Louco varrido

Um riso misterioso aparece no rosto de Adilson enquanto ele permanece sozinho observando de longe os transeuntes em sua correria diária

Gustavo Serrate
Povaréu
1 min readOct 27, 2016

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Ele se chama Adilson e frequenta as redondezas do Jardim Botânico e São Sebastião, em Brasília. Chega calado, deita no chão na calçada e fica por lá algumas horas. A primeira vez que o vi, achei que estivesse morto, estirado, dormindo, mas respirava. Quando está sozinho fica com um sorriso no canto do rosto, como se tivesse descoberto algum segredo que ninguém mais sabe, e enquanto todos passam ocupados, ele se mantém imóvel sorrindo discretamente. Mas quando alguém se aproxima, o sorriso desaparece e se transforma sutilmente em um semblante de incômodo, além disso ele também não aceita dinheiro, não se interessa por esse pedaço de papel insignificante.

Um amigo meu comentou:

“Uma vez demos um livro do Nietzsche pra ele ler um trecho em voz alta pra gente. Ele leu tudo sem tropeçar em uma palavra, depois teve uma crise de riso”.

Reconheço, há uma certa sabedoria em ficar deitado, no meio da rua, enquanto todos os outros estão apressados com seus afazeres. Um vagabundo iluminado.

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