Claustrofobia

Pra ler ouvindo: Frank Turner — I am Disappeared..

Aos 27 anos, Paulo de Alcântara Machado, tinha conseguido o que nem ele mesmo acreditava. Ainda namorava a menina mais bonita da faculdade. Tá, ela não era a mais bonita de todas porque a Raquelzinha do vôlei era a número um. Mas ele ainda namorava a segunda menina mais bonita da faculdade. E ela era muito mais que isso. Divertida, carinhosa, gostava de cerveja, de dançar e o mais importante: odiava o Carlinhos Brown. Tinha tudo que ele até sua mãe tinham sonhado. Já estavam juntos há 6 anos, e a 16 meses e 21 dias de se casarem.

Dinheiro também não era mais um grande problema. Não, ele não era rico e nem seus pais tinham ganhado na Mega-Sena. Paulo começou a estagiar no primeiro ano da faculdade no marketing de uma multinacional de produtos agropecuários, mesmo sem nunca ter conhecido uma fazenda. Passou vergonha quando não soube nem responder o que era um “mata burro” na entrevista. Mas mesmo assim foi contrato e hoje, 8 anos depois, está próximo a se tornar o mais novo diretor da história da empresa.

Mas não vou dizer que sua vida se resumia a isso. Ele também tinha as segundas à noite reservada para o futebol com os amigos, quartas para a mesa de pôquer na casa do Almeida, seu amigo de infância. Os almoços de sábados tinham sempre a feijoada da sogra, que por incrível que pareça o adorava e os domingos eram do cinema com pipoca e guaraná. Seu único vício.

Tinha tudo o que sonhou ter aos 27 anos. E por isso mesmo não entendia porque nos últimos meses passou a acordar todos os dias exatamente às 6:08 da manhã com o coração disparado, falta de ar e uma angústia no peito. Pior foi quando isso saiu do quarto e foi pra sua vida. Parecia que vivia com um peso nas costas. As vezes, queria tanto sair correndo de um lugar que seu coração já entrava em disparada, mesmo sem ele se mexer. Parado, seu corpo suava como se ele estivesse correndo os 100 metros rasos e só diminuía quando ele corria para o banheiro e respirava como tinha aprendido nas aulas de yoga às segundas e quartas das 6:30 às 7:30 da manhã.

Resolveu procurar ajuda. Sentou no consultório de um dos melhores médicos da cidade, tudo pago pelo plano Ultra Platinium de saúde conquistado no bônus de fim de ano. O médico o examinou com cuidado. Fez ele respirar fundo. Mostrar a língua. Tirou a pressão. E no fim, disse que ele não tinha nenhum problema físico. Que tudo não passava de uma crise de stress. Nada para se preocupar. Deu um remedinho para ele dormir melhor e só.

Paulo tomou o remédio sem acreditar muito. Pegou no sono rápido, mas como de costume, acordou no dia seguinte às 6:08 da manhã. Sentou na frente do computador indignado com o que estava acontecendo e assim que controlou o batimento cardíaco, procurou no google: arritmia, angústia e falta de ar. Encontrou então uma palavra que fez todo sentido pra aquele momento da sua vida: claustrofobia.

Era isso. Descobriu que tinha claustrofobia. E não é que ele tinha pavor das paredes do seu apartamento de 132m2 ou do elevador panorâmico do prédio. Não era nada disso. Ele tinha claustrofobia das paredes que seus próprios sonhos criaram. Tinha pavor do peso que sua vida fazia em suas costas e o aprisionava todos os dias. Queria fugir. Era isso, ele só queria fugir da vida que sempre sonhou em ter. Só isso.

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