É a vida, né?

Bruno Barbieri
Pra ler e ouvir
Published in
4 min readJul 29, 2015

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A vida inteira eu cresci achando que tinha a fórmula da felicidade. E vou te dizer que ela era muito simples: você planeja o que quer, faz o que for possível pra conseguir e depois de um tempo você consegue. Pronto!

Por isso, eu passei a minha vida inteira fazendo planos. Eu ia estudar muito pra conseguir entrar numa faculdade boa. Eu ia aprender tudo na faculdade pra conseguir um bom emprego. Eu ia trabalhar duas centenas de horas por mês pra ganhar muitos prêmios e dinheiro. No meio de tudo isso, eu ia encontrar uma garota que gostasse de mim e eu gostasse dela, a gente ia se casar e viver felizes para sempre. Já estava tudo planejado. Simples, vai. Não tinha erro. Mas como muitos de vocês já devem saber, a vida não é tão simples assim.

Confesso que demorei um pouco mais que a maioria pra entender isso. Muito mais na verdade. Eu já tinha quase 30 anos quando meu pai, um cara bem caladão, um dia entrou no meio de uma roda de amigos enquanto a gente conversava sobre a vida e disse: “Eu não sei porque vocês fazem tantos planos se a única coisa que a gente pode ter certeza nessa vida é que a gente não tem controle nenhum dela. Nenhum!” E eu nunca vou esquecer a ênfase que ele deu naquele segundo “Nenhum!”

Meu pai é um cara muito calmo e nunca me bateu, mesmo eu sendo um pestinha. Nem de cinta e nem chinelada na bunda . Mas eu posso dizer que essa frase foi logo um soco na minha cara. A sensação de saber que você não tem o controle da sua própria vida, foi e ainda é bastante desesperadora.

Mas com o tempo eu fui aceitando e entendi o que ele quis dizer. Comecei a fazer algumas coisas não porque elas faziam parte de um plano. Mas só porque eu gostava mesmo. E uma das mais importantes foi voltar a escrever. Não porque eu queria publicar um livro. Ou pra ser um blogueiro rico com posts patrocinados. Nada disso. Eu só fiz isso porque eu gosto de escrever mesmo e foi assim que o Pra ler e ouvir nasceu.

Até que um dia uma professora do ensino fundamental, a querida Marcela Yamamoto, entrou em contato comigo pelo Facebook. Ela disse que gostava muito dos meus textos e me pediu permissão para usar alguns deles nas suas aulas para crianças de 9–10 anos. Na hora eu achei meio estranho, mas não tinha como negar. Aceitei o pedido e disse que se ela precisasse de qualquer coisa, era só falar.

Ela então escolheu alguns textos e levou pra sala de aula onde as crianças liam enquanto ouviam as músicas. Pelo que ela me disse, a música ajudava as crianças a prestarem mais atenção e elas estavam adorando. O que pra mim já era a coisa mais incrível que eu tinha feito. Nenhum prêmio de propaganda tinha chegado nem perto de me fazer tão feliz.

Foi aí que um dia eu recebi uma mensagem da Marcela. Ela me disse que, como trabalho de conclusão do trimestre, tinha pedido pras crianças escreverem um texto e escolherem uma trilha sonora pra ele. No meio de tantos textos, ela ficou impressionada com o de uma menina de 10 anos chamada Sofia.

Brócolis.

por Sofia, 10 anos.

Pra ler ouvindo: Raul Seixas — Metamorfose Ambulante.

“Quando eu era bem pequena, eu amava comer brócolis. A minha mãe sempre colocava brócolis no meu prato e falava pra eu comer a arvorezinha verde, e eu achava que estava comendo uma mini árvore de verdade. Mas aí eu cresci um pouco e entendi que eu não estava comendo árvore coisa nenhuma. Eu estava comendo um legume! Um legume que tinha gosto ruim! Aí eu pensei que não valia a pena comer algo que tinha gosto ruim e que não era uma árvore de verdade. Essa decisão foi uma grande mudança na minha vida, porque eu tive que achar outro legume pra substituir o brócolis. Esse ano eu resolvi voltar a comer brócolis. Mas pode ser que eu pare de comer ele logo mais. E depois volte a comer de novo. E pare de novo. É a vida, né?”

Eu não consigo explicar pra vocês a felicidade que eu fiquei depois que li esse texto. Talvez dizer que eu chorei no meio do trabalho ajude a explicar, mas foi muito mais que isso. Nunca imaginei que uma coisa que eu faço pudesse inspirar outras pessoas. Muito menos crianças de 10 anos. Sério. Foi com certeza um dos momentos mais felizes da minha vida. Eu ainda tô meio sem palavras pra explicar.

Eu só queria dizer mais uma vez, muito obrigado pra Marcela Yamamoto pela oportunidade e pra Sofia pelo texto incrível. No fim, quem acabou aprendendo muito nessas aulas do ensino fundamental, fui eu. Mas tudo bem, como já disse a minha filósofa preferida: “É a vida, né?”.

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