é muito mais complicada no belo senso humano de complexidade. Receios e preocupações, eles facilmente e continuamente se desfazem à medida que conhecem mais sobre a nova terra e as pessoas com hábitos estranhos, minhas pessoas, e os hábitos estranhos incluem a propensão a achar algo engraçado, mesmo quando estão enfrentando a mais terrível das tragédias.

Seu nome é Xiaojun, Xiaojun Wang. E eu frequentemente penso na janela do Xiaojun e o que ele vê toda vez que olha para fora do seu apartamento. Todos os dias, ele se maravilha com o céu, o mesmo céu que Filipinos não veem mais. Do seu quarto, do seu apartamento, ele tira uma foto do céu, a qualquer hora do dia em que o encontra, e então ele a posta ela nas redes sociais.

E ele mostra, postando aquele céu, o horizonte que pessoas da sua terra não valorizam, que Filipinos não valorizam. Um céu que é feito de nuvens que acalmam a mente, tons de azul e nuances resplandecentes do pôr do sol que expandem o plano emocional, e o senso de vastidão vindo de uma lua nascente e um sol nascente que nega conceitos humanos.

Xiaojun não encontrava o céu frequentemente em Pequim, que sufocava com a fumaça das indústrias insones, mas o viu aqui na Grande Manila. E ele vê isso diariamente, o mesmo céu que os Filipinos raramente percebem hoje em dia. Esse é o mundo que um estrangeiro vê. Esse é o mundo que um estrangeiro vê.

Este é o nosso mundo. Algo que não podemos mais ver, a menos que sejamos provocados a olhar e apertar os olhos. E quando temos sorte e somos gentis com nossos sentidos, as coisas que não valorizamos na verdade nos lembram do respeito à revelação, uma sensação que encontramos há muito tempo, quando ainda reconhecíamos o que tínhamos antes de cair no brilho passageiro de posses. Faz você se questionar quem exatamente é o estrangeiro e quem é o nativo.

O mirmecologista e cientista Edward Osborne Wilson escreveu certa vez: “Nosso fascínio pela possibilidade de vida em outros mundos é totalmente compreensível. No entanto, é muito estranho” Osborne Wilson disse, “que prestamos tão pouca atenção ao mundo amplamente desconhecido ao nosso redor. A biosfera estranha, mas adorável, é nosso único porto na vastidão do espaço. “

Então, minha pergunta é — é o tamanho da imagem que nos impede de reconhecer o que sempre tivemos? Ou é, ou é uma sensação de insignificância que mantém nossa visão baixa e, infelizmente, no nível do solo?

Sabe, penso em Carl Sagan, que também refletiu sobre essa questão e ofereceu uma visão que considero igualmente emocionante.

Pois, para Sagan, que disse: “Para pequenas criaturas como nós, a vastidão se torna suportável apenas por meio do amor.”

Acho que Sagan nos aponta para algo que muitas vezes parecemos ter muito cuidado para ignorar ou evitar lutar contra. A única coisa que pode realmente oferecer uma solução razoável, uma noção razoável de distinção com respeito à nossa espécie e nosso senso de lugar no cosmos.

Porque há outra cientista renomada, Lynn Margulis, que disse de forma sucinta: “Nós e nossos parentes primatas não somos especiais, somos apenas recentes.” E eu encerro com isso.

Sahana:

Lindo. Muito obrigada. Isso foi lindo. Nós esquecemos tanto nossa diversão e esquecemos tanto nossa conexão com isso — nem mesmo conexão, nós somos parte disso. Nós esquecemos de admirar o que está facilmente disponível para nós e, não sei, lutamos e corremos atrás de um consumismo sem sentido. Então obrigada por ter trazido isso.

Red:

Obrigado a você também.

Anna:

Bem, nós temos mais duas perguntas aqui no nosso chat. Uma de Samantha. Um peixe consegue questionar a água? Conseguimos questionar nossa visão de mundo?

E outra de Ben, onde ele diz que você disse “um futuro que ainda podemos ganhar”. O que significa ganhar o futuro?

Red:

O que significa ganhar o futuro? É viver com propósito todos os dias porque o futuro não se ganha no futuro. Você ganha o futuro hoje. Simples assim.

Anna:

Impressionante. Muito obrigada Red por ter aceitado nosso convite para estar aqui. Foi muito incrível ouvir você. E infelizmente, a gravação de Ninawá não deu certo, mas tudo bem, podemos assisti-la depois. Se você quiser compartilhar suas reflexões finais, podemos terminar nosso primeiro painel que deveria terminar em cinco minutos. Então nós podemos, você pode ter um espaço para compartilhar suas reflexões finais.

Red:

Não vai demorar, eu acho. Está tudo ancorado na pergunta que Ben Roberts fez. E a resposta para ela realmente é que o futuro não se ganha no amanhã. Nós lutamos e ganhamos hoje. Nisso, eu tento manter um lema que eu montei para mim mesmo como um lembrete quando coisas ficam difíceis, e quando as coisas também parecem muito fáceis. É a mesma coisa.

E esse lembrete é ache seu rumo e perca a cabeça. Você pode fazer isso ao mesmo tempo. Porque nossos problemas são tão grandes que meio que continuamos repetindo a mesma coisa como se nossas campanhas hoje exigissem as abordagens que já foram feitas no passado.

É como prender um rio às suas margens. Simplesmente não acontece. E então não há prescrição, não há receita. E não há uma fórmula que funcione todo o tempo. Tudo terá que ser testado no campo de guerra das suas emoções e emoções de outros. Temos que ser mais do que apenas mente ou mais do que apenas coração.

Essas duas coisas precisam vir juntas. E, quando você estiver em dúvida, lembre-se de que essa dúvida é incerteza, o que que significa mergulhe de cabeça. Não olhe para trás. Não hesite, porque tudo conta e todos importam.

Anna:

Ah, isso é lindo e uma forma linda de encerrar nosso painel. Muito obrigada, Red. Obrigada a todos que estão aqui assistindo e em breve teremos algumas salas simultâneas onde poderemos dialogar mais sobre esse painel. Então obrigada a todos.

Red:

Obrigado, Anna, e obrigado a todos.

[Interlúdio: Birdsong]

Isso Não É Um Manifesto

Maria Clara Parente:

Nós humanos estamos imersos em uma enorme crise ecológica, social, política e econômica. Todos sabem disso. É percebido todos os dias. Essa crise também é o triunfo de modelos e sistemas que veem natureza como um recurso infinito. Modelos que buscam apenas o lucro como finalidade, favorecendo os ricos em detrimento dos pobres. Porém, todo esse sistema é baseado na ideia de que um pedaço de papel vale alguma coisa.

E vale. Isso é porque criamos uma crença coletiva que podemos criar esses aspectos. Da mesma forma que criamos essa crença poderosa. Podemos também criar outras crenças coletivas que façam mais sentido neste século e que levem em conta o risco nunca antes visto de extinção da nossa própria espécie.

Muitos estudiosos defendem a ideia de que o momento em que vivemos é uma transição para um mundo mais colaborativo e menos egoísta, onde as pessoas entendem mais profundamente que não há separação entre a humanidade e a natureza. Todos os seres vivos são relacionais e fazem parte da teia da vida. E é por isso que tudo parece tão caótico e confuso agora. Isso porque os modelos e associações que ainda usamos para ver a realidade são lineares e não abrem espaço para o que é místico e inexplicável. A última grande revolução menor do que se pensava foi no período do Iluminismo. E as formas de pensar que eram inovadoras naquela época guiam nossas instituições até hoje.

Esse movimento intelectual ocorreu no século XVIII. Sim. Muito tempo atrás. É como se nosso corpo coletivo percebesse que é hora de mudar. John Locke, Adam Smith, Descartes, Bacon e Newton — estes foram alguns dos pioneiros do Iluminismo. Vale lembrar, portanto, que todos esses pensadores eram brancos e europeus.

Mas sobre o que é essa troca de pensamento? Costumávamos ver o mundo como uma máquina, mas agora estamos percebendo que o planeta Terra é um organismo vivo. Assim como nós humanos. Tudo está emaranhado. O que sustenta a ideia de relacionar nossas instituições e sistemas às máquinas? De onde vem esse pensamento? Essa forma de pensar vem principalmente do paradigma cartesiano newtoniano, que surgiu naquela época, que diz que para conhecer o todo é preciso dividi-lo em partes, e que o planeta funciona como uma máquina. E como uma máquina, presume-se que peças podem ser substituídas ou reparadas.

Esse pensamento nos levou a encontrar soluções míopes para problemas urgentes, como tratar a dor com remédios que causam várias outras dores, escolher uma profissão que no curto prazo lhe dá dinheiro, mas no longo prazo te deixa doente.

Ou usar plástico porque, isolando outros fatores, é o material mais barato e mais prático, apesar de demorar a se decompor e acabar no estômago de uma tartaruga marinha. Essa cadeia de ideias, que exclui a intuição, o conhecimento e o sentimento ancestral, está limitando nossa experiência e nos deixando doentes. Ver o mundo dentro do paradigma de complexidade, uma visão que começou a se desenvolver no século passado, parece ser a chave para questionar a lógica do sistema.

Como podemos nos engajar em tornar possíveis outras formas de vida? Como podemos abrir nossa imaginação para que outras formas de vida possam emergir? A transição deve ser coletiva já que tudo está tão interligado que exige um senso de unicidade. O que me afeta também afeta a pessoa no outro lado do mundo. Não importa o quão pequeno o impacto possa ser. Se o progresso depende do corte de mais árvores, deveríamos seguir o outro caminho. Como vamos ouvir a Terra com fones de ouvidos ensurdecedores? O que não queremos ouvir? Se o sistema em que vivemos está falhando para tantos de nós, por que ainda insistimos nele?

Se a Terra é um organismo vivo e todos nós fazemos parte dela, a crise do ambiental é parte do nosso fracasso enquanto espécie. Como outras histórias da terr podem emergir através de nós? Não temos o tempo que precisamos para ouvir nosso planeta. Só nós podemos fazer isso.

POSSIBLE FUTURES é um esforço dialógico para formular narrativas regenerativas para o contexto complexo e culturas diversas do Sul Global.

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Anna Denardin
POSSIBLE FUTURES

experimenting with forms of creative expression that staunchly reveal and strategically demolish toxic narratives perpetuated by the colonial cultural hegemony.