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O melhor presente

Bruno Barbieri
Pra ler e ouvir
Published in
5 min readMar 9, 2016

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Pra ler ouvindo: Eddie Vedder — Hard sun.

Eu nunca tive muita sorte com presentes. Uma das primeiras recordações que eu tenho foi de um amigo secreto na primeira série. Eu tirei o Vitinho, meu melhor amigo, e pedi pra minha mãe comprar o canivete da Super Massa, o que significava o melhor presente da face da terra. Afinal, quando você tem 7 anos de idade não tem nada mais incrível do que um canivete que vai te ajudar a construir o jato super sônico que você sempre sonhou.

Quando o tão esperado dia chegou, minha mãe abriu a porta do quarto pra me acordar e eu já estava de uniforme, dentes escovados e segurando o presente do Vitinho. Eu nunca quis tanto ir pra escola. Mas na volta, eu já não estava tão feliz assim. Minha mãe perguntou o que tinha acontecido e eu só mostrei meu presente de amigo secreto: um lápis, uma borracha, uma régua e uma caneta 4 cores.

Eu não sei se você lembra, mas eu te contei essa mesma história há muitos anos atrás, na época que a gente ainda era só amigos. Ela deve ter entrado e ficado na sua cabeça porque, depois disso, você nunca me deu um presente ruim. Na verdade, você sempre me deu os presentes mais incríveis que eu já ganhei. São tantos que eu nunca tive coragem de escolher um, mas hoje em dia eu tenho um favorito.

Você deve tá aí agora pensando: “Ah, esse é fácil! O melhor presente que eu te dei foi a palheta do John Frusciante.” Eu lembro bem desse dia, era meu aniversário e você era a única menina lá na grade comigo cercada de marmanjos, mas mesmo assim, você conseguiu esticar o braço, pegar uma palheta voando e fingir que nada tinha acontecido. Lembro da gente no carro, eu ainda todo acelerado comentando cada música do show e você levantando sua mão com a palheta. Na hora eu travei, perdi o ar e quase bati o carro. Esse foi com certeza um dos melhores presentes que você já me deu, mas não foi o melhor.

O melhor também não foi um dos primeiros, quando a gente ainda só ficava, lembra? O dia dos namorados estava chegando e você não sabia se já podia me dar alguma coisa. Eu acordei naquele dia 12 de Junho, olhei pro lado e você já tinha ido embora. Levantei, abri a gaveta pra pegar uma cueca e encontrei a coleção completa dos filmes do Woody Allen com um bilhete seu dizendo: “Feliz 12 de Junho, o dia do Beagle”. E depois disso, a gente passou muitos dias 12 de junho juntos comemorando o tão esperado, dia do Beagle.

O melhor presente que você me deu também não foi o violão Ybanez que você me via babando na vitrine da loja de instrumentos perto de casa e nem a surpresa que você fez nesse dia. Naquele aniversário de namoro, quando eu abri a porta da sua casa, eu dei de cara com você no sofá junto com o meu futuro violão. Você tinha aprendido a tocar só pra me surpreender. Suas mão direita tremia nervosa, mas você tocou os acordes certinhos e ainda cantou enquanto as lágrimas escorriam pelo seu rosto. Um dia único, que eu sempre vou lembrar com muito carinho, mas ainda assim não foi o melhor de todos.

Teve também aquele carnaval que a gente tinha combinado de passar em casa dormindo, mas que você me acordou no sábado às 6 da manhã com um copo de água na cara. Quando eu finalmente consegui abrir os olhos, vi você com as nossas malas prontas e duas passagens pra Fernando de Noronha ou, como a gente dizia, o paraíso na terra.

Esse outro é difícil de admitir, mas o melhor presente que você já me deu também não foi aquela lingerie que você comprou pra você no dia do seu aniversário, mas que eu ainda insisto em dizer que foi na verdade um presente pra mim.

Todos esses presentes vieram em dias especiais. Mas o melhor presente que você me deu, não foi no dia dos namorados, no meu aniversário e nem no do nosso primeiro beijo. Não, não. Ele chegou como os melhores presentes chegam. Sem hora marcada. Sem data especial. Sem motivo aparente.

O melhor presente que você me deu não teve piada interna. Não foi uma coisa que só a gente entenderia e nem foi uma lembrança de todos os anos que a gente passou juntos. Ele também não foi caro. Você nem precisou dividir em pequenas e eternas parcelas sem juros no cartão de crédito. O melhor presente que você já me deu foi simples, de graça e direto.

Você me chamou pra sua casa numa tarde de sábado ensolarada. Quando eu cheguei, você não estava segurando um violão e nem com uma caixa de presente pra mim. Você só pediu pra eu me sentar no sofá e sem muita enrolação me deu o presente.

O melhor presente que você me deu foi um pé na bunda. Confesso que na hora não entendi muito bem. Foi completamente inesperado. Eu chorei e chorei por muito tempo. Aquilo não podia estar acontecendo. Eu tentei evitar. Pedi até pra devolver ou trocar, mas esse presente já veio sem nota fiscal e você não podia fazer nada.

O melhor presente que você me deu mudou tudo. Sem ele minha vida teria muito menos histórias, conquistas e com certeza eu não teria conhecido metade das pessoas incríveis que hoje fazem parte da minha vida. Talvez o canivete de Super Massa não tenha feito o Vitinho virar engenheiro mecânico de jatos super sônicos, mas eu posso te garantir que o seu pé na bunda me fez uma pessoa muito melhor.

Eu costumo dizer que sou um cara de muita sorte por ter recebido esse presente. Afinal, como diz o sábio Dalai Lama: “às vezes, não ter o que você quer é uma tremenda sorte.” E é por você ter me ajudado a não te ter mais, mesmo eu querendo muito te ter. Por você ter me dado esse presente tão incrível e ter me tirado da sua vida que hoje eu queria te dizer duas simples palavras: Muito obrigado.

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