Não é pra perder a esperança, mas é pra tomar vergonha na cara.

rosana hermann
Prato cheio de vida 
7 min readFeb 12, 2014

Eu nem deveria escrever esse texto, porque o que Ruy Castro já disse tudo. Mesmo assim vou continuar, porque não consigo me conter. Escrever é minha forma sem voz de gritar, meu canal de explosão quando a emoção transborda.

Sou brasileira. Aqui nasci e nesse país construí minha vida. Sempre gostei da nossa diversidade, da imensidão, da beleza das cores, das pessoas simples e generosas. Durante alguns anos dessas mais de cinco décadas que habito o planeta, acreditei que apesar de todo terceiromundismo da vida nacional e da herança maldita do jeitinho brasileiro sempre disposto a burlar tudo, éramos um povo criativo, cheia de musicalidade e gingado, donos de uma sabedoria corporal sem par. E que teríamos um futuro bacana.

Só que alguma coisa deu errado. Muita coisa, aliás, deu errado. Sobrepondo-se a todos os defeitos históricos, veio a ditadura militar com sua fórmula destruidora de crueldade + força + ignorância, que matou inocentes, destruiu liberdaeds, inoculou medo e gerou muita, muita burrice. Se teve uma coisa que o governo militar conseguiu fazer foi foder todo sistema educacional e atrasar em séculos o desenvolvimento do conhecimento humano. A escola no Brasil é fraca. Os professores são mal pagos e mal formados em universidades mais fracas ainda. Não temos tradição de cursos técnicos. Milhões de empregos informais e nenhuma capacitação em específico. Como todo mundo tem que sobreviver, o brasileiro faz bico. Um dia é mecânico, no outor é encanador, depois almoxarife, porteiro, zelador, instalador de persiana. Ninguém sabe nada direito, todo mundo vai na base do jeitinho, da tentativa. Famoso nas coxas. E o ciclo vai espiralando para baixo até chegarmos onde estamos, lá no fundo para onde o ralo nos levou.

O que vemos hoje é assustador. Violência generalizada, tráfico solto, polícia corrupta, políticos incompetentes, autoridades despreparadas. Mas não vou falar das ‘õtoridades’ e sim de nós, os povo. Ou pelo menos, de nós, o povo da clásse média, o povo que consome.

Como estou dentro disso tudo, vou falar mal de mim e todos nós. Estamos meio fodidos mesmo, vamos fazer mea culpa.

Somos vaidosos demais. Tão vaidosos que nos tornamos arrogantes. A pessoa não quer ser bonita ela quer ser mais bonita que ‘as inimigas’. Que moda é essa onde a pessoa QUER ter inimigas, gente?? Não queremos justiça, queremos privilégios. Somos contra os privilégios quando não os temos. Quando chegamos ‘lá’, queremos mantê-los a qualquer custo. Porque cada um de nós se sente superior, merecedor de um posto bem alto, acima dos outros. Quando lutamos pela igualdade, queremos uma igualdade para os outros. Pra nós, queremos um ponto acima.

Também somos fofoqueiros. Muito fofoqueiros. Adoramos nos meter na vida dos outros, dar palpite, falar mal pelas costas. Bisbilhotar. E dizer pequenas maldades. O brasileiro tem mesmo uma coisa de malandragem e molecagem, mas daquele tipo cruel dissimulado. Sempre achei isso. Sempre tive vergonha de perceber isso. De sentir. E muito medo de dizer. Porque também somos hipócritas.

Somos um povo hipócrita que não permite que ninguém escancare nossas verdades. É pra fingir coletivamente, pra manter a ordem das coisas. O sucesso do Facebook no Brasil vai por essa via. A pessoa posta uma foto em que está nitidamente horrível e todo mundo diz que está linda. Por que? Pra que quando for a nossa vez de postar uma foto horrível também recebermos o privilégio da mentira nos apoiando e aplaudindo. Olha, não é AMOR, é pacto mútuo de falsidade. Eu, particularmente, chamo de amiga a pessoa que me dá um toque e diz que meu cabelo está seco, feio e sem brilho do que aquela que dá like fingindo que está bem aquilo que está visivelmente péssimo. Amigo diz que falei bobagem, que estou errada, me corrige e me ensina. O resto não é amigo é lobo em pele de cordeiro.

A Internet potencializou todos os nossos defeitos e revelou como espelho o estado em que estamos. A gente sempre foi assim? Não acho. Mas agora estamos assim e estamos VENDO.

Só promovemos lixo. Damos cartaz pra escrotos. Batemos palma pra qualquer maluco. Prestigiamos quem rouba, quem plagia, quem mente. Puxamos o saco de qualquer imbecil que tenha energia. Dá vergonha de ver no Twitter. Qualquer pessoa mais arrogante que se mostre fodão ou fodona, tem como consequência não o vexame público ou a reprovação da galera, mas a aceitação de um REBANHO de fãs que babam-ovo. É asqueroso de acompanhar o incrível número de vassalos sempre prontos a seguir qualquer tonto que fale mais alto e imponha suas ideias sem nexo.

“Ah, mas se você está tão revoltadinha com o povo brasileiro, por que você não muda pra outro país?”, é a pergunta clássica das hienas histéricas que querem ver o circo em chamas.

Elas sequer imaginam que amar o país ou amar o povo é como amar os filhos. A gente quer o melhor pra eles, quer que eles sejam humanos e justos e limpos e inteligente e cultos e preparados e felizes. E se não der pra ser tudo isso e forem só humanos já tá ótimo. A gente briga com filho, que é a pessoa por quem a gente morre a qualquer momento, porque não quer que ele se torne uma pessoa cruel, impiedosa, arrogante, metida. Amor é isso, é querer ajudar, orientar, botar num caminho equilibrado, estar por perto quando o outro pedir e precisar. Sempre.

Ontem, vi uma frase do Tim Minchin que achei linda. Ele diz que escolhe as pessoas com quem vai conviver e trabalhar de acordo com a forma que eles tratam os menos favorecidos. Se uma pessoa com poder trata mal os que tem menos poder, ele nem quer ver essa pessoa na frente. A medida é essa. É como você trata as pessoas menos poderosas que você que revela quem você é.

Aqui no Brasil, muita, mas MUITA gente que era pobre e fica rica por apoio popular, trata mal os próprios funcionários. Tem artista que era pobre, ficou rico, contratou amigos e parentes ainda pobre e trata-os com desdém, como um rei despótico. Isso é caráter? Isso é a mais pura revelação da filhadaputagem nacional. É o escroto que só parece bonzinho ENQUANTO não tem oportunidade de revelar sua escrotidão.

Como na Internet. No anonimato da Internet. Muita gente que sempre PARECEU legal, assim que teve o instrumento do anonimato para poder botar seus bichos pra fora, mostrou o tanto de ÓDIO que tinha no seu coraçãozinho. E, olha, não é MINORIA, não. Hoje, comentário anônimo de ódio está em todo lugar, do YouTube ao Facebook. Ou não?

Espero me arrepender desse texto em breve, espero ver um Brasil diferente, de verdade. Espero que a gente pare de fazer tudo nas coxas, que não tenha essa mentalidade de agir só por interesse. Espero que a gente cresça, amadureça, melhore, se cure. Espero que a gente pare de falar só de pessoas e comece a discutir ideias. Que voltemos a ter vontade de aprender, de fazer direito, valorize o conhecimento, aja com ética.

Eu vi gente nas manifestações gritando ‘iuhuu bakunin’ sem nem ter lido o verbete do Bakunin na Wikipedia. Complicado. Daí ficamos todos na ignorância e desprezamos o conhecimento como um todo.

Espero que um dia, em breve, o brasileiro deixe de ser machista, homofóbico, escravagista, explorador do próximo. Espero que a gente pare de falar mal de cada pessoa que vê na TV, na Internet, nos blogs, no Instagram. Meu D’us, a gente só sabe falar mal de todo mundo! E não é porque a pessoa ‘está sendo paga pra falar mal em sua coluna’, as pessoas fazem isso de graça! Porque os outros aplaudem. Parece um monte de crianças, uma tentando aparecer mais que a outra, xingando mais que a outra, pra ganhar atenção.

Puta merda, Brasil, que é que deu em você???

Você é grande, forte, engraçado, humano, divertido, tem uma inteligência natural mesmo sem muita escolaridade. Você tem tanto potencial, tanta coisa que conta a favor!

Vai, novinho, para com isso. Para de eleger corrupto, de aplaudir gente sem talento, de seguir mentiroso, de ser fã de escroto. Por que, gente, por que estamos transformando tantos idiotas em famosos milionários, me diz? Qual é a ideia? É um teste pra abrir um túnel que liga o Anonimato à Fama, pra depois todo mundo passar? Se o seu problema é MEDO (e é por isso que você, Brasil, adora chamar burro de gênio, porque ele não te ameaça, né?), saiba que você é forte, não precisa ficar assustado, não. Confia no seu taco.

Vamos lá, Classe Média do Brasil? Vamos tomar vergonha na cara? Parar de foder com as matas, desperdiçar água, parar de matar bichos, de enriquecer filhos da puta, de maldizer o vizinho, vamos? Vamos cuidar da nossa vida, vamos trabalhar, vencer a preguiça, parar com o delírio, com o péssimo hábito de só reclamar e se sentir injustiçado? Injustiçado é o trabalhador que ganhar uma miséria, tem transporte público de merda, saúde de merda e ainda tem que aguentar patrão que explora, isso sim é motivo pra reclamar.

Então vamos. Aproveita que tá calor, dá muita sede, vamos tomar alguma coisa ali na esquina. Vamor tomar litros e litros daquela maravilhosa bebida, chamada Vergonha na Cara. Com gelo, pra descer melhor.

Porque a gente SABE quando está fazendo merda.
E olha, estamos fazendo merda, sendo coniventes com quem faz merda, fingindo que não estamos vendo a merda, há muito tempo.
E o pior, nem estamos lavando as mãos ou a bunda depois disso.

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rosana hermann
Prato cheio de vida 

physicist, writer, journalist, blogger, scriptwriter, professor, tv hostess, runner, knitter and twitter lover @rosana