A sabedoria das ruas

Bruno Barbieri
Pra ler e ouvir
Published in
3 min readJun 17, 2014

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Pra ler ouvindo: Blink 182 — I Miss you.

Em uma calma manhã de sábado em um bairro nobre da cidade de São Paulo, dois advogados aposentados tomam juntos o café da manhã encostados no balcão da padaria enquanto jogam conversa fora. Um deles tem a completa certeza de que a Copa do Mundo não passa de um golpe político e por isso, já está comprada pelo governo brasileiro. O outro, parece não se importar muito com isso. No fundo, ele até gostaria que isso fosse verdade só pra ver as festas nas ruas, a felicidade do povo e principalmente a dos seus dois netinhos, João Vitor de 8 anos e Felipe de 10.

O senhor que acredita na compra da Copa está determinado a convencer o amigo e fala sem respirar teorias e mais teorias que parecem provar sua tese. O outro, só finge que o escuta, enquanto lê as tirinhas do Angeli no jornal. Os dois ficam ali por horas, no mesmo ritual que se repete há mais ou menos 25 anos. Até que um outro senhor, se aproxima bem devagar da dupla de amigos e diz:

- Bom dia, me desculpe interromper a conversa, mas será que um dos senhores poderia me ajudar a comprar um pão com manteiga? — ele estica a mão e mostra algumas moedas sujas. Ou, como ele mesmo prefere chamar: uma manhã de trabalho no farol da Cardoso de Almeida com a Caiubí.

Os dois amigos do balcão ficam quietos por um segundo e reparam no senhor que os abordou. Ele aparenta ter a mesma idade dos dois, mas com certeza deve ser bem mais novo. Veste uma espécie de blazer bem antigo e surrado que parece não ver um tanque há alguns anos. O que não é uma exclusividade. Seu dono também parece não ver um chuveiro há um bom tempo. Um dos senhores no balcão volta a realidade e responde meio gaguejando:

- É claro! E o senhor não está perturbando ninguém, fique tranquilo.

Enquanto isso, seu amigo levanta a mão rapidamente e grita para o garçom:

- Um pão com manteiga e um café para o amigo aqui, por favor.

- Se não for pedir muito, pode ser pra viagem? — diz o senhor que pediu a ajuda.

- SAINDO VIAGEM! — grita o garçom.

- Muito obrigado! Fico muito, muito agradecido com a ajuda.

- De nada! Sem problemas. Mas olha só, o senhor não quer um croissant? Essa padaria tem o melhor croissant do Brasil. Melhor que esse, só em Paris.

- Não, não senhor. Muito obrigado, mas eu só quero um pão mesmo. — responde o senhorzinho envergonhado.

- Mas eu faço questão, o croissant daqui é delicioso. O senhor não vai se arrepender.

- Não, não senhor. Muito agradecido mesmo. Do fundo do meu coração, mas eu só quero um pão mesmo.

- O senhor tem certeza!?

- Tenho, sim senhor. Muito obrigado! Eu devo confessar que nunca comi um croissant e imagino mesmo que deve ser delicioso. Mas se tem uma coisa que a vida me ensinou, foi que é impossível sentir falta daquilo que a gente nunca teve. Então, eu prefiro continuar assim.

O pedido chega. O senhorzinho sem dinheiro agradece dezenas de vezes antes de partir. Ele vai, sem olhar pra trás, deixando ali no balcão dois velhos amigos que agora não sabem como continuar a jogar conversa fora.

* Inspirado em uma história de saudade real.

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