O que o Anuário Brasileiro de Segurança Pública tem a dizer sobre o RN

O Rio Grande do Norte passa por uma crise na segurança e os dados recém publicados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública reforçam o diagnóstico problemático

Jefferson Tafarel
Potydados
6 min readDec 18, 2019

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*Por Jefferson Tafarel, José Filho, Mycleison Costa e Ranyere Fonseca

De acordo com dados do último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, feito pelo Fórum de Segurança Pública, o Rio Grande do Norte tem índices cada vez mais elevados de mortes violentas. Enquanto a taxa de mortes violentas intencionais foi diminuindo no Brasil, considerando todos os dados fornecidos pelos 26 estados e o Distrito Federal, o RN teve aumentos bastante significativos nesse número, quando se observa o período de 2015 a 2018.

Dentro desse período de três anos, o único momento em que houve diminuição do índice foi entre 2017 e 2018. As taxas foram de 67,2 e 55,4, respectivamente e regrediram mais que o nível nacional. O índice considera uma população de 100 mil habitantes: ou seja, em 2017 por exemplo, a cada 100 mil potiguares, morreram cerca de 67 pessoas de forma drástica.

A partir de 2013 até 2017, nota-se que há um aumento progressivo, tanto na taxa como no número absoluto de mortes violentas intencionais, resultando em números de mortos que superam 1500. Antes desse intervalo, o ano de 2012 foi o único da série histórica do documento — que vai de 2011 a 2018 — a ficar abaixo de 1000 mortos.

Para complementar a análise dos dados sobre o RN, o auditor do Observatório da Violência do Rio Grande do Norte (Obvio), Manuel Sabino, respondeu a algumas perguntas relacionadas às estatísticas do documento. Acerca dos dados de números absolutos, Manuel concedeu a seguinte análise:

Existem duas facções criminosas no Brasil, o comando vermelho e o PCC, e cada estado conta com facções filiadas a elas. Cada uma possui o controle de uma rota internacional do tráfico, e a disputa por uma terceira, foi o que gerou conflitos em presídios de todo Brasil, inclusive em Alcaçuz.

E foi essa disputa, ao que me parece, uma forte responsável pelo aumento das CVLIs [crimes violentos letais intencionais] aqui no Nordeste, mais especificamente em Natal, por ser peça chave na distribuição de droga da América do Sul. Mas, desde 2015, em alguns estados esse número tem caído, o que na minha avaliação uma mostra que esses conflitos estão sendo resolvidos.

O governo divulga a queda como um feito, mas ao meu ver, essa queda foi devido a consolidação do crime organizado em algumas regiões. Quando uma facção domina uma área ela proíbe roubos e assassinatos naquele território o que me leva a crer que essa queda é provisória. Só iremos ter resultados efetivos quando: houver mudanças na política de enfrentamento às drogas, reforma do sistema penitenciário e que o estado dispute a vida da juventude com o tráfico.

Manoel Sabino, auditor do Observatório da Violência (OBVIO). Foto: Reprodução/Arquivo pessoal

No infográfico a seguir, constam os números de mortes violentas absolutas na série histórica:

O Rio Grande do Norte teve a menor taxa de mortes violentas intencionais do nordeste no ano de 2012, fato que veio a mudar drasticamente nos 5 anos seguintes, chegando, em 2017, a ter a maior taxa de mortes violentas da região.

O anuário chega a apontar que o ano de 2018 teve reduções pontuais nos índices de mortes violentas no RN, mas o status quo de guerra entre facções criminosas contribui para aumentá-los. “Os dados de 2018 demonstram que vivemos em diversos estados do Norte e Nordeste o que se viveu no mundo do crime paulista nos anos 1990: a disputa pela hegemonia política dos mercados ilegais, entre facções, que gera guerras locais”, avalia Gabriel Feltran, professor do Departamento de Sociologia da UFSCar. É autor do artigo “Homicídios no Brasil: esboço para um modelo de análise”, disponível no anuário

A capital potiguar acompanha a queda do estado na taxa de mortes violentas intencionais. Os números de 2017 e de 2018 são 66,2 e 53,7, nessa ordem. A redução percentual também foi semelhante: no estado, a cifra diminuiu 17,6%, enquanto Natal teve queda de 18,9% na mesma taxa.

Gastos com segurança pública no RN

O RN está entre os estados que menos gasta com segurança pública per capta, levando em conta os valores que foram utilizados em 2018, mas ainda investe mais nesse serviço que São Paulo, por exemplo. Isso significa que tomando como base o valor de quase R$ 978 milhões e a população total do estado, o montante pago com cada potiguar foi de 280,75. Contudo, o gasto per capta potiguar em segurança pública é inferior à média da Região Nordeste no mesmo período; cada nordestino foi contemplado com R$ 291,60.

Ainda assim, é a região com a menor média per capta do Brasil e está longe de igualar a média de dispêndio nacional, que em 2018 atingiu R$ 389,80 por cidadão, quase 34% superior ao gasto por cada nordestino e 38,8% maior que o valor gasto por cada norteriograndense. Os valores foram atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de dezembro do ano passado.

No gráfico acima, destaca-se o aumento da taxa de mortes violentas intencionais no Rio Grande do Norte em relação ao mesmo índice em nível nacional. O pico de aumento em 2017 na mesma taxa ficou a mais de 118% acima da taxa de mortes violentas intencionais no Brasil. Manuel Sabino tentou explicar o motivo dessa discrepância:

Em 2015 houve uma redução dos índices de CVLIs através de investimento pesado em visibilidade policial e, de forma bem inferior a agora, do uso dos mapas criminais fornecidos pelo Obvio. Porém esse trabalho parou em 2016. A letalidade represada em 2015 cresceu desenfreadamente nos dois anos seguintes. 25% de crescimento em cada ano. Todo trabalho de contenção da criminalidade feito com ostensividade corre esse risco, quando o trabalho não tem seguimento

A queda nos investimentos de segurança pública no RN, considerando dados per capta do anuário, durante o período destacado de 2015 a 2017, foi de 4%, enquanto que no mesmo período a taxa de mortes violentas intencionais no estado saltou 39%. Manuel comentou se haveria uma possível relação direta entre essa diminuição e o aumento dessa taxa.

Essa relação parece óbvia, mas a questão da segurança pública é muito complexa. Importa o quanto você tem para investir, mas também como você investe. Além disso, nesse período, houve a já falada disputa entre facções que influenciou este número. Nesse período também houve recorde de aposentadorias de policiais civis e militares. São vários fatores que se somam

Ademais, Daniel Cerqueira atenta para o fato de que o aumento de gastos em segurança pública nem sempre reflete uma queda nas taxas de mortes violentas, por exemplo. No artigo “13 Razões Porque”, o economista e técnico de pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) elenca várias causas para essa falta de correspondência entre investimento e diminuição da criminalidade violenta.

Entre os motivos listados neste artigo estão a limitação de gastos com investigação e inteligência, foco deliberado em prender pequenos criminosos, gasto excessivo devido à superlotação, falta de coordenação entre as polícias, além de ausência de transparência da ação da polícia; coerção por parte do Ministério Público, para reprimir possíveis condutas desviantes dela; desorganização de custos e subutilização de tecnologias avançadas.

Força Nacional de Segurança Pública no RN

Se por um lado o Rio Grande do Norte apresenta deficiências no emprego de gastos para assegurar uma segurança pública de qualidade, por outro é um dos estados da federação em que mais se despendeu recursos para operações da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP). O anuário explica que a FNSP é utilizada mediante ao Decreto n° 7.318/2010, ou seja, em “atividades destinadas à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”. Neste tipo de mobilização policial, ocorre cooperações entre as polícias civil, militar, federal, corpo de bombeiros e até mesmo forças armadas.

Em 2017, o Rio Grande do Norte foi o terceiro estado que mais recebeu recursos para acionamento da FNSP; ao todo, foram repassados R$ 16.143.571,37. Em termos percentuais, o RN recebeu da união 12,8% do total de verba disponível. Das 33 operações efetuadas pela FNSP em território nacional, o RN foi alvo de 5; sendo o terceiro estado que mais recebeu atuações da Força Nacional. A população naturalmente se sente mais segura durante as intervenções da FNSP tendo em vista o grande contingente policial que é disponibilizado nas ruas.

Entretanto, o acionamento das Forças Nacionais aponta para a falha do governo do Estado em suprir e remediar sua segurança. Além disso, diante da magnitude de tais operações, uma grande quantidade de verba pública é gasta; o que poderia ser evitado com um gasto responsável e efetivo na segurança pública normal, como propõe Daniel Cerqueira em um dos artigos que consta no anuário. Ademais, a utilização da FNSP vulnerabiliza as forças de segurança de outros estados, já que os contingentes são realocados para os lugares de concentração de incidentes.

*Alunos do curso de Jornalismo da UFRN (turma de 2017.2)

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Jefferson Tafarel
Potydados

Jornalista. Brinca com Python e explora bases de dados públicas de vez em quando, expondo suas investigações por aqui. Gosta de gatos e alho-poró.