O último dia antes dos resultados do ENEM é insuportável, num uso tão literal da palavra quanto qualquer outro que eu já tenha feito. É mais do que uma preocupação rodando em segundo plano; a espera permeia cada momento e parece distorcer as horas a seu favor. Depois de dois meses de complacência quase casual, esse clímax do aguardo parece pronto pra tocar o terror na minha cabeça.
Já começa com o relógio, que desde ontem à noite parece não seguir mais a geometria euclidiana e reproduz com seus ponteiros ângulos impossíveis, incongruentes com a realidade. Ou isso ou realmente ainda são nove da manhã, o que eu duvido.
Daí a distorção do espaço-tempo ganha mais terreno e começa a repetir cenas, como que me impedindo de seguir com a vida. Eu clico no Atualizar do site, e clico no Atualizar do site, e então clico no Atualizar do site, mas tenho certeza de que já cliquei no Atualizar do site, é um dejavu fortíssimo, eu clico no Atualizar do site, é tão familiar esse movimento? e eu clico no Atualizar do site. Só me resta clicar no Atualizar do site.
O meio-dia me encontra revirando o armário do banheiro, enfiada até os cotovelos e forçando a vista nos avisos de bula, tentando calcular qual dosagem ou mistura de remédios induziria um coma. Duas da tarde e estou sentada em frente ao aquário, olhando o peixe nadar em círculos e murmurando “eu” e “sou eu esse peixe” baixo o suficiente pras pessoas em volta me perguntarem o que foi, e eu dar de ombros. Às seis eu já me desprendi completamente da realidade e estou convencida de que já vi a nota, e que estava boa, e que agora preciso ir pois estou atrasada pra tomar chá com a Rainha de Copas.
Já passa das dez da noite quando me enfio na página de resultados como em um vestido especialmente apertado, e com quase igual satisfação. As notas são o dobro ou triplo do que eu me permiti esperar, e respiro aliviada. Sucesso! Por favor, não me perguntem sobre qualquer outra área da minha vida.
