Cebola

Bruno Barbieri
Pra ler e ouvir
Published in
2 min readMar 19, 2014

--

Pra ler ouvindo: Paul Westerberg — It’s A Wonderful Lie.

Sabe quando do nada parece que alguém começou a cortar uma cebola do seu lado? E uma cebola bem cascuda daquelas que faz até ogro russo chorar, sabe? Do nada seu olho começa a arder e a lacrimejar muito. Você espera, acredita que logo vai passar. Respira fundo tentando controlar. Inspira. Olha em volta e nem na cozinha você está. Expira. Você está no escritório, de frente para uma tela cheia de trabalho a ser feito. Inspira. Será que isso é pegadinha? Expira. Quem tá cortando cebola aqui?

Não tem jeito. As lágrimas tomaram conta dos seus olhos e já brilham refletindo a luz. As pálpebras começam a pesar. Você, meio que no desespero, dá aquela piscada mais longa para tentar segurar. Péssima ideia. Isso só libera a primeira lágrima que escorre sozinha pela sua bochecha direita já vermelha de vergonha. Mas antes que ela caia na mesa, você passa rápido a mão e disfarça.

Com a mesma mão você tenta dar uma força pras pálpebras manterem as lágrimas por ali. Mas seus dedos só podem estar sujos de cebola, pois as lágrimas se multiplicam e caem em grupos. Duas. Quatro. Doze. Suas mãos ficam mais rápidas e ágeis, tentando limpar todas as gotas, mas não é o suficiente. O estrago já está feito. Você precisa sair dali. Levanta rápido e passa pelas pessoas enquanto olha só para o chão. Torce para ninguém te parar. Entra no primeiro banheiro que encontra e tranca a porta. Vê no espelho o que até agora não quis acreditar. Sim, você está chorando.

Sozinho dentro do banheiro. Muito longe de uma cozinha ou de qualquer pessoa que esteja cortando uma cebola. Você chora. Sua cara vermelha e os olhos inchados de lágrimas só pioram. Descobre ali que se existe alguém cortando alguma coisa, só pode ser dentro de você. E o mais difícil é que lá dentro, você não pode culpar ninguém. A conta é toda sua. O único jeito é esperar, deixar seu corpo cortar a cebola toda e torcer pra ela não ser tão casca dura quanto você achava que você mesmo era.

--

--