A sensação de merda do ‘quase’ 

ou ‘a um passo (atrás) da felicidade’ 

rosana hermann
Prato cheio de vida 

--

No ontem do hoje em que escrevo, vi a semifinal do programa The Voice Brasil na TV. A apresentação do time de Lulu Santos teve Dom Paulinho, franco favorito do público, Luana Camará e Pedro Lima.

Tentei ser totalmente imparcial na frase anterior, colocando apenas os nomes dos participantes, mas é difícil conter os adjetivos elogiosos ao Pedro Lima, que começou como um teco-teco e virou um caça supersônico depois que pegou o embalo. Na segunda parte da canção da Ivete Sangalo, de camisola na sala e com a cachorrinho no colo, chorei.

Pedro ficou classificado e Lulu teve que escolher entre Luana e Dom Paulinho. E foi uma merda. Dupla. Tripla. Primeiro porque a forma como ele comunicou tudo foi muito errada. Segundo porque o público vaiou a decisão, criando um clima horrível tanto pra quem perdeu (Dom Paulinho) quanto para quem ficou (Luana). Quando a merda é merda, ela é geral mesmo. E, em terceiro, e motivo deste texto, a merda maior foi ver na cara do Dom Paulinho aquela maldita sensação do QUASE.

Quem nunca passou por esse momento doloroso e revoltante, público, em que você se decepciona ao máximo, justamente no instante em que você ACREDITOU que dessa vez ia dar certo pra você?

Olha, é uma dor sem alívio, que só o tempo diminui, mas NUNCA apaga. Esses momentos de trauma imprimem fundo, esculpem a matéria de que somos feitos, como árvores que nunca mais perdem as cicatrizes dos nomes assinados em seu tronco, tirando o coração e deixando só a dor do corte.

Passei por isso num prêmio brasileiro de blogs, há muitos anos. Eu tinha certeza que ganharia, tudo indicava, todos os números, as pessoas a minha volta diziam. Até mesmo o prêmio em questão entrou em contato com ~hints de que eu deveria ir à cerimônia de entrega sem falta. Então eu reuni uma mesa, convidei amigos, combinei com meu marido de ir lá e, com um sorriso congelado de lado a lado da cara, descobri que o outro finalista, com quem eu tinha amizade, já sabia que ganharia, não me avisou e, junto com o universo me fez passar aquela decepção inesquecível de morrer na praia na frente da arquibancada. Foi duro. Não é só duro pro ~ego~, não é tipo ~bem-feito~. É a dor do ~finalmente-o-mundo-vai-reconhecer-o-meu-esforço-de-tantos-anos-e-eu-quero-agradecer-por-isso. Só que não. Porque não aconteceu. É só mais um quase pra coleção.

Sei que tem gente que nunca chega nem no quase, que quase todos (sorry) que chegaram ao topo também tiveram incontáveis momentos de porta-na-cara, sei dos exemplos de sucesso interestelar sempre citados (J.K.Rowling e suas tantas negativas para os originais de Harry Potter), mas nada disso altera o soco na boca do estômago que dobra sua fé ao meio e faz sua esperança cair de joelhos.

Sei também que para todo caso que você vive ou dor que você passa, há uma infinidade de dores maiores no ranking do sofrimento, o que não melhora em NADA e até piora, porque, convenhamos, a gente não pode nem se foder sossegado que vem sempre alguém pra dizer que até pra fazer ou levar merda da vida tem gente melhor do que você. É foda.

Revivi a dor na cara do Dom Paulinho. Nem sei se ele ‘merecia’ ou ‘não merecia’ ficar, mas reconheci nele aquela revolta triste e inconsolável do ‘por que não eu?’, ‘por que me elogiam tanto e na hora de escolher, escolhem o outro?’ No prêmio, no emprego, na vida, essa pergunta enlouquece. Não torci por ele, mas sofri por ele.

E qual a mensagem positiva que podemos tirar desse texto, qual o leave behind (não confundir com love behind) que estes eventos nos deixam como lembrancinhas? Alguns. Abra a sacolinha para guardá-los todos juntos e selecionar os que vão ficar dos que irão pro lixo depois:

.que elogios e críticas são apenas extremos e, portante, pontos fora da curva que não devemos levar tanto em conta

.que a recompensa é boa na medida em que ela acontece e que, quando não acontece, é apenas um não-acontecimento, tão desimportante como não-chover naquele dia

.que a mola propulsora dos nossos atos deve ser mesmo a satisfação do antes, durante e depois e não a premiação pública e o reconhecimento popular

.que deixar a responsabilidade da sua felicidade na mão dos outros é o primeiro passo para frustração

.que bonzinho só se fode e que tem gente que não é sacana ativo, mas passivo, porque, puta merda, custava o filho-da-puta que ganhou o meu prêmio me avisar que ele ía ganhar (ele tava no VÍDEO gravado de agradecimento que rolou no telão, ou seja) e me POUPAR do desapontamento?

Mas aí, se ele tivesse me avisado e eu não tivesse ido e não tivesse sofrido, eu não teria tido essa experiência e não estaria escrevendo esse texto e você, consequentemente, não estaria aqui lendo e pensando na sua vida também.

Quer dizer, esquece tudo e guarde só essas dois comprimidos mentais:

.shit happens
e
.o que tiver que ser, será.

Ou quase.

--

--

rosana hermann
Prato cheio de vida 

physicist, writer, journalist, blogger, scriptwriter, professor, tv hostess, runner, knitter and twitter lover @rosana