Conheça a Família Madrigal

Paula Prado
Praticamente Inofensiva
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4 min readMay 16, 2022

Meu filho cismou com Encanto. Já tivemos maratonas de três, quatro exibições consecutivas, por dia. Pelo menos é um bom filme e essa repetição também me ajuda e perceber nuances que passam despercebidas.

Apresentando: Luisa Madrigal

Se eu não for generosa, me sinto ociosa.
Não posso cansar, não posso falhar. Será que eu vou quebrar? O que me faz quebrar?

O número musical de Luisa Madrigal, 19 anos, é uma carta aberta sobre viver com ansiedade. Dezenove. Com ansiedade. O dom de Luisa é super força. Por fora, uma rocha inquebrável. Por dentro, uma sobrecarga emocional com a qual ela não tem maturidade para lidar, nem alguém com quem dividir.

Ela é a mais forte da família, tudo que é pesado demais vai pra ela. Ela se define pelo que pode fazer, mas não sabe quem é, ela não se enxerga além da sua função. É Luisa quem diz uma das frases mais pesadas e vulneráveis do filme.

Não importa o peso, Luisa aguenta. Não sou nada se tirar o meu dom. Eu desmonto.

Lin-Manuel Miranda disse ter se inspirado em sua irmã para compor a música. A letra, segundo ele, é um pedido de desculpas a ela por ter suportado um fardo tão pesado, enquanto cresciam.

Eu tenho certeza que muitas mulheres se identificam com Luisa Madrigal. Se a tivéssemos conhecido há 20 ou 30 anos, talvez identificássemos os sinais mais cedo e aprenderíamos uma lição valiosa:

E então, que tal mudar o astral e segurar a expectativa. Eu seria tão mais feliz. E tão mais viva, mais animada, não tão usada ou pressionada. Mas falta revolta.

Que bom que, hoje, as crianças podem aprender mais cedo.

Como teria sido há 30 anos?

Pede pra Luisa, a corpulenta. (…) Pede pra Luisa, que ela brilha. Ela é a mais poderosa da família.

Luisa, a corpulenta. Com orgulho. Luisa é forte e gosta disso, se orgulha de mover casas, igrejas e de saber que é poderosa.

Eu amo o modo como ela pega a xícara de café no início do filme. Amo a cena dela carregando a mesa “Tá aqui, ó”, e se sentando para tomar café da manhã. Garfo na boca, prato na mão direita, cinco copos de suco na esquerda. Amo. Luisa come. Muito. Luisa faz o serviço pesado por toda uma vila!

Detalhes que fazem dela alguém tão real. Ninguém olha para o jeito que ela senta, para o quanto come. É tudo tão natural.

Ela é carismática, doce, delicada, frágil, chora e muda o curso de rios com seus braços. Lindos braços grandes e fortes. Luisa é enorme, e linda, e feminina, e orgulhosa, carinhosa. Tudo ao mesmo tempo.

Cada segundo da Luisa em tela vale a pena.

Quando a vi pela primeira vez, pensei: poxa, queria tanto ter tido isso quando eu era a maior, mais forte e mais alta de toda turma. Mas, pensando bem, há 30 anos Luisa nunca existiria. Não teria sido escrita dessa forma.

E Luisa não merece isso. Todos na vila sabem quem ela é, contam com ela, admiram e respeitam quem ela é. Foi preciso percorrer um caminho para que Luisa existisse e brilhasse.

Mas ela faz coisas demais e se coloca sob uma pressão gigantesca e silenciosa.

Luisa, descanse um pouco. Você merece.

A casa vai cair, preciso agir. Eu uso a minha força, mas não sei como impedir.

Muita gente (mesmo) se identifica ou gosta de dizer que se identifica com a mais poderosa Madrigal. Então, a lição que Luisa está começando a aprender, aos 19 anos, também sirva para você.

Luisa, você não tem que dar conta de tudo. Não é sua função manter tudo sob controle ou poupar as pessoas de se esforçar para conseguir as coisas. Ou impedir que sofram.

Recolher os burros pode ser útil. Mas, mais útil será o dono dos burros aprender a não perdê-los.

Levantar uma casa pode ser fácil para você. Mas entenda que, às vezes, o melhor é deixar cair. E reconstruir. Juntos.

Não se machuque tentando demais. Reserve mais tempo para descobrir quem você é, além da sua função.

Dizer não é a coisa mais forte e corajosa que você pode fazer por si mesma.

Mulheres fortes também precisam ser cuidadas.

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Paula Prado
Praticamente Inofensiva

Jornalista, Swifitie, ativista dos direitos femininos e equidade de gênero. Aprendendo e compartilhando sobre humanidade, comunicação e Jurassic Park.