Por que aceitar a autoimagem não é tão simples quanto parece?

Paula Prado
Praticamente Inofensiva
6 min readAug 12, 2021
Banner vector created by teravector — www.freepik.com

Em tempos de body positive e combate ao body shaming, aceitar a si mesma continua sendo tão difícil quanto há… quanto sempre foi.

Eu já vomitei depois de comer. Uma vez porque eu quis. Nas outras, porque meu corpo quis. Já aconteceu durante uma madrugada inteira, já aconteceu enquanto eu dirigia, já aconteceu enquanto eu trabalhava.

Comia muito mais do que precisava. Odiava estar na casa de estranhos durante as refeições. Tinha vergonha de comer na frente dos outros, achava que comia muito e precisava me controlar. Em público, sempre me forçava a espelhar as porções das pessoas ao meu lado. Sozinha, comia de hora em hora (ou menos) só porque podia. Era nesses momentos que meu corpo reclamava.

Como a nossa auto imagem é construída

Se hoje temos voz para cobrar representatividade na mídia, há 25 anos isso era impraticável. Não tínhamos internet na extensão de hoje em dia, então era muito mais difícil identificar grupos de afinidade, criar movimentos e endossar vozes que pregavam algo diferente do padrão que víamos, todos os dias na TV, revistas, catálogo da Avon etc.

Editora Abril

Crescer com referências que destoam completamente do que você vê diariamente no espelho, na escola, na rua, no transporte cria uma realidade paralela na mente. Começamos a distorcer nossa imagem e percepções porque, se elas não estão adequadas, então estão erradas.

Quantas mulheres ao seu redor não estão sempre querendo perder “só mais 2kg”, se achando mais gordas, mais baixas, mais magras, mais altas, mais feias, mais insuficientes do que realmente são?

Pare agora e faça uma pesquisa. É praticamente certo que quase todas terão comentários negativos para fazer sobre a sua aparência. Fomos educadas e condicionadas a estar sempre insatisfeitas com nossos corpos, em maior ou menor grau. Consumidoras insatisfeitas consomem mais.

Bom, então basta entender a lógica do capitalismo, do controle do corpo feminino, do machismo, do patriarcado para ficar mais simples de compreender que não é o nosso corpo que está errado e nem deveria ser o motivo de nos sentirmos mal. Mas, por que entender isso não ajuda em nada a mudar a percepção de nós mesmas?

Como nossa autoimagem é destruída

Na escola, meu apelido era morta. Depois, passei a ser o Tropeço. Se você é mais jovem não vai se lembrar, mas esse era o nome do Frankenstein, na série da Família Adams. Bom, precisávamos adequar as questões de gênero, Tropeço não se encaixava. Passei a ser a noiva dele, o que nos leva de volta ao início, Morta. Aparentemente, o meu tamanho e uma personalidade introspectiva causava bastante incômodo nas pessoas.

Divulgação/Universal Pictures

Lembro de outros nomes pelos quais já me chamaram. Lembro também de ter levado um soco de um colega de escola, por um motivo que eu sequer lembro, enquanto voltávamos para casa. Menti para a minha mãe sobre o roxo no braço e disse que me distraí e bati na rua.

Aprendi muito cedo a não gostar do meu corpo e passei tempo demais punindo e maltratando a mim mesma por ser quem eu sou. Por isso, comer é uma das formas pela qual eu maltrato e compenso o meu corpo, uma dualidade difícil de equilibrar. Ao longo da vida e de muitas conversas, percebi em dezenas de outras mulheres o mesmo padrão de comportamento.

Nós, obviamente, não podemos fazer muito a respeito do nosso biotipo. Eu não serei menor, só pela força do meu pensamento. Então, já que não dava para mudar, passei a esconder. Cabelo comprido para esconder o pescoço, costas e braços. Camisetas largas para esconder todo resto.

Quando isso acontece, deixamos de fazer as coisas porque gostamos. Acontece uma distorção tão grande da nossa autoimagem para que ela se adeque ao ponto de nos desconectarmos de quem realmente somos, do que gostamos, de como deveríamos ser e nos expressar.

Gentileza

Apesar de compreender a lógica que faz com que eu sinta vergonha do meu corpo, nada disso ajuda a olhar no espelho e enxergar beleza. Com o tempo, perdemos a capacidade de sermos gentis com quem realmente importa: nós mesmas.

Repetir gritos de guerra, em frente ao espelho, três vezes ao dia não muda as bases com que a sua percepção foi moldada. Mas talvez tenha efeito ao te constranger, quando percebe que algo está errado e não é no seu corpo. A nossa mente é um lugar muito grande para vivermos encurraladas. Jogar luz em sombras é assustador, mas necessário. Há muitos lugares que devem ser limpos e mesmo que até hoje, ao olhar no espelho, o resultado seja uma visão deturpada, essa é uma constatação consciente.

Divulgação/Diamond Films

Gentileza pode ser coisas muito diferentes para cada pessoa. Uma foto no Instagram, uma roupa nova, um elogio em frente ao espelho, um dia sem cobranças exageradas, qualquer coisa. Para mim, por exemplo, é ser rápida e alerta o suficiente para perceber e fugir dos meus impulsos alimentares, para os quais eu já conheço a origem e sei que a consequência pode me prejudicar física e emocionalmente.

Ser ou não ser, eis a questão

Você já fez uma consultoria de imagem?

Eu fiz porque queria parar de gastar dinheiro comprando coisas que eu não gosto e que, no fim das contas eu não uso. Só que eu odeio comprar roupas e uma loja de departamentos é, para mim, um dos piores lugares do mundo. Eu entro já querendo sair.

Assim, passei a vida vestindo roupas que não vestem bem, não servem direito e nem me deixam mais confortável. Nesses momentos eu recito o mantra do empoderamento dizendo que não há nada de errado comigo. Mas é inútil. Mais uma vez, conhecer as armadilhas não muda construções que foram fortalecidas durante toda vida.

Em uma das conversas com a minha consultora, falamos sobre o “se vestir bem” e o porquê isso gera tanto desconforto nas mulheres. Sobre como associamos o estar “bem vestida” com status social ou uma vaidade desproporcional. Ela, aliás, ainda deve um conteúdo sobre isso.

Mas, só para acabar com essa conversa sobre auto imagem, merecimento e autossabotagem, foi na consultoria que eu descobri que desejo coisas que não compro. Compro coisas que demonstrem que eu não tenho desejos, ambições ou simplesmente que eu mereça.

Ora, há meses eu abro o site de uma loja seleciono o tudo o que eu quero. Não compro. Vou a outra loja e compro outra peça similar e menos, muito menos bonita. Outro dia me perguntei o motivo. Ter aquela roupa é um prêmio que, no fundo, eu acho que não mereço.

Dizem que aceitação é um processo. Eu digo mais, é um processo bem longo. Porque quando a gente aceita, não pode ser seletiva, tem que aceitar tudo.

O bem e o mal. O bonito e o feio. As qualidades e os defeitos. As vitórias e os fracassos.

Há dias em que a gente consegue. Em outros, a gente tem esperança. Às vezes, a gente só tem cansaço.

Sigamos em frente. Tudo vai ficar bem.

--

--

Paula Prado
Praticamente Inofensiva

Jornalista, Swifitie, ativista dos direitos femininos e equidade de gênero. Aprendendo e compartilhando sobre humanidade, comunicação e Jurassic Park.