Com a mão na massa

rosana hermann
Prato cheio de vida 
2 min readMar 26, 2013

No dia 25 de março de 2013 foi a noite de Pessach, a Páscoa Judaica. Por uma configuração familiar incomum, resolvemos não fazer o jantar (seder) em casa. Meu marido pediu apenas que tivéssemos gefilte fish, aquele bolinho feito de peixe e servido com um molho de raiz forte, típico da culinária judaica nessa ocasião, e uma caixa de pão ázimo, o matzá.

A primeira solução que pensei foi aquela que a vida moderna nos ensinou,a mais cômoda, encomendar por telefone, pagar online e esperar o delivery na minha porta. Acontece que o restaurante não estava mais aceitando pedidos.

A segunda ideia foi de buscar outro restaurante, onde já comprei em outra ocasião. Mas quando cheguei lá descobri que o restaurante fechou. Os indícios eram claros, se eu quisesse gefilte fish teria que fazê-lo eu mesma. Acontece que eu nunca fiz a receita e, numa segunda-feira sem feira achei que seria quase impossível encontrar todos os ingredientes necessários. Isso sem contar o tempo de preparo.

Resolvi encarar o desafio e comecei procurando a receita na Internet para ver o tamanho do problema. Descobri que eu precisaria de carpa fresca, tainha, farinha de matzá, raiz forte e um processador de alimentos, ítens que eu definitivamente não tinha em casa. Pedi um dia de home office para meu chefe e fui às compras.

Vou resumir a peregrinação: fui a quatro supermercados, uma quitanda e três lojas de eletrodomésticos até achar tudo. São Paulo parecia estar desabastecido de salsão e os multiprocessadores estão saindo de linha.

Cheguei em casa e fui pra cozinha. Fiz a farinha, processei o peixe, pus a massa pra descansar. Fiz o caldo de peixe para cozinhar os bolinhos que enrolei à mão. Cozinhei as beterrabas e fiz o molho com raiz forte. Passei a tarde preparando tudo e esperando o momento de servir. Eu nem tinha experimentado, porque a massa só rendeu dez bolinhos.

À noite servi o prato, toda feliz. Meu marido e meu filho adoraram. Elogiaram a textura da massa (usei um truque, água com gás pra dar mais leveza à receita!), o sabor, o toque do molho, tudo.

Quando tirei a mesa eu estava feliz e orgulhosa de mim mesma. Me senti como aquelas impressoras 3D que ‘materializam’ as coisas no vazio, usando matéria-prima e um programa.

O jantar se foi, ficou a lição. É preciso botar a mão na massa e fazer o que tem que ser feito. Porque não é só uma questão de comprar o peixe ou aprender a pescar, mas de ter a disposição de preparar o gefilte fish e encarar o fato de que viver não é bolinho.

E viva a raiz forte.

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rosana hermann
Prato cheio de vida 

physicist, writer, journalist, blogger, scriptwriter, professor, tv hostess, runner, knitter and twitter lover @rosana