Nunca adie um café

Por Rejane Martins Pires

Post Mortem
Post Mortem
2 min readJun 1, 2016

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Se você não disse o que queria dizer, não amou o quanto poderia amar, não tentou aquilo que desejava tentar, logicamente morrerá angustiado, com a sensação de que a vida se foi e tudo ficou pela metade. (Basílio Pawlowicz)

Desci as escadas correndo e o encontrei amparado na porta. Ele beijou minha mão docemente e convidou-me para um café. Estava indo para uma entrevista, mas quando olhei nos seus olhos, entendi o seu tempo. Segurei-o pelo braço e, apoiados um no outro, descemos rua abaixo até a cafeteria. Ele pediu um pingado (com açúcar). Eu, nada. Ficamos ali, a esmo, rindo e falando de outros nadas. Na despedida, ele deixou uma lágrima cair. Levei-a comigo.

É pequeninha, de pouco brilho, mas me ensina algumas urgências. E nisso sou abastada. Minha urgência são as pessoas. Apareço de vez em quando. Só para dar um abraço. Só para ouvir uma palavra. Só para rir de coisas desimportantes. Ou, só para um café. Sempre apareço. Afinal, amanhã posso não estar mais aqui.

De certa forma, é este lado vital da morte que me move. Não a vejo com espanto, nem com medo. Vejo como uma possibilidade. Lembro aqui uma antiga história em que um homem resolveu fazer um trato com a morte. Prometeu a ela que não ofereceria resistência quando sua hora chegasse. Mas pediu, em troca, que fosse avisado com antecedência porque queria ter tempo suficiente para terminar todas as suas tarefas.

O acordo foi feito. Tempos depois, houve um acidente grave na cidade e muitos amigos do homem morreram. Anos mais tarde, um vizinho próximo faleceu. Em seguida, foi a vez de um tio. Até que o homem ficou doente e, em alguns meses, encontrou-se com a morte. Ela tinha vindo buscá-lo. Revoltado, reclamou: “Eu pedi que você me avisasse quando viria e não recebi um sinal!” Ao que a morte respondeu: “A morte dos seus amigos, do seu vizinho, do seu tio não bastaram?”. E, então, aceita um café?

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