Projeto UNIBR promove a inclusão social através do basquete 3x3

Eduarda Porfírio
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6 min readFeb 18, 2022

O programa atua nos bairros Bela Vista e Pan-Americano

Os treinos são abertos para a comunidade. Foto: Eduarda Porfírio

Um grupo de seis adolescentes se reunia há 12 anos para disputar um racha de basquete no antigo CSU da Bela Vista, onde hoje fica a Escola de Tempo Integral Professor Júlio da Ponte, localizada em Fortaleza, no Ceará. Mais pessoas se juntaram a eles e com o tempo montaram uma equipe de basquete 3x3, conhecido como basquete de rua. Assim nasceu o Projeto União Basquete de Rua, também chamado de UNIBR.

A iniciativa oferece treinos e aulas de basquete de forma gratuita para 46 jovens e adultos, na praça Mauá, no bairro Pan-Americano. Antes de se estabelecer nesse local, a ação usava as quadras de colégios públicos na Bela Vista e no Pan-Americano para a realização da prática. Mas, com o fechamento das instituições no primeiro ano de pandemia de coronavírus, em 2020, optou por permanecer em espaço aberto, segundo conta Bruno Gomes, um dos idealizadores e coordenador do projeto.

Com a decisão de se fixar na praça, surgiu a necessidade de terem um local adequado para a prática. No início, eles tinham uma tabela móvel, que podia ser colocada em qualquer lugar. Geralmente, “ela ficava onde atualmente é o parquinho das crianças, era o lugar que usávamos para treinar também”, fala Bruno.

O projeto possui uma quadra própria, localizada na praça Mauá no Pan-Americano. Foto: Eduarda Porfírio

Então, o presidente da Federação Cearense de Basquete 3x3 Gilmário Castro Lopes levou a causa para o vereador Raimundo Filho (PDT) e para o deputado estadual Salmito Filho (PDT). Os dois políticos viabilizaram a construção de uma quadra de qualidade para o programa, na praça Mauá. “Isso é uma questão de pertencimento ao espaço, porque antes só encontrávamos quadra de basquete na Aldeota, Meireles. E causa um estranhamento quando você tem que se deslocar para um lugar que não é seu, você não se sente à vontade. No seu bairro não, você mora ali, você fica mais confortável”, alega o coordenador. Vale salientar que, o basquete 3x3 usa o que seria a metade de uma quadra de basquete convencional.

O objetivo do UNIBR é usar a modalidade como ferramenta de transformação social dentro da periferia, trazendo outras perspectivas para esse público através do esporte. “Existe uma preocupação em formar os atletas dentro e fora da quadra, uma atenção para como estão se portando na sociedade”, explica Bruno. Além disso, o UNIBr “tem a intenção de servir como base para que os jogadores possam se profissionalizar, indo para equipes com mais estrutura”, afirma o coordenador.

Em 2021, o programa conseguiu enviar duas atletas para a Escola de Basquete Daniel Russo, pertencente a Dannyel Russo, assistente técnico do Fortaleza Basquete Cearense. Nicoly Kethlen, de 14 anos, e Ester Dias, de 16 anos, foram as contempladas. “É uma oportunidade que surgiu e estou agarrando ela para que eu possa ir mais para frente com o esporte”, comenta Ester.

Ester sonha em jogar na WBNA (Liga Nacional de Basquete Feminino dos Estados Unidos, em tradução livre para o português). Foto: Eduarda Porfírio

A estudante do ensino médio conheceu a iniciativa através de um amigo que já fazia parte dela. “Eu ia treinar para emagrecer, mas acabei me apaixonando pelo basquete”, afirma a atleta, que está há 1 ano e quatro meses no UniBR. Ela tentou praticar outros esportes antes do basquete também, como capoeira e triathlon, no projeto de extensão da Universidade Federal do Ceará. Entretanto, “nenhum me despertou como o basquete”.

Nicoly também entrou para o projeto por meio de uma conhecida. Há oito meses na ação, a garota costumava jogar futebol na Associação Menina Olímpica (AMO), no entanto, teve que parar porque não havia quem a acompanhasse no caminho dos treinos. A menina mora no Pan-Americano e tinha que se deslocar até o bairro Jacarecanga, antigo centro de treinamento da AMO. “Era muito longe e sempre quem me acompanhava era minha vó, mas chegou uma época em que ela estava muito cansada para isso. Minha mãe trabalhava um dia sim e outro não, então não tinha como ela me acompanhar”, explica a jogadora.

Nicoly tem LonzoBall, do Chicago Bulls, como principal referência na modalidade. Foto: Eduarda Porfírio

Apesar de apresentar duas atletas com potencial futuro profissional na modalidade, a equipe de basquete feminino do programa tem somente 1 ano de formação. Bruno argumenta que nos anos anteriores “não houve interesse, vinha uma ou duas meninas, mas elas não conseguiam manter a constância, porque às vezes ficavam incomodadas de serem as únicas no meio de tantos homens. Só em 2021 que conseguimos montar de fato uma equipe”. De acordo com ele, o time é composto principalmente por meninas a partir de 12 anos, que “são mais engajadas do que os meninos por diversas questões como a idade escolar regular, no caso elas estão na idade escolar correta para o nível delas, incentivo dos pais, não têm a responsabilidade de trabalhar”, elucida o coordenador.

Nicoly, por exemplo, não tem muita dificuldade para conciliar a rotina com os treinos. “Durante o dia faço os deveres de casa, depois fico livre a tarde toda e consigo treinar tranquilamente. Até mesmo rachar às 15 horas”, diz a adolescente. Já Ester comenta que a rotina mudou bastante com a entrada no projeto. “Eu não costumava sair de casa e já fazia 2 anos que eu tinha parado de fazer triathlon, me sentia sedentária”, afirma a garota.

Os treinos acontecem todos os dias da semana, segunda, quarta e sexta-feira para o time feminino; terças e quintas-feiras para a equipe masculina. Foto: Eduarda Porfírio

Por enquanto, os principais problemas para as duas estão dentro de quadra. Nicoly alega que é complicado para ela driblar o defensor. “Talvez seja pelo medo”, justifica a jovem atleta. Para Ester o obstáculo está em jogar com meninas mais altas do que ela. A falta de equipamento também é um contratempo enfrentado não só pelas duas, mas por todos os alunos da ação. “Nós só temos uma bola no projeto, então os atletas que tem bola levam as suas para ajudar na hora do treino”, explica.

O esporte como um escape do dia a dia

Além da possibilidade de desenvolver uma carreira de atleta, o contato com a modalidade tem servido como um momento de relaxamento para a estudante de Ciências Sociais e administradora de uma loja on-line Marina Costa, de 23 anos. Ela conheceu o projeto em 2014 através de um amigo que treinava no UNIBR. Na época, a universitária era a única menina que frequentava os treinos.

Porém, devido a lesões e a rotina da vida adulta, a jovem teve que se ausentar da iniciativa. “Eu tive várias lesões no tornozelo e no braço, teve um tempo que eu estava trabalhando até de noite e aí eu não conseguia estudar, trabalhar e ir pros treinos”,diz. Em 2020, ela decidiu retornar para o programa, a fim de melhorar a qualidade de vida. “Me sinto menos depressiva e ansiosa, faz parte da minha terapia. É onde gasto as minhas energias”, afirma Marina.

A graduanda já tinha experienciado outros esportes durante a infância e adolescência, como handebol, futsal e vôlei, por isso se lesionava facilmente, segundo ela. Para a atleta amadora, manter o ritmo em quadra ainda é uma dificuldade. “Porque eu era muito ativa, porém, devido às lesões deixei um pouco de lado as atividades físicas”, justifica.

Em contrapartida, o basquete tem ajudado Vanessa Gomes, de 32 anos, consultora de RH, a ganhar mais condicionamento físico. Ela soube do projeto quando estava passando de carro em frente à praça, na volta do trabalho. “Resolvi parar o carro pra assistir e eu vi que era uma coisa fixa, um treino, tipo, escolinha e tal. Me aproximei dos meninos e perguntei mais sobre o projeto, como funciona”, relembra.

Vanessa diz que “o esporte tem me ajudado a superar minhas próprias dificuldades. Antes eu não aguentava correr durante todo o treino e agora já consigo fazer isso, não conseguia fazer muitas cestas, hoje já tenho mais facilidade”. Para ela, um dos melhores momentos em seis meses de projeto é quando ela consegue se reunir com as colegas de time além da quadra. “Nas ocasiões em que nos encontramos fora dos treinos é muito gratificante. Nós tivemos em janeiro o aniversário de uma das meninas, fui convidada, eu não me sentia tão pertencente ao grupo até aquela situação. […] Você conhece outras pessoas legais, com outras realidades parecidas ou não com a sua. Muito mais do que um um grupo que se reúne para treinar, mas pessoas que se importam umas com as outras”, declara a consultora.

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