Vício: óbito (quase) declarado

Quando o que morre é o vício do cigarro

Camila Agner
Post Mortem
5 min readJun 1, 2016

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Um cigarro. Dois cigarros. Três cigarros. Um pulmão. Dois pulmões. Uma garganta.

A contagem parece ilógica, mas pesquisas da OMS confirmam: a cada cigarro fumado, um novo passo rumo à morte. Passo este que, muitas vezes, não é consciente. Janaína Neri, por exemplo, começou a fumar sem nem sequer ter um motivo. “Comecei a fumar há mais ou menos oito anos. Eu tinha 15 anos de idade, sabia pouquíssimo da vida e sobre o vício. Foi por impulso e para entrar na onda dos amigos que fumavam”, relembra. “Me lembro exatamente do meu primeiro cigarro. Foi na casa de uma amiga. Pegamos o cigarro da madrasta dela e acendemos. Mas não foi ali que comecei a fumar. Foi anos depois. Nesse dia, senti nojo e odiei o gosto”, observa Janaína.

SEM BULA

Mas aquele cigarro, fumado pela primeira vez para que Janaína se entrosasse mais no grupo de amigos, virou vício. De repente, não era mais um cigarro por dia: eram vários, quase que incontáveis na conta do fim do mês. Então, ela decidiu dizer chega. “Eu decidi parar em decorrência dos inúmeros malefícios que o cigarro causa no nosso organismo. Mas o principal fator foi o fato de eu estar cansada de continuar fumando mesmo sentindo o desejo e a necessidade de parar há mais de três anos”, diz ela.

Cansaço esse que também apareceu para Neury Bedin Junior, de 23 anos. Ele começou a fumar aos 14. Ele estava muito bem resolvido com a condição de ser fumante, mas o cigarro atrapalhou sua rotina — e esse foi um pontapé para a iniciativa de parar. “Um dia eu fui correr no lago. Eu sempre corria 15, 20 minutos sem parar e, naquele dia, eu corri um minuto e quase morri. Eu passei mal! Ali eu pude perceber na prática que a minha capacidade cardiorrespiratória estava prejudicada e eu decidi que ia parar de fumar”, relata.

VÍCIO NA UTI

O vício no cigarro, porém, não morre quando o fumante decide parar, assim como quando um projétil de arma de fogo atinge o coração de uma vítima. O processo é longo — e quase que enlouquecedor.

“A vontade realmente enlouquece. Por vezes, a vontade me faz querer voltar no tempo e jamais ter parado de fumar. É um vício que por quase oito anos fez parte da minha rotina diária, abasteceu meu organismo com inúmeras substâncias que me fazem falta hoje”, confidencia Janaína.

Para Bedin, o mesmo acontece. “O processo é complicado. É um vício que está incutido no hábito e essa combinação é difícil de conciliar. Sem contar que o cérebro do viciado funciona de uma maneira diferente: ele precisa daquela substância, então ele vai te trair, vai te trazer pensamentos pra você aceitar a nicotina, se desculpar por usar a nicotina… Isso é horrível”, detalha.

A MORTE DO VÍCIO

A possibilidade de dar adeus ao vício do cigarro se torna viável depois das primeiras semanas. “As duas primeiras são horríveis porque tem todo o processo de abstinência do corpo. As dores de cabeça são fortíssimas, a fome é insaciável, ataca a ansiedade e outras coisas mais…”, conta Janaína.

“O vício trai. Em certas situações, você fumava normalmente e passando por essas situações novamente, seu cérebro faz com que você relembre o cigarro que fumava e a sensação que tinha. Aí você começa a encontrar desculpas para retomar o vício e acender mais um cigarro”, evidencia Bedin.

Foto via Tumblr

Depois de tanto sacrifício e tantos obstáculos superados, a recompensa vem e o vício, aos poucos, morre. “Na maior parte do tempo, sem dúvidas, é maravilhoso saber que não fumo mais”, diz Janaína. “O essencial é não desanimar. Se você está tentando fumar e acabar recaindo ao cigarro, não desanime. Não dá para acreditar que o cigarro é mais forte que você — porque se você acreditar, ele realmente é mais forte”, conclui Bedin.

SE PERSISTIREM OS SINTOMAS, PROCURE UM MÉDICO

Em relação ao assassinato do vício, o pneumologista Rui Coelho Pereira alerta: algumas etapas devem ser observadas. “É preciso ter determinação. Não adianta tentar parar porque a mãe, a sogra ou a esposa pedem. É preciso que a vontade parta do próprio fumante”, introduz. “Outra dica é marcar um dia D. Geralmente, em datas marcantes como dia das mães, aniversários e natal, o sujeito tem maior poder de reflexão”, acrescenta.

Outro ponto que o médico salienta é: o fumante precisa parar de ser engatilhado pelo hábito. “Se você fuma mais depois do café, por exemplo, troque o café por um suco. Se fuma dentro do carro, não entre com o cigarro no veículo”, destaca.

Alécio Espinola é voluntário e diretor de uma comunidade que procura criar programas de auxílio no combate e no bloqueio do vício. Para ele, é importante ter mais que determinação, é preciso agir. “Não basta você procurar um médico, buscar ajuda e determinar que precisa parar de fumar. É preciso cortar o cigarro, parar de comprar os maços e abandonar de vez os pequenos hábitos que levam ao fumo”, finaliza.

Ouça a entrevista completa com Alécio sobre a Comunidade Viva Mais:

De acordo com dados fornecidos pela OMS (Organização Mundial da Saúde), o cigarro e o tabagismo são as maiores causas de mortes consideradas evitáveis no mundo. Só no Brasil, mais de 200 mil pessoas morrem anualmente por conta do vício no cigarro. A previsão é que, se nada for feito, o mundo passe a registrar mais de 8 milhões de mortes por ano a partir de 2030, sendo que mais de 80% delas devem atingir pessoas que vivem em países de baixa e média renda.

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Camila Agner
Post Mortem

Jornalista resgatando o hábito de escrever “só por escrever”.