Não sei se foi pra melhor, só sei que o mundo mudou

rosana hermann
Prato cheio de vida 
4 min readMar 28, 2013

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A história recente do mundo está dividida em antes e depois da Internet. Nada se compara à mudança generalizada que este bem comum que uniu bilhões de pessoas em rede produziu. A primeira vontade é de julgar a mudança, mas isso não importa. Importa que mudou e quem viveu o antes e olha pro agora fica admirado. Começando com o conceito do que era cultura e conhecimento.

Antes da Internet uma pessoa culta era, basicamente, alguém que havia lido muito e conhecia com certa profundidade um pouco de todos os assuntos. Amantes de música clássica, literatura nacional e internacional, estudiosos de história e geografia, poliglotas, pessoas ~estudadas~ eram todas tidas como valorosas culturalmente. Poderiam facilmente encontrar emprego como professores, tutores, diplomatas ou cargos públicos nas altas esferas. O conhecimento correspondia ao estudo formal e clássico das grandes obras, feitos, técnicas do homem ao longo dos últimos milênios. Advogados, médicos, engenheiros eram pessoas respeitadas e que ganhavam bem.

Hoje é diferente.

Hoje, quem passou a vida assistindo novela na televisão e nunca leu um livro tem um imenso valor para o mercado, composto de pessoas que amam novelas e procuram informações sobre novela. Esta pessoa, mesmo sem ter nenhum estudo formal passa a ser um expert em novela e vai encontrar fácil colocação e, talvaz, bom salário comentando sobre novela numa emissora de TV. O mesmo acontece com quem acompanhou todas as edições de reality show. Essa pessoa vai ter emprego garantido em qualquer portal de Internet, como especialista neste formato. É pop e mais democrático.

O mesmo acontece com o funk, por exemplo. Pessoas que conhecem todas as letras de funk têm hoje mais valor de mercado do que quem sabe, por exemplo, todas as letras de Chico Buarque. Não é que um seja melhor o pior que o outro, é que o mercado do Chico ficou restrito enquanto o do funk não para de crescer.

É o mercado. E o mercado é a foto polaroid, o instantâneo da sociedade que temos neste momento.

A primeira reação é de achar que tudo era melhor e piorou, que as pessoas que passaram anos estudando perderam mercado para as que ficaram jogando vídeogame, outro mercado aquecidíssimo para quem cria, comenta ou apenas joga. Mas há uma forma diferente de olhar que pode mudar esse sentimento, na minha opinião. A forma é a seguinte:

Antes da Internet, para ter um doutorado, a pessoa tinha que ter ou muita, mas muito sorte ou muito, muito dinheiro. Ou ambos. Eram pessoas que detinham algum tipo de privilégio. Social, cultural, familiar ou uma sorte de dar inveja. Raros podiam chegar lá. E aí, quando chegavam, continuavam sendo privilegiados. Era quase como um sistema de castas. Quem já tinha podia, quem podia estudava, quem estudava continuava podendo, perpetuando assim uma linhagem.

Parece totalmente injusto. E era mesmo. Tanto é que agora, pra compensar este período de castas, temos a era das cotas. O sistema de cotas é uma tentativa de compensar as injustiças históricas que excluíam os menos favorecidos do sistema de ascensão, mantendo-os fora do jogo do poder social.

Agora todo mundo pode. Ou quase todo mundo. Mas, digamos, muito mais gente pode. Pode morar bem, pode consumir, pode se exibir, pode ostentar, pode ter acesso, pode estudar, pode ficar famoso. Claro, quando você estica a mesma massa ela vai ficando mais fina. E, para que todos coubessem no mercado do consumo muita coisa teve que piorar, como o ensino.

Se antes tínhamos pouca gente com ensino bom, agora temos muita gente com um ensino péssimo. Começamos pela inclusão, agora temos que fazer um trabalho hercúleo pela qualidade. Mas é um começo, dizem.

Hoje, um garoto de quinze anos pode fazer um aplicativo e ganhar mais do que toda sua árvore genealógica. Uma blogueira de moda chega a ganhar mais do que a dona de uma confecção que emprega dezenas de funcionários. A garota MC do funk que canta aulas de pompoarismo tem mais bens que uma professora do ensino fundamental. Sim, há novas distorções, porque o sistema foi sacudido de uma intensa.

Muita gente está perdida. Não sabe o que fazer. Tem gente com pós-graduação largando tudo pra ser blogueiro e tem blogueiro que volta a estudar; tem dentista diplomada que resolve ser garota de programa e tem prostituta que larga a vida de atendimento a clientes sexuais para estudar medicina.

O Brasil está em ebulição, porque todo mundo está em movimento.

Se isso é bom?

Acho que isso é bom xibom, xibom, bombom.
Porque,analisando essa cadeia hereditária o que todo brasileiro quer é se livrar da situação precária, onde o rico cada vez fica mais rico e o pobre cada vez fica mais pobre. E o motivo todo mundo conhece:

- é que o de cima sobe e o de baixo desce.

Agora pelo menos tem muita gente subindo na vida de consumo.

Mãos à obra, gente.
Estamos erradicando a pobreza.
Agora temos que erradicar a ignorância.

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rosana hermann
Prato cheio de vida 

physicist, writer, journalist, blogger, scriptwriter, professor, tv hostess, runner, knitter and twitter lover @rosana