O elo mais fraco

Paula Prado
Praticamente Inofensiva
4 min readJun 6, 2023
Kaique Rocha via canva.com

Nenhuma discussão sobre tecnologia deve ser dissociada do componente humano. Nenhuma.

Com a ampla divulgação e popularização das Inteligências Artificiais, a gente vem percebendo, cada vez mais, que com grandes poderes vem grandes responsabilidades.

Nós gostamos de novidades. Gostamos de nos arriscar. Somos curiosos. Ambiciosos. Esperançosos. Presunçosos. E, por isso, no meio do caminho, às vezes se esquece que tecnologia que não serve para melhorar a vida das pessoas, não está cumprindo muito bem o seu papel.

A inteligência artificial já está entre nós, as redes sociais e fake news também. Ou melhor, as fake news estão entre nós desde que o mundo é mundo. O que elas têm a seu favor, agora, são meios de propagação muito mais poderosos.

E, para mim, não faz o menor sentido dissociar essa evolução tecnológica do fator humano e continuar propagando um discurso antigo que associa pessoas ao elo mais fraco nessa relação. Pessoas são vulneráveis. As primeiras afetadas. As que sofrem as consequências. Também as que se beneficiam. Não as mais fracas.

E dizer isso também não é o melhor jeito de se iniciar um relacionamento, que a gente quer que seja próspero e duradouro.

Tudo em todo lugar ao mesmo tempo

A tecnologia massificou o acesso à informação, em níveis inigualáveis, descentralizou a produção de conteúdo e fomentou o crescimento de factóides. Mas ela também pode ser o principal meio para lidarmos com a disseminação de notícias falsas.

Como muito bem apontado pela Samanta S., “a quantidade de informações trocadas atualmente é surreal” e, de fato, não estávamos preparados para isso. Ela aponta que a utilização de machine learning com IA pode ser uma grande aliada na checagem de conteúdos falsos.

Porém, ela aponta, a inteligência artificial ainda não é madura o suficiente para substituir checagens e o fator humano continua sendo indispensável em algumas situações. Algo que eu apelidaria carinhosamente de duplo fator de autenticação.

Complexa a engrenagem social em que vivemos, não? Entende porque nenhuma, absolutamente, nenhuma tecnologia ou ferramenta deve ser discutida sem considerar o comportamento humano?

Seja na checagem dos fatos ou na análise crítica do conteúdo que recebemos pelos diversos meios, pessoas continuam sendo um motor propulsor das mudanças sociais e tecnológicas.

É claro que com o tempo, as IAs podem se tornar cada vez mais independentes. Afinal o conceito de máquinas que aprendem com as informações com que são alimentadas está aí diante dos nossos olhos, e quanto mais insumos tiver, melhor elas podem identificar automaticamente conteúdos falsos.

Em tempos de redes sociais e amplo acesso à tecnologia será muito difícil darmos conta de monitorar e validar fontes de informação. Precisaremos de tecnologia para isso. Precisamos de algoritmos que aprendam sozinhos e numa velocidade que não conseguiremos acompanhar.

E novamente voltamos a uma questão central: como ensinamos pessoas a se proteger e a lidar com o volume de dados, num país em que a digitalização não anda de mãos dadas com a educação digital?

Bom, a Samanta tem uma visão otimista, vendo a “IA como uma aliada na automatização das checagens e auxiliando empresas e governos a lidar com esse grande volume de informações”, com um exponencial potencial de crescimento.

Inclusão digital para quem?

Novamente, se quem consome e é afetado pelo conteúdo são as pessoas, logo, são elas que precisam aprender (e rápido) a lidar e nos adaptar aos novos cenários. As máquinas aprendem, nós também aprendemos.

Nisso, concordamos em um ponto, que considero essencial, o treinamento e a conscientização dos usuários continua sendo uma das melhores iniciativas para combater a disseminação das fake news. Mas, já falei sobre isso aqui, é um tema que depende muito da qualidade de educação fornecida às pessoas.

E é por essa razão que não dá para pensar num relacionamento duradouro que subestime o potencial que as pessoas tem para se engajar e promover transformações. É um trabalho difícil. Os resultados não aparecem na mesma velocidade que os problemas.

A jaqueta puffer do Papa é só uma amostra do potencial viral que as imagens, vídeos, textos produzidos por IAs podem causar no mundo. Esses conteúdos podem enganar até os olhos mais treinados e também não respeitam nem as leis sobre direitos autorais.

Somos, hoje, um dos países mais visados para ataques cibernéticos e a propagação de conteúdo falso é uma das portas de entrada para esses crimes. Estamos vendo nascer essa relação simbiótica e eu sei que muita gente está empolgada com as novas tecnologias, mas como diz o sábio Ian Malcolm, é preciso adquirir conhecimento e maturidade a respeito das novas descobertas e tecnologias.

Afinal, humano, demasiado humano e nada é tão complexo quanto o tecido social que abraça a todos nós.

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Paula Prado
Praticamente Inofensiva

Jornalista, Swifitie, ativista dos direitos femininos e equidade de gênero. Aprendendo e compartilhando sobre humanidade, comunicação e Jurassic Park.